Sofri uma decepção há
pouco tempo. Quem nunca, não é verdade? Todos nós, pelo menos uma vez na vida,
iremos nos decepcionar com alguém. Seja qual for a proximidade entre o
decepcionante e o decepcionado, ou a fase da vida em que isso ocorra, é sempre
frustrante perceber como o outro pode, e vai, nos surpreender ao longo da vida,
nem sempre de forma positiva. Por mais critérios que criamos para nos
relacionar com as pessoas: afinidades, similaridades, energias, apelo aos
astros, reações químicas, quaisquer outras categorias, não estamos imunes de
sermos desapontados por elas. Ser decepcionado por alguém, que acreditávamos
ser incapaz de nos frustrar, é uma prova de como as nossas expectativas para com
o outro são infinitamente maiores do que a realidade que elaboramos em seu
entorno.
Partindo desse
pressuposto, é preciso fazer uma autoavaliação. Acredito profundamente na ideia
de que as decepções sofridas por nós partem de juízos de valor mal elaborados
em torno daqueles que classificamos como especiais. Isto porque, na pressa em
estarmos incluídos em alguma célula de relacionamento, definimos erroneamente
que determinadas pessoas são importantes para nós sem o devido tempo para o
conhecimento mútuo. Assim, precocemente coleguismos, amizades, namoros, e até
casamentos, se formam sem que as partes tenham dividido confidências,
posicionamentos de mundo, defeitos, marcas pessoais capazes de revelar um pouco
mais sobre aqueles indivíduos. Então, onde pensávamos ser terra firme, torna-se
de uma hora para outra um terreno movediço. O problema é que só percebemos isso
quando estamos afundando.
A desilusão com aquele
que nos era caro se dá muitas vezes também por cegueira. Hipnotizados pelo
ideal que criamos em torno de algumas pessoas, fechamos os olhos para os seus
defeitos, por mais que outros nos advirtam do contrário. Não adianta. Ficamos
fascinados com aquilo que nos foi apresentado no passado, incapazes de desatar
certos laços por pura conveniência, necessidade, carência, dependências estas
nocivas a longo prazo. Então, quando a decepção insiste em nos revelar a
verdade sobre aquilo que não queríamos enxergar, somos confrontados por nossas
incoerências, mostrando-nos não apenas que desconhecíamos aquele que sempre esteve
ao nosso lado, mas também a nós mesmos, que durante anos vivemos ofuscados numa
relação incompleta da qual somente uma das partes se revelara sem medo.
Decerto, se a decepção
fosse ao acaso, apenas um escorregão do qual todos nós estamos susceptíveis a
resvalar, seria compreensível. Afinal, quem nunca errou, que atire a primeira
pedra? Entretanto, aquela contrariedade vem no plural, geralmente em pequenas
ações acumulativas, vistas como meros rompantes de temperamento. E, então,
quando relaxamos a nossa retaguarda, já estamos desprotegidos e somos
apunhalados deliberadamente por quem menos pensávamos ser capaz de nos ferir.
São golpes duros, fortes o bastante para machucar nosso ego, incapacitar nossos
sentidos e nos fazer perder o prumo de nossas vidas. Resta-nos, entre a
desgostosa sensação de desencanto e o desprazer em ver o outro que achávamos
que conhecíamos, o inevitável aprendizado adquirido através daquilo que nos
parece, a priori, uma perda.
Aprender e doer, mesmo
não sendo verbos sinônimos, fazem uma aliança macabra quando somos
decepcionados. Infelizmente, nosso aprendizado mais profundo vem com o
sofrimento, quando nossas barreiras idealizadas, construídas para nos manter
numa eterna zona de conforto, são arruinadas, revelando o quão precipitado foi
o nosso critério para inserir um determinado alguém em nossa existência. Nessas
horas de desengano, muitos de nós se questiona o prolongamento de tal convívio,
mesmo o outro dando tantos sinais de que iria nos desapontar mais cedo ou mais
tarde. É difícil dizer. As relações humanas saciam demandas coletivas
essenciais em um primeiro momento, mas mutáveis, sobretudo ajustáveis as nossas
inúmeras necessidades de estar inserido na vida do outro. Ou seja, aquele que
nos decepcionou hoje já nos foi importante em nosso passado.
Para os mais evoluídos,
porém, apesar do erro cometido, algumas decepções alheias podem ser perdoadas.
Cabe a cada um ponderar o quão grave foi a falha do outro para sentenciá-lo ao
julgo da absolvição. Em relações parentais, cujos laços consanguíneos têm um
peso imensurável, o perdão é uma prática recorrente para manter a harmonia
familiar. Já nos relacionamentos amorosos conjugais e amizades, o grau da
decepção, o momento em que esta ocorreu e a intensidade dos sentimentos entre os
envolvidos, é o que decidirá se o outro merece ou não uma segunda chance. Sua
reincidência também é um ponto a ser levado em conta, da mesma forma que o
momento vivido pelo outro. Às vezes, muitas pessoas queridas nossