30 maio 2018



Todo preconceito se baseia na premissa de que há algo pré-estabelecido em nosso olhar sobre o outro e, desta análise errônea que fazemos, não há espaço para desconstrução. Por esta razão, nos tolhemos de conviver com certas pessoas, experimentar determinadas vivências e conhecer outras realidades, por causa dessa patética mania que temos de superestimar nossos conceitos a partir de nossos olhares distorcidos sobre a vida alheia. Por causa dessa nossa insensata postura, subestimamos tudo e todos a nossa volta que fuja da normalidade captada por nossas lentes desfocadas. Antes mesmo de sentenciar os “diferentes” a total exclusão de nossas vidas, duvidamos de suas capacidades, questionamos sua relevância e/ou desvalorizamos suas qualidades, mesmo que estas sejam inquestionáveis, porque já fomos hipnotizados pela sociedade a ver sem enxergar. Mais que discriminar, subestimar com base no que se vê de relance, nesse sentido, é a forma mais genuína pré-conceitual de delimitar o muito de alguém em pouco.  

Tenho minhas reservas com a expressão: “a primeira impressão é a que fica.” Nem sempre ela dá conta de nos apresentar ao mundo como de fato somos. Como toda apresentação, na ânsia de nos mostrar o melhor que pudemos, há de nossa parte excessos, economia, exageros, cautelas, erros, acertos, sem brechas para ensaios. E desse improviso de querer agradar ao outro, deixamos escapar nossa naturalidade para assumir um perfil “Fake” de nós mesmos. Então, numa piscadela, quem está do outro lado já presume quem somos, ao ponto de nos incluir ou excluir definitivamente de suas vidas. É uma atitude digna de, no mínimo, reflexão. Todavia, em sua essência, aquele dito popular carrega em si a presunção usada por muitos para subestimar as pessoas a nossa volta. Seja pela aparência, entonação da voz, gesticulação corporal, há sempre algo usado para caracterizar o todo do outro, como se uma parte do que somos fosse capaz de nos definir por completo.

Assim, sem ao menos nos conhecer, temos a nossa personalidade questionável por pessoas ocupadas em nos sentenciar meramente por aquilo que veem ao nosso respeito. Pior ainda é quando essa análise visual interfere naquilo que de melhor temos a oferecer. Recentemente, passei por isso, quando uma vizinha, que sabe da minha rotina como professor, questionou a autenticidade dos textos que costumo escrever na rede/blog. Seu tom de voz e expressão ocular revelavam total descrença de que os artigos lidos por ela poderiam ter sido feitos por mim. Recebi aquela ofensa da melhor maneira que pude e retruquei perguntando por que não seria de minha autoria aquelas palavras. Ela, com a velocidade costumeira de nossos preconceitos, disparou que não imaginava alguém como eu ser capaz de produzir aqueles “textões”. A minha vontade era de lhe esbofetear com palavras, porém minha sanidade sabia que não valeria a pena me expor daquela maneira. Então, guardei na mente a frase dita por ela “alguém como eu” para uma acurada reflexão.

Revisitei vivências preconceituosas das quais já havia me esquecido. Ao subestimar as minhas produções textuais, a minha vizinha não se referia ao texto propriamente dito, mas, sobretudo, àquele que o produziu. Ou seja, um rapaz pobre, negro, morador da periferia, gay, professor, nordestino, e tantos outros estigmas captados pelo olhar daquela mulher. Por mais que me conhecesse há anos, ela não me via como alguém capaz de tal feito. Para ela, assim como boa parte da sociedade, é mais fácil subestimar os grupos minoritários do que dar a eles a chance de se mostrarem como são, com suas deficiências, mas também com suas surpresas e dotes pessoais. Por isso nos chocamos ao ver um médico negro, um nordestino governando o país, uma mulher na liderança de uma empresa, entre outros casos à revelia do sistema superestimado em que estamos inseridos, porque aprendemos com o preconceito a desdenhar do outro, inferiorizando sua capacidade através daquilo que se atribuiu a eles como menor, vil e sem valor.

Quando não é o preconceito que nos subestima, somos nós mesmos que fazemos isso, seja inconscientemente, seja para legitimar a discriminação social evitando um embate entre nós e eles. Dessa forma, poucas pessoas nos enxergam por completo. Em boa medida, isso se dá porque economizamos na amostra daquilo que somos. Geralmente, exibimos versões incompletas de nós mesmos, fatiando nosso ser em pedaços desordenados, os quais chegam ao outro como um quebra-cabeça confuso de se montar. Então, quando é chegado o momento de revelar nossas potencialidades, por mais claras que sejam, não somos percebidos ou devidamente valorizados por nossas reais qualidades. Dessa autodegradação, contribuímos para o desmerecimento de nossos poucos valores, em uma sociedade historicamente construída no menosprezo, vilipêndio e depreciação das conquistas dos grupos minoritários.

Subestimar o outro por meio do nosso limitado alcance ocular é um erro que pode ainda desembocar em um risco, o da vergonha alheia. Quantas vezes, precipitados em achismos rasos, definimos alguém com base naquilo que queremos ver e não no que enxergamos de fato? Inúmeras, pelo menos comigo. É que colocamos no mesmo bojo a ação de dois verbos, que apesar de sinônimos, possuem aplicabilidades distintas. Ver todos nós vemos, sobretudo aqueles que fisiologicamente foram agraciados com a dádiva desse sentido. Já enxergar vai além de ver. Requer detalhe, minúcia, atenção e, principalmente abertura. É preciso desnublar nossa visão daquilo que nos invisibiliza de enxergar além do que nossa biologia corporal nos permite. De fato, esse olhar quase biônico não se adquire facilmente. Passamos por longos momentos de cegueira coletiva até apurar nossas lentes para aquilo que sempre esteve a nossa frente clamando por atenção, mas ignorávamos porque havia tufos preconceituosas ocupando nossa visão.

Na verdade, elas continuarão lá embaçando nossas vistas, se não tomarmos uma atitude enérgica para adquirir o controle dos nossos sentidos. Quando as rédeas passarem a estar em nossas mãos, estaremos aptos a compreender melhor essa agigantada acepção que há por trás da palavra preconceito. A ideia aqui não é apenas enxergar o mundo de outra forma, mas deixar com que esse mundo se revele para nós como ele sempre foi e a partir disso refletir sobre suas incontáveis incoerências. Não obstante, isso não garante os inevitáveis momentos de cegueira ao longo da vida. Por estar em sociedade, nem sempre enxergamos o mundo a partir de nossos olhos. Todavia, certos embaraços na visão serão rapidamente sanados quando entendermos o quão nocivo é para todos subestimar os outros pela primeira olhadela. A quem, como eu, já foi vítima desse crivo equivocado, não poupe esforços para se mostrar para o mundo. Não podemos deixar que o outro defina nossa grandiosidade de forma mesquinha. Precisamos ajudá-los a nos ver de verdade. Feito isso, o cada vez mais velho preconceito terá seus dias contatos, pois qualquer tentativa de nos subestimar se mostrará inútil.

Até porque você não me conhece, tão pouco eu lhe conheço. Então, não me subestime. Sou mais do que você imagina e você também.

Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se
Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se
Sou Tempestade, mas entrei na mente tipo Jean Grey
Xinguei, quem diz que mina não pode ser sensei?
Jinguei, sim sei, desde a Santa Cruz, playboys
Deixei em choque, tipo Racionais, "Hey Boy"
Tanta ofensa, luta intensa nega a minha presença
Chega! Sou voz das nega que integra resistência
Truta rima a conduta, surta, escuta, vai vendo
Tempo das mulher fruta, eu vim menina veneno
Sistema é faia, gasta, arrasta Cláudia que não raia
Basta de Globeleza, firmeza? Mó faia!
Rima pesada basta, eu falo memo, igual Tim Maia
Devasta esses otário, tipo calendário Maia
Feminismo das preta bate forte, mó treta
Tanto que hoje cês vão sair com medo de bu
Drik Barbosa, não se esqueça
Se os outros é de tirar o chapéu, nóiz é de arrancar cabeça
Mas mano, sem identidade somos objeto da História
Que endeusa "herói" e forja, esconde os retos na história
Apropriação a eras, desses tá na repleto na história
Mas nem por isso que eu defeco na escória.
Pensa que eu num vi?
Eu senti a herança de Sundi
Ata, não morro incomum e
Pra variar, herdeiro de Zumbi
Segura o boom, fi
É um e dois e três e quatro, não importa, 
Já que querem eu cego eu "Tô pra ver um daqui sucumbir" (não!)
Pela honra vinha Mandume
Tira a mão da minha mãe!
Farejam medo? Vão ter que ter mais faro
Esse é o valor dos reais, "caros"
Ao chamado do alimamo: Nkosi Sikelel', mano!
Só sente quem teve banzo
(Entendeu?) Eu não consigo ser mais claro!
Olha pra onde os do gueto vão,
Pela dedução de quem quer redução,
Respeito, não vão ter por mim?
Protagonista, ele preto sim,
Pelo gueto vim, mostrar o que difere,
Não é a genital ou o "macaco! " que fere,
É igual me jogar aos lobos
Eu saio de lá vendendo colar de dente e casaco de pele.
Meme de negro é, me inspira a querer ter um rifle
Meme de branco é, não trarão de volta Yan, Gamba e Rigue
Arranca meu dente no alicate
Mas não vou ser mascote de quem azeda marmita
Sou fogo no seu chicote
Enquanto a opção for morte pra manter a ideia viva.
Domado eu não vivo, não quero seu crime
Ver minha mãe jogar rosas
Sou cravo, vivi dentre os espinhos treinados
Com as pragas da horta
Pior que eu já morri tantas antes de você me encher de bala
Não marca, nossa alma sorri
Briga é resistir nesse campo de fardas.
Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se
Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se
Banha meu símbolo, guarda meu manto que eu vou subir como rei
'Cês vive da minha cicatriz, eu tô pra ver sangrar o que eu sangrei
Com a mente a milhão, livre como Kunta Kinte, eu vou ser o que eu quiser
Tá pra nascer playboy pra entender o que foi ter as corrente no pé
Falsos quanto Kleber Aran, os vazio abraça,
La Revolução tucana, hip-hop reaça,
Doce na boca, lança perfume na mão, manda o mundo se foder
São os nóia da Faria Lima, jão, é a Cracolândia Blasé
Jesus de polo listrada, no corre, corte degradê
Descola o poster do 2pac, que cês nunca vão ser
Original favela, Golden Era, rua no mic
Hoje os boy paga de 'drão, ontem nóiz tomava seus Nike
Os vira lata de vila, e os pitbull de portão
Muzzike, o filho de faxineira, eu passo o rodo nesses cuzão
Ando com a morte no bolso, espinhos no meu coração
As hiena tão rindo de quê, se o rei da savana é o leão?
Canta pra saldar, negô, seu rei chegou
Sim, Alaafin, vim de Oyó, Xangô
Daqui de Mali pra Cuando, De Orubá ao bando
Não temos papa, nem na língua ou em escrita sagrada
Não, não na minha gestão, chapa
Abaixa sua lança-faca, espingarda faiada
Meia volta na Barja, Europa se prostra
Sem ideia torta no rap, eu vou na frente da tropa
Sem eucaristia no meu cântico
Me veem na Bahia em pé, dão ré no Atlântico
Tentar nos derrubar é secular
Hoje chegam pelas avenidas, mas já vieram pelo mar
Oya, todos temos a bússola de um bom lugar
Uns apontam pra Lisboa, eu busco Omonguá
Se a mente daqui pra frente é inimiga
O coração diz que não está errado, então siga!
Dores em Loop-cínio, os cult-cínio, quê?
Ao ver o Simonal que cês não vai foder
Grande tipo Ron Mueck, morô muleque? Zé do Caroço
Quer photoshop melhor que dinheiro no bolso?
Vendo os rap vender igual Coca, fato, não, não
Melhor, entre nóiz não tem cabeça de rato
É Brasil, exterior, capital interior
Vai ver nóiz gargalhando com o peito cheio de rancor
Como prever que freestyles, vários necessários
Vão me dar a coleção de Miley Cyrus
Misturei Marley, Cairo, Harley, Pairo, firmeza
Tipo Mario, entrei pelo cano mas levei as princesa
Várias diss, não sou santo, imã de inveja é banto
Fui na Xuxa pra ver o que fazer se alguém menor te escreve tanto
Tô pelo adianto e as favela entendeu
Considere, se a miséria é foda, chapa, imagina eu
Scorcese, minha tese não teme, não deve, tão breve
Vitória do gueto, luz pra quem serve?
Na trama conhece os louro da fama
Ok, agora olha os preto, chama!
Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se
Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, baixa a cabeça
Nunca revide, finge que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se

Compositores: Raphao Alafin / . Amiri / Drika Barbosa / Rico Dalasam / Leandro Roque De Oliveira / Muzzike Phill Terceiro / Rafael Tudesco

Sofri uma decepção há pouco tempo. Quem nunca, não é verdade? Todos nós, pelo menos uma vez na vida, iremos nos decepcionar com alguém. Seja qual for a proximidade entre o decepcionante e o decepcionado, ou a fase da vida em que isso ocorra, é sempre frustrante perceber como o outro pode, e vai, nos surpreender ao longo da vida, nem sempre de forma positiva. Por mais critérios que criamos para nos relacionar com as pessoas: afinidades, similaridades, energias, apelo aos astros, reações químicas, quaisquer outras categorias, não estamos imunes de sermos desapontados por elas. Ser decepcionado por alguém, que acreditávamos ser incapaz de nos frustrar, é uma prova de como as nossas expectativas para com o outro são infinitamente maiores do que a realidade que elaboramos em seu entorno.

Partindo desse pressuposto, é preciso fazer uma autoavaliação. Acredito profundamente na ideia de que as decepções sofridas por nós partem de juízos de valor mal elaborados em torno daqueles que classificamos como especiais. Isto porque, na pressa em estarmos incluídos em alguma célula de relacionamento, definimos erroneamente que determinadas pessoas são importantes para nós sem o devido tempo para o conhecimento mútuo. Assim, precocemente coleguismos, amizades, namoros, e até casamentos, se formam sem que as partes tenham dividido confidências, posicionamentos de mundo, defeitos, marcas pessoais capazes de revelar um pouco mais sobre aqueles indivíduos. Então, onde pensávamos ser terra firme, torna-se de uma hora para outra um terreno movediço. O problema é que só percebemos isso quando estamos afundando.

A desilusão com aquele que nos era caro se dá muitas vezes também por cegueira. Hipnotizados pelo ideal que criamos em torno de algumas pessoas, fechamos os olhos para os seus defeitos, por mais que outros nos advirtam do contrário. Não adianta. Ficamos fascinados com aquilo que nos foi apresentado no passado, incapazes de desatar certos laços por pura conveniência, necessidade, carência, dependências estas nocivas a longo prazo. Então, quando a decepção insiste em nos revelar a verdade sobre aquilo que não queríamos enxergar, somos confrontados por nossas incoerências, mostrando-nos não apenas que desconhecíamos aquele que sempre esteve ao nosso lado, mas também a nós mesmos, que durante anos vivemos ofuscados numa relação incompleta da qual somente uma das partes se revelara sem medo.

Decerto, se a decepção fosse ao acaso, apenas um escorregão do qual todos nós estamos susceptíveis a resvalar, seria compreensível. Afinal, quem nunca errou, que atire a primeira pedra? Entretanto, aquela contrariedade vem no plural, geralmente em pequenas ações acumulativas, vistas como meros rompantes de temperamento. E, então, quando relaxamos a nossa retaguarda, já estamos desprotegidos e somos apunhalados deliberadamente por quem menos pensávamos ser capaz de nos ferir. São golpes duros, fortes o bastante para machucar nosso ego, incapacitar nossos sentidos e nos fazer perder o prumo de nossas vidas. Resta-nos, entre a desgostosa sensação de desencanto e o desprazer em ver o outro que achávamos que conhecíamos, o inevitável aprendizado adquirido através daquilo que nos parece, a priori, uma perda.

Aprender e doer, mesmo não sendo verbos sinônimos, fazem uma aliança macabra quando somos decepcionados. Infelizmente, nosso aprendizado mais profundo vem com o sofrimento, quando nossas barreiras idealizadas, construídas para nos manter numa eterna zona de conforto, são arruinadas, revelando o quão precipitado foi o nosso critério para inserir um determinado alguém em nossa existência. Nessas horas de desengano, muitos de nós se questiona o prolongamento de tal convívio, mesmo o outro dando tantos sinais de que iria nos desapontar mais cedo ou mais tarde. É difícil dizer. As relações humanas saciam demandas coletivas essenciais em um primeiro momento, mas mutáveis, sobretudo ajustáveis as nossas inúmeras necessidades de estar inserido na vida do outro. Ou seja, aquele que nos decepcionou hoje já nos foi importante em nosso passado.

Para os mais evoluídos, porém, apesar do erro cometido, algumas decepções alheias podem ser perdoadas. Cabe a cada um ponderar o quão grave foi a falha do outro para sentenciá-lo ao julgo da absolvição. Em relações parentais, cujos laços consanguíneos têm um peso imensurável, o perdão é uma prática recorrente para manter a harmonia familiar. Já nos relacionamentos amorosos conjugais e amizades, o grau da decepção, o momento em que esta ocorreu e a intensidade dos sentimentos entre os envolvidos, é o que decidirá se o outro merece ou não uma segunda chance. Sua reincidência também é um ponto a ser levado em conta, da mesma forma que o momento vivido pelo outro. Às vezes, muitas pessoas queridas nossas assumem outras personalidades como defesa para seus dilemas mais internos, os quais nem nós e nem ninguém somos capazes de resolver e/ou compreender.

De qualquer forma, aprendemos muito ao sermos decepcionados por alguém. A primeira lição é rever nossas expectativas para com o outro. Esperar sempre do lado de lá o que pode ser ofertado, sem excessos ou idealizações. Aprender que nem mesmo o tempo ao lado de alguém é garantia de que a decepção não baterá a nossa porta. Perceber também que nossa cegueira pode nos fazer elaborar um perfil alheio imaginário, do qual a realidade costuma arruinar as nossas fantasias. Ainda, solucionar os pequenos erros alheios, bem como os nossos, no início de cada relacionamento. Isto ajuda a evitar que eles desemboquem em frustrações maiores no futuro. Compreender que a dor de uma decepção é inevitável assim como tudo o que adquirimos desse sofrimento. Além de aprender a perdoar aquilo que consideramos perdoável e a nos preparar o máximo para as grandes decepções da vida, aquelas vistas como imperdoáveis.

Essas são dicas valiosas, mas dependem de variados fatores para se por em prática. Até porque, tudo o que envolve afeto precisa ser analisado com delicadeza para que determinadas relações já fragilizadas não sejam destruídas por completo. Eu mesmo, apesar de ciente daqueles pontos, ainda não estou pronto para perdoar as decepções recentes das quais passei. Elas permanecem incicatrizáveis dentro de mim. Todavia, essa ferida não me foi de todo negativa. Sinto que amadureço a cada decepção sofrida, ao passo que insiro com cada vez mais cautela pessoas em minha vida. Não estou jamais fechado para balanço, mas avalio com mais discernimento certas relações para não cometer os mesmos erros, nem tão pouco permitir que o outro erre comigo. Então, aprendi que as pessoas vão nos decepcionar, porque faz parte da nossa natureza errar. Nos cabe apenas extrair disso algo que nos fortaleça, encorajando-nos a nos aventurar em novas relações, por mais arriscadas, imprevisíveis e decepcionantes que se tornem.

Ainda é mais fácil encontrar mulheres com medo de se assumirem feministas do que mulheres que mostrem orgulho desse rótulo e ilude-se quem pensa o contrário.
Não é só culpa da mídia sensacionalista: pequenos grupos de feministas radicais são frequentemente filmados em cenas chocantes (enfiando crucifixos na vagina, por exemplo), e a imagem do movimento acaba deturpada no caminho de sua popularização.
A popularidade do feminismo (especialmente do feminismo liberal e do feminismo interseccional), queira-se ou não, é projetada – além de nas camadas populares e na internet – nas celebridades e figuras públicas que assumem a causa, como Emma Watson, Viola Davis e Elza Soares (entre muitas, muitas outras).
A duquesa de Sussex, nascida Meghan Markle, casou-se com o príncipe Harry na Capela de São Jorge e também declara-se feminista.
Ela luta pela causa desde os 11 anos de idade, quando fez uma campanha de sucesso para que uma empresa de detergentes modificasse seu anúncio sexista (se uma mulher dessas na família real não é um fio de esperança neste momento histórico da involução progressista no mundo, entreguemos os pontos).
Para os padrões norte-americanos, a duquesa é negra. Indiscutivelmente latina e assumidamente feminista, ela resolveu – e  por que não? – seguir o sonho de se casar com um príncipe.
Em um conceito simples e didático, o feminismo existe para que as mulheres façam o que tenham vontade de fazer (e não para que suas ações sejam julgadas e problematizadas por outras mulheres).
Mas o que a turma da problematização – que, em sua maioria, se autointitula feminista – faz na internet? Problematiza.
Alguns dizem que o negócio é não dar a mínima para a família real –  e eu adoraria não dar a mínima para a família real, mas essa cafonice ainda existe e ainda faz parte de nossa realidade geopolítica. Tipo a sandália crocs: é ridículo e fora de moda, mas precisamos lidar. Paciência.
Nesse caso, melhor que seja uma feminista latina a se casar com o príncipe e não uma Melania Trump da vida, certo?
Além de reclamarem da muita atenção que se tem dado ao casamento real, estão reclamando também – reclamar é uma especialidade na internet – da escolha antiquada de se casar com um príncipe e cumprir todos os ditames reais por amor – ou por fetiche, ou por vontade, o que importa?
Algumas mulheres escolhem seguir suas carreiras, outras escolhem o casamento e a maternidade, outras escolhem viajar o mundo, outras escolhem tudo isso junto, outras escolhem casar-se com príncipes e lutar por causas humanitárias, e outras escolhem simplesmente existir (de preferência em um mundo que não as violente).
O mínimo que se pode esperar de um discurso feminista é que se deixe uma mulher viver suas escolhas em paz. Se essa mulher puder e quiser representar a causa, ponto pra ela – e pra nós.
Visto no: DCM

O noticiário internacional dessa última semana viu entre suas guerras, trumps e kims, um intruso festivo: a intensa cobertura sobre as mais recentes Bodas da Família Real inglesa: Meghan Markle e o Príncipe Harry. O caçula de Diana – “a princesa do povo” – juntava os trapinhos chiques com a moça negra (ou “birracial”, como ela se autorreferencia[1]), atriz, divorciada, em mais um “felizes para sempre” carimbado ao final de cada “sim” com véu e grinalda.
Não vou entrar na discussão sobre o quanto uma ultracobertura do evento como a que foi feita dificulta a vida de quem defende que o casamento está mais pra começo do que final, e que nem sempre é feliz. Nem no mérito de todos os problemas que decorrem de sua idealização como o objetivo máximo da vida de uma mulher – e como o pior que pode acontecer a um homem (falo sobre isso aqui).
“Poxa, Maíra, mas quanto amargor, quanta bile, quanto ódio. Adorei acordar cedo pra assistir aquela lindeza, o coral cantando foi espetacular, o Givenchy dela tava maravilhoso, produção digna de cinema! Parecia final de desenho da Disney!” (O curioso que até os estúdios Disney tem achado que as princesas com final feliz – o que para alguns memes significou “nunca mais pagar boleto” – já não vendem tanto). Mas como noveleira assumida, quem sou eu para criticar o entretenimento escapista alheio, qualquer que seja ele? Só acho complicado classificar um vestido de noiva como “feminista” (como insistiram alguns jornalistas de moda) já que a simbologia do vestido branco é justamente a garantia de virgindade (e, portanto, pureza) da noiva ao ser entregue para o único homem de sua vida. Difícil de sustentar como manifestação feminista, não?
Bom, pra quem não acompanhou o Grande Enlace e ficou sem entender nada dos memes: a cerimônia foi descrita por muitas reportagens como sendo “moderna” e “inovadora”, e que diversos detalhes da celebração simbolizariam importantes “quebras de tabus” (resumão com fotos tambémpode ser acessado aqui).E chamou minha atenção ver as reações de tantas pessoas positivamente impressionadas com o fato de a Família Real (o adjetivo aqui só dá pra grafar em maiúsculo, pois nada menos real que a Nobreza) ter “aceitado” que o 6º nome na linha de sucessão do trono se case com “alguém como Meghan” – ou seja, divorciada, negra, mais velha que ele, atriz – e mais, por ter “endossado” na formalíssima cerimônia o que seria toda uma nova “era de modernidade” e “quebra de tabus”, com a inclusão de um coral gospel e a celebração por um pastor negro citando Martin Luther King. Sua escolha de entrar sozinha na igreja para caminhar até o altar foi enaltecida como um “gesto feminista”. Que seria um sinal dos tempos e de renovar a fé no “progresso” da Humanidade, pois “até a Rainha” está se modernizando.
Vamos começar por aqui: “Rainha” e “Modernidade” são expressões necessariamente antagônicas. No Ocidente, a passagem pra Modernidade no século XVIII teve por principal feito (seja considerado como histórico ou como mítico) a incorporação da noção de igualdade perante a lei, o que impossibilitava que outro ser humano fosse considerado soberano pelo poder divino. Logo, “Família Real”, “Rainha”, “Príncipe”, “Princesa”, e todas as atribuições de títulos de nobreza atrelados ao direito de propriedade de terras (duques e seus ducados, condes e seus condados, barões e seus baronatos e assim por diante) não são instituições apenas conservadoras: são pré-modernas na acepção política do termo.
E aqui vale pensar um pouco sobre o papel da instituição do casamento na transição para a Modernidade. Para manter o clima britânico, chamemos para a conversa nosso caro William Shakespeare, autor de “Romeu e Julieta”, peça escrita por ele entre 1591 e 1595. A narrativa, adaptada à exaustão para o cinema, balé, televisão, quadrinhos e quase todo tipo de mídia, costuma ser referida como uma história de amor proibido e eternizado pela morte após os protagonistas, amantes adolescentes pertencentes a famílias ancestralmente inimigas, enfrentarem a tudo e a todos, mas, mesmo assim, vítimas do ódio e de uma sequência de enganos, acabarem se suicidando ao final – quanto a isso, quem já assistiu a qualquer uma das versões sabe que, se adaptada para a atualidade, um WhatsApp resolveria com facilidade todos os desencontros do casalzinho e os créditos subiriam à tela muito antes da punhalada final da Julieta desesperada.
Trata-se, porém, de uma peça de profundo conteúdo político: a ação de Romeu e Julieta reflete a situação política e social do período. Para Bárbara Heliodora[2] “o mais claro exemplo da preocupação com a rebelião e a guerra civil em obras não histórico-políticas é Romeo and Juliet (…), constituindo-se um sermão sobre os males da luta civil”, e observando-se na peça “a posição responsável de Escalus [o Príncipe de Verona] e sua preocupação com o bem-estar da comunidade” em oposição à “irresponsabilidade, a vaidade, o desrespeito à comunidade que prevalecem entre Montagues e Capulets, assim como prevaleceram por tantas décadas nas lutas feudais do século XV”.
Em outras palavras: na tragédia de Romeu e Julieta, é a falta do Príncipe (o do Maquiavel, não o do final dos contos-de-fada da Disney ou de Buckigham) a controlar a instabilidade e a violência decorrentes dos conflitos locais (ou familiares, como no caso dos Montechio e dos Capuleto) que impede que dois indivíduos (Julieta e Romeu) levem suas vidas conforme suas próprias vontades. Aqui reside a genialidade de Shakespeare, que antecipa em 200 anos o indivíduo moderno, cuja vontade é o centro do mundo (não à toa, uma parte expressiva do Direito Ocidental será construída após a modernidade tendo a vontade do indivíduo como centro de tudo: do dolo aos contratos, o que importa é a manifestação da vontade).
A citação a Shakespeare é importante para o argumento que pretendo aqui desenvolver porque, a partir do século XIX, com a consolidação da hegemonia das classes burguesas no poder político e a estruturação de seu modo de vida, a organização da vida privada sofre uma guinada: se antes casamentos eram instituições macropolíticas e que envolviam a união de reinos, famílias nobres e patrimônio para perpetuar o poder divino dos reis, o casamento burguês obedecerá – idealmente, é claro – ao amor e à vontade dos indivíduos. A oposição dos valores de igualdade e liberdade do indivíduo cidadão em face do poder absoluto do soberano farão da família a única forma “natural” de sociedade, e, sendo formada livremente pela vontade dos indivíduos, contribuirá para “desnaturalizar” o direito divino dos reis. Não é o poder divino dos reis que deve reger a sociedade, mas sim a família, que é sua base natural. Opa, parece familiar, não? Sim: em “O Contrato Social”, Rousseau, considerado um dos grandes nomes da filosofia iluminista, afirmará que a “mais antiga de todas as sociedades e a única natural, é a da família(…)”.
Com essa afirmação, Rousseau nega legitimidade à autoridade política do rei sobre seus súditos, que deverá ser substituída pelo modelo da autoridade do pai sobre os filhos. Assim se forma a família monogâmica heterossexual burguesa: o amor romântico é transformado em valor desejável e o casamento deixa de ser assunto político relacionado a união de reinos e patrimônios para se tornar objeto da vida privada. Não posso deixar de registrar, evidentemente, que esse processo é concomitante à atribuição dos cuidados com a vida doméstica às mulheres (já que sua anatomia assim favorecia, segundo o entendimento médico de então), e, com isso, nem de longe o casamento romântico como concebido nesse contexto pode ser considerado uma liberdade real para as mulheres.
De qualquer forma, podemos afirmar que a invenção moderna de se casar por amor com quem se escolheu já foi um ato revolucionário, e em oposição a quem? Justamente contra o poder dos reis. Então é o caso de refletirmos o quanto a cerimônia de casamento de Meghan e Harry tem de moderno, ou mesmo de real (aqui, grafado em minúsculo). Ou o quanto temos aqui de símbolos que expressam ideias de contestação política sendo apropriados pelo que há de mais conservador, a pretexto de se mostrar muito adequado para ainda permanecer vivo por muitos e muitos anos. The Queen is not dead: long live to the Queen.
No fim das contas, talvez não seja lá um problema tratar o casório real como um entretenimento divertido. Aliás, recentemente, a Casa dos Windsor tem sido tema recorrente de muito produto para consumo de entretenimento, o que pode levantar um outro questionamento: por que a essa altura do século XXI a dinastia Widsor – e o reinado de Elizabeth II – vem se tornando tema tão recorrente da produção da cultura pop? Série[3], filmes[4], novo casamento “real” e “moderno”, com potencial para agradar um público composto por gregos, troianos e militâncias. Talvez valha lembrar de alguns elementos, como o recente Brexit[5]ou a idade avançada de Elizabeth II: a vacância do trono pode abrir espaço para um novo questionamento da manutenção do regime monárquico – afinal, ainda que a expressão “Rainha da Inglaterra” faça referência a alguém cuja posição é meramente figurativa, na verdade a monarca tem lá seus poderes (veja aqui). É a Rainha do pós segunda guerra, do rock dos Beatles e dos Rolling Stones, do neoliberalismo de Margaret Tatcher e da Guerra das Malvinas. Talvez essas produções da cultura pop – onde, a meu ver, se inclui o registro, cobertura e exibição desse casamento – estejam procurando construir uma narrativa iconográfica de como “a Inglaterra é o que é hoje por conta dessa dinastia e desse reinado”.
Encerro este texto com trilha sonora – porque a Inglaterra de Elizabeth II também teve Sex Pistols: God save the Queen! -, e dizendo que, no fim das contas, moderno mesmo – no sentido mais político da palavra – foi Edward, o único caso conhecido de ex-príncipe (pelo menos até onde meu parco repertório de fofocas das famílias reais alcança): abdicou da coroa inglesa no auge do Império Britânico para se casar por amor – vejam a ironia (ou não?) – do destino, com uma mulher divorciada, Wallis Simpson[6].
P.S. – na próxima coluna retomo a série de artigos sobre as prisões em 2ª Instância. Até lá!
Maíra Zapater é Doutora em Direitos Humanos pela USP e graduada em Direito pela PUC-SP, e Ciências Sociais pela FFLCH-USP. É especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Professora e pesquisadora. Autora do blog deunatv.
Visto no: Justificando


A paralisação dos caminhoneiros reacendeu chamas adormecidas, mas não apagadas, no Brasil. Em junho de 2013, com as reivindicações em torno dos 20 centavos, as primeiras faíscas foram acesas após anos de gélido silêncio. O povo mostrou o quão incendiário é quando vê seus poucos direitos serem pulverizados por sucessivos governos. Agora, o fogaréu de insatisfação volta a devastar tudo em seu caminho, mas é justamente na destruição que nasce a renovação de que tanto necessita o país. Dessa vez, os caminhoneiros foram os responsáveis em atear fogo com gasolina, literalmente falando, e o resultado é uma nação ciente da validade dos protestos de um lado, e, do outro, hipocritamente calada, usando dos recursos midiáticos para reverter o discurso em pauta para acusar aqueles que são as reais vítimas, o povo.
Como todo fenômeno destrutivo, o fogo assusta porque queima tudo a sua volta. É justamente dessa metáfora que depreende-se a paralisação daqueles trabalhadores. Poucas vezes na história da nação, uma interrupção mexeu com tantos setores sociais ao mesmo tempo. Dessa vez, não foi só o pobre, assalariado, usuário de transporte público e beneficiário do bolsa família que pagou o pato. A classe média regada a Chandon, do panelaço que tirou nossa presidenta Dilma do poder, vê seu discurso arder no fogo do próprio inferno com o aquecimento desenfreado no preço da gasolina e todos as demandas imbuídas nisso. Para escapar das queimaduras visíveis, essa classe finge calada que a fogueira da qual todos estão sendo incinerados não tem relação com o governo golpista que eles próprios colocaram ilegitimamente no poder.
Por falar em governo, o nosso foi tostado em mais essa pausa histórica nacional. Regido por um presidente desacreditado pela maioria, se não por todos, deixou claro nessa parada necessária dos caminhoneiros o quão despreparado é para lidar com os problemas do Brasil. Fruto de uma sanha golpista, gananciosa, gigante como a corrupção brasileira costuma ser conhecida, é incapaz de abrasar as chamas acesas com a mínima habilidade esperada por alguém que rege uma nação. Em suas palavras chamuscadas de incoerências, mais vale recorrer às Forças Armadas do que reconhecer os incontáveis erros que fizeram o clima esquentar desde que foi incongruentemente empossado como representante máximo do país. Porém, é mais fácil acalorar as massas com palavras distorcidas, chamando trabalhadores de vândalos do que admitir publicamente a falta de tino de um governo em lidar com as labaredas que se criaram em torno de uma brasa acesa lá trás.
Desse fogaréu, o povo brasileiro tem sido mais uma vez levado a acreditar que os reais culpados estão nas ruas, parando estradas, causando caos, impedindo o progresso, quando na verdade, quem risca o fósforo são justamente aqueles que conduziram extremamente mal as riquezas nacionais. Então, divididos entre o desespero e a descrença, a população polariza o seu pensamento, levado em boa medida por interferências midiáticas mais voltadas a inflamar a discussão do que em facilitar seu entendimento. Assim, as redes sociais se enchem de retóricas raivosas, argumentos desencontrados, muitas vezes contraditórios, combustível mais que suficiente para a fogueira de emoções em que todos estão sendo torrados. O fato é que, seja qual for a orquestração por trás desses acontecimentos, é inegável o despreparo governamental em lidar com eles, bem como o fracasso daqueles que apoiaram a consolidação desse governo em chegar no poder por puro capricho de uma classe média tendenciosa e mal-intencionada.
Os resultados dessa flama política são sentidos na pele. Caminhoneiros insatisfeitos parados em estradas esperando um acordo minimamente justo para voltar a trabalhar; postos de gasolina superinflacionando os preços dos combustíveis, filas escaldantes de veículos para abastecer o máximo que derem seus meios de locomoção; pessoas estocando alimento, água e outros itens de sobrevivência; repartições públicas e privadas paradas; um verdadeiro estado de sítio não declarado. Todos esses transtornos fazem-nos questionar a validade da paralisação, sobretudo numa nação que está aprendendo a protestar. Entretanto, nem sempre a erupção de certos vulcões adormecidos pode ser vista como ameaça. Isto porque, estamos tão acostumados em, passivamente, evitar certos embates, que quando eles vem à tona, muitos põem em xeque sua autonomia. Todavia, o gás acumulado por tanto descaso e desrespeito com o povo uma hora precisa sair e quando isso ocorre há essa larva de problemas para todos os lados.
Nesse espaço de tempo, a mídia aproveita o fervor de nossas dúvidas para distorcer ainda mais as nossas inquietações, geralmente a favor daqueles que são os reais responsáveis pelo fogo. Numa passada rápida pelos grandes veículos de informação do país, não é difícil encontrar publicações tendenciosas voltadas a ludibriar as massas a culpabilizar quem é vítima e vitimizar quem são os verdadeiros culpados. É um desserviço vergonhoso, oportunista e inescrupuloso, levando à fogueira as problematizações tão necessárias nesse momento de crise. Não educados a se imunizar desse gás lacrimogênio televisivo, muitos de nós se deixa intoxicar por sua retórica e, irrefletidamente, acaba escaldando os dilemas da realidade sem analisar de forma ampla todos os contextos embutidos. É justamente isso que os meios midiáticos nacionais querem: torrar qualquer chance de reflexão que amplie o levante popular contra esse governo já queimado perante o povo.
Não é o que está acontecendo. Felizmente, a paralisação dos caminhoneiros deu gás suficiente para o país, pelo menos, por a prova à política nacional. Mais que isso, tem oportunizado que outros setores caros ao andamento da vida moderna também se organizem contra as negligências governamentais ao longo dos anos. Não dá mais para se silenciar diante de tantos aumentos abusivos, da ganância protagonizada pela nossa famigerada corrupção, ao passo que o povo vê sua dignidade ser cremada em sucessivos governos. Inclusive, é do fogo dessas insatisfações que os rumos das eleições, desse e doutros anos, ganhará novos caminhos. É disso que Temer, e a direita que o pôs no poder, temem: permitir que esse abrasamento populacional ganhe tamanha proporção e chegue a destroná-lo de seu reinado, conquistado através de manobras fraudulentas de uma conjuntura política precária em inúmeros sentidos.
Então, apesar dos transtornos vividos, dá certo orgulho ver o presidente mais mal quisto da história brasileira indo à mídia mostrar sua ineficiência como governante ao acionar os militares para resolver um erro oriundo de sua própria forma errônea de governar. Perceber o quanto o povo tem amadurecido com as sucessivas insurgências, mesmo que haja muita intransigência nos posicionamentos de todos os lados. Porém, perdidos em nossas queixas, queremos uma sociedade melhor, só precisamos aprender a delegar as pessoas certas o poder de melhorar o país. Enquanto isso, vamos queimando nossas exigências em praça pública, porque os sinais de fumaça do passado não foram o bastante. É preciso arde-se coletivamente para que nossas reivindicações ganhem sentido. É de gás que o Brasil precisa agora. Felizmente, temos de sobra.

A greve dos caminhoneiros, sem dúvidas, pautou todo o cenário nacional da semana. Por um breve momento, impressionantemente, a Lava Jato, a prisão de Lula e, pasmem, até a Copa do Mundo foram deixadas de lado pelo povo e pela mídia. Se a intenção era parar o país, a greve está sendo um sucesso. Por outro lado, ela é mais um episódio que deixa clara a polarização em que o país está metido.
Da grande mídia às redes sociais, o grande X da questão tem sido se esta é uma greve de trabalhadores ou um locaute patronal. Ao que tudo indica, ela parece ser um misto dos dois, o que deixa a discussão em torno do assunto ainda mais confusa.
A discussão, porém, acabou maquiando o grande problema gerador da crise: a política administrativa e de preços imposta por Temer e Parente à Petrobras. Política essa que parece ser defendida com unhas e dentes pela grande mídia, mas que os petroleiros já colocavam como uma tragédia anunciada desde o ano passado.
Em artigo publicado pela FUP[1] (Federação Única dos Petroleiros), o engenheiro e professor do IFF, Roberto Moraes, já apontava os prejuízos causados pela nova política de preços adotada pela gestão de Temer, pautada pela cotação do barril de petróleo, em dólar, no mercado internacional.
O texto alardeado pela FUP mostrava que a importação de gasolina e óleo diesel havia praticamente dobrado em menos de um semestre, deixando claro que a Petrobras estava perdendo espaço no mercado doméstico. Por outro lado, o movimento foi acompanhado de uma queda de produtividade artificial das refinarias nacionais, que em poucos meses caiu para 75% da sua capacidade, além de um aumento na exportação de petróleo cru.
Se é verdade que o Brasil sempre se colocou na posição de exportador de óleo de baixo valor agregado e importador do refinado estrangeiro, ao menos nos últimos anos havia um imenso trabalho para que se revertesse essa situação. Com Temer, agora, caminhamos no sentido contrário para atender aos desejos das petroleiras estrangeiras.
Mas pior do que isso, o episódio mostra uma irresponsabilidade e uma falta de tato enormes do Governo Temer.
Isso porque muitos analistas e a própria grande mídia[2] têm colocado ao menos 3 principais fatores para esse aumento mundial do preço do petróleo: a taxa de juros elevada dos EUA (que valorizou o dólar) e as instabilidades políticas no Irã e na Venezuela. E por conta da nova política de preços instituída por Temer e Parente na Petrobras, esse aumento teve o impacto absurdo nas bombas de postos brasileiros.
Ocorre que, vamos falar a verdade, esses 3 fatores eram relativamente previsíveis. A taxa de juros americana, por exemplo, já vinha em uma tendência de aumento desde a era Obama, quando foi aumentada pela primeira vez em anos no fim de 2015[3]. Havia, inclusive, uma certa ansiedade do mercado para que as taxas aumentassem logo, então a alta do dólar não era tão inesperada.
A questão iraniana era ainda mais previsível. Desde as eleições americanas, durante o ano de 2016, Trump já falava em romper o acordo nuclear com o Irã. Seu discurso deixava claro que, vencendo, apontaria seus canhões para o país persa. E foi em meio a esse cenário, na verdade, no mês anterior à vitória de Trump, que Temer resolveu adotar a nova política de preços na Petrobras.
Com relação à Venezuela, a não ser que o Governo Temer estivesse esperando um golpe contra Maduro que fosse colocar a PDVSA de bandeja no colo dos americanos, também não faz sentido que se pensasse que as coisas, naquele momento, estavam próximas de atingir uma calmaria.
Teriam a sanha entreguista e as migalhas prometidas cegado a cúpula do Governo Temer para o óbvio, ou será que o tal do “dreamteam” econômico de Temer é só incapaz mesmo?
Pouco importa. O que importa mesmo é que esse é mais um episódio de um Governo que tem, sim, uma capacidade enorme de destruir o país de forma extremamente rápida e intensa. Rápida demais para que a esquerda simplesmente espere de braços cruzados até as eleições de outubro.
Porém, é justamente essa postura que a greve dos caminhoneiros tem gerado em alguns setores da esquerda brasileira. Setores que parecem se comportar como em uma “Esperança Equilibrista”. E é verdade que a nossa democracia está na corda bamba. Desde o Golpe em 2016, aliás, a ordem democrática se rasgou em uma velocidade incrível. Em dois anos, passamos de uma Presidenta eleita pelo povo a uma situação onde generais de pijama deixam a caserna para ameaçar a Suprema Corte via Twitter.
Porém, não faz sentido acreditar que uma postura de não irritar o poder com mobilizações seja uma garantia de que conseguiremos empurrar com a barriga o pouco que resta de ordem democrática no Brasil até que cheguem as eleições e possamos vencer de forma triunfal. Aliás, é ingenuidade acreditar que uma direita que aplicou um golpe de Estado vá aceitar passivamente que o Brasil seja conduzido a eleições democráticas.
Sobretudo uma direita cujo único candidato que conseguiu emplacar é um ser que não consegue conjugar três frases seguidas que façam sentido na frente de um grande público. Um ser que, aliás, por isso mesmo tem evitado falar em público.
Verdade seja dita, se queremos eleições em outubro, será preciso conquistar o direito a essa votação na marra. Um Governo golpista não convocará eleições se estiver se sentindo tranquilo o bastante para não o fazer. E essa tranquilidade só pode ser tirada por meio da mobilização dos trabalhadores.
A pauta pela liberdade de Lula é mais do que legítima, é necessária. Mas ela não pode resumir toda a esquerda brasileira. Há um desmonte na Petrobras, há uma ameaça de privataria sobre a Eletrobrás, há o entreguismo do pré-sal e da Embraer, há o desemprego, há a mortalidade infantil, há uma intervenção militar no Rio. Com Lula livre ou não, todos esses problemas podem se agravar a níveis inimagináveis nesses próximos 6 meses que antecedem um novo governo (se ele existir).
Há trabalhadores se organizando em torno de insatisfações no país inteiro. Tudo indica que os petroleiros devem entrar em greve no próximo mês. Professores da rede privada de São Paulo vêm ensaiando paralisações recentes, enquanto os da rede pública deram show de resistência contra a reforma da Previdência de Dória. Funcionários da Eletrobrás também estão se movimentando e os dos Correios têm milhares de motivos para estarem descontentes.
A militância da esquerda brasileira não tem tempo pra ficar batendo cabeça e discutindo o que é greve e o que é locaute. Se for pra cruzar os braços, que seja fazendo greve. A hora é de botar o bloco dos trabalhadores na rua.
Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Visto no: Justificando

Que nenhum menino seja coagido pelo pai a ter a primeira relação sexual da vida dele com uma prostituta (isso ainda acontece muito nos interiores do Brasil!).

Que nenhum menino seja exposto à pornografia precocemente para estimular sua “macheza” quando o que ele quer ver é só desenho animado infantil (isso acontece em todo lugar!).
Que ele possa aprender a dançar livremente, sem que lhe digam que isso é coisa de menina.
Que ele possa chorar quando se sentir emocionado, e que não lhe digam que isso é coisa de menina.
Que não lhe ensinem a ser cavalheiro, mas educado e solidário, com meninas e com os outros meninos também.
Que ele aprenda a não se sentir inferior quando uma menina for melhor que ele em alguma habilidade específica – já que ele entende que homens e mulheres são igualmente capazes intelectualmente e não é vergonha nenhuma perder para uma menina em alguma coisa.
Que ele aprenda a cozinhar, lavar prato, limpar o chão para quando tiver sua casa poder dividir as tarefas com sua mulher – e também ensinar isso aos seus filhos e filhas.
Na adolescência, que não lhe estimulem a ser agressivo na paquera, a puxar as meninas pelo braço ou cabelos nas boates, ou a falar obscenidades no ouvido de uma garota só porque ela está de minisaia.
Que ele não tenha que transar com qualquer mulher que queira transar com ele, que se sinta livre para negar quando não estiver a fim – sem pressão dos amigos.
Que ele possa sonhar com casar e ser pai, sem ser criticado por isso. E, quando adulto, que possa decidir com sua mulher quem é que vai ficar mais tempo em casa – sem a prerrogativa de que ele é obrigado a prover o sustento e ela é que tem que cuidar da cria.
Que, ao longo do seu crescimento, se ele perceber que ama meninos e não meninas, que ele sinta confiança na mãe – e também no pai! – para falar com eles sobre isso e ser compreendido.
Que todo menino seja educado para ser um cara legal, um ser humano livre e com profundo respeito pelos outros. E não um machão insensível! Acredito que se todos os meninos forem criados assim eles se tornarão homens mais felizes. E as mulheres também serão mais felizes ao lado de homens assim. E o mundo inteiro será mais feliz.
O machismo não faz mal só às mulheres, mas aos homens também, à humanidade toda.
Meu ativismo político é a favor da alegria. Só isso.
Visto no: GGN

23 maio 2018



Vivemos sob um modelo social que supervaloriza à vida, à longevidade, à existência. Logo, quando alguém subverte esse esquema, é duramente julgado por isso. Os suicidas fazem parte desse grupo de pessoas subversivas, incompreendidas em suas ações e, muitas vezes, demonizadas por tomar a decisão mais complexa frente àquele panorama, interromper a própria vida. De fato, há de se pensar que nada seria capaz de justificar tamanha autoviolência, sobretudo quando esta ocorre na juventude. Entretanto, a falta de problematização em torno desse tema tem ampliado o tabu em torno do suicídio, ao passo que pouco se questiona acerca das possíveis causas que podem levar um indivíduo a cometer esse ato. Quando isto é feito isento de juízos de valor, percebe-se que, muito mais que uma atitude extrema, o autocídio é o único caminho visto por aqueles que, perdidos em suas dores, encontram na morte um fim para os seus sofrimentos; após verem seus temores serem negligenciados por uma sociedade dividida entre os vivos e os que não podem morrer, mesmo que apenas subsistam entre os demais.

Relativizar é a palavra usada para por em xeque os sinais dados por quem pretende se matar. Assim, tristezas a longo prazo, isolamento, irritabilidade, mudanças bruscas de humor, são interpretadas como fases. Na pior e mais costumeira das hipóteses, é visto como frescura, aprofundando ainda mais o fosso de tormento vivido pelo outro. Evidentemente, cada um manifesta seus sintomas de acordo com o fardo do qual está carregando. Há aqueles que não apresentam nenhuma das características atribuídas aos suicidas, e mesmo assim surpreendem a todos ceifando a própria vida. Porém, algumas destas marcas são nítidas, mas passam despercebidas quando analisadas grosseiramente. Isso se dá, a priori, pela falta de diálogo sobre as instâncias vida e morte. O que há é a exaltação da primeira e a superstição da segunda. Mesmo aprisionados nesse modelo de viver a todo custo, muitos não se sentem confortáveis o suficiente para manter uma existência incompleta, vazia e começam a deixar vestígios dessa insatisfação. Então, sem a devida atenção, o que parecia ser um breve momento triste, vira depressão, a qual isola a pessoa do convívio em sociedade e, por mim, a morte deixa de ser antagonista.

Esse ciclo mortífero poderia ser evitado se a sociedade desse ao suicida a chance de viver. Contudo, sufocada em seu mundo opressor, a coletividade está cada vez mais alheia aos dilemas do outrem, compactuando silenciosamente para o suicídio de muitos. Em suas múltiplas células sociais, a família é a principal e a mais omissa nesse sentido. Em muitos lares atarefados com contas a pagar, metas a cumprir e valores externos para corresponder, muitos dos seus integrantes esquecem de privilegiar aqueles a sua volta através de simples diálogos capazes de dissipar certos traumas antes que se transformem em feridas incicatrizáveis. Entretanto, as demandas diárias insuflam o tempo com superficialidades impedindo que determinados papos mais profundos ganhem destaque. De forma acumulativa, membros do mesmo espaço familiar passam a se desentender, vivendo como estranhos apenas por mera conveniência. Isso é um bom exemplo de como a sociedade compreende o viver, um modelo de reprodução de práticas sociais mais emergencial do que lidar com questões existencialistas tão imediatas quanto.

Não é de se admirar que os jovens sejam os mais susceptíveis a cometer suicídio. Por transitarem numa fase da vida onde o novo é o protagonista, a juventude se vê cada vez mais submersa em questionamentos que não são respondidos pelos adultos, e quando são, chegam de forma rasa, sem penetrar na raiz dos problemas vividos por aqueles. Sem abertura em casa, na escola e entre amigos, as mídias sociais se tornaram a aliada fiel desse grupo, o qual encontra nelas o refúgio para fugir de seus sofrimentos. Nem sempre, porém, essa válvula de escape mostra-se ser o caminho mais seguro. O jogo da baleia azul foi uma prova disso. Tão pouco há meios virtuais focados a trocar experiências construtivas entre eles, de modo que possam debater sobre esse tema e, quem sabe, impedir que cheguem ao suicídio propriamente dito. Então, perdidos no mundo real e virtual, a juventude tem se matado deliberadamente, às vezes deixando cartas dolorosas nas quais expõem as razões do autocídio, noutras vezes não há qualquer evidência que “justifique” alguém na tenra idade tirar a própria vida.

Entretanto, ninguém insubordinadamente cometeria suicídio se as provações das quais passam algumas pessoas fossem percebidas, compreendidas e, sobretudo resolvidas sem o julgo da condenação divina. Isto porque, algo dessa natureza não seria posto como opção se outras alternativas fossem previamente apresentadas. Infelizmente, isso não ocorre. A sociedade que sentencia o suicida é a mesma que não destina tempo e esforços para impedir que alguém chegue até o ápice do sofrimento, através da inconversável realidade da qual todos estão inseridos. Nela, traumas, desilusões, fracassos, perdas, inaceitações, falta de perspectivas, são nuances cada vez mais frágeis do ser humano, exigindo uma atenção redobrada de todos. Logo, qualquer omissão pode resultar numa fenda e desta um vale onde muitos indivíduos se lançam como amparo para suas agonias. Suicidar-se tem a ver com isso: quando o vazio preenche todas as lacunas deixadas pela esperança, só resta ao suicida entregar-se ao desespero, abandonar a crença em qualquer mudança, rendendo-se aos braços da morte como única aliada, já que a vida oferecida a muitos deles era cheia de ausências, medos e esvaziada de sentido.

Por essa razão, a maioria das pessoas que cogita cometer o autocídio, ou as que já tentaram, fazem de tudo para chamar atenção para si. Usam desse recurso como se dissessem: “sociedade, eu não quero morrer, mas você não está me dando outra alternativa.” É como se a morte assumisse um papel de renascimento na vida desses indivíduos, que quando estavam vivos não desfrutavam plenamente suas existências. É uma maneira cruel de ressiginificar as premissas viver e morrer, pois a primeira não garante a todos as possibilidades de uma existência dignamente plena e tão pouco a última se caracteriza por encerrar as probabilidades de existir. Ou seja, os suicidas querem viver depois da morte, como se deixassem a todos um legado: o de que o modelo de vida imposto a todos não é o bastante para suprir nossas infinitas carências, logo, não pode ser vista como ideal, imutável e adequada a todas as realidades humanas, mas sim ajustáveis a pluralidade das pessoas, com suas neuras e pendências a serem solucionadas. O suicida, assim, é uma afronta corajosa a falha ideia que se criou em torno da vida.

Covarde é a maioria da sociedade, convencida de que esse modelo de vida é perfeito, de modo que é inadmissível ir de encontro a ele sem ser catalogado com alguma patologia ou possuído por algum espírito maligno. Em boa medida, não é descartável a possibilidade do adoecimento da mente ser preponderante ao suicídio, mesmo que isso seja fruto de uma sociedade patologicamente adoecida quanto o que se entende de vida e morte. Entretanto, cabe à ciência investigar os insondáveis labirintos da mente humana e traçar rotas de fuga para ajudar aos possíveis suicidas. Para quem enquadra o autocídio no bojo da fé, não há remédio a não ser respeitar os dogmas nesse sentido, embora muitas vezes certos princípios religiosos mais compliquem a realidade do suicida do que facilitem. Seja como for, o flagelo vivido por muitos indivíduos é oriundo de uma precária estrutura social discursiva, falta de problematização dos dilemas humanos em casa, na escola, na mídia, etc., bem como a exaltação de um perfil de vida, que é lindo em sua ideologia, mas precário em seu exercício. Caso tudo isso não seja reavaliado, a sociedade continuará no desengano de acreditar que a vida é isso aí que se vê e quem não se adequa, paciência.

É a única coisa que o suicida tem em excesso, paciência, mas até ela tem limites.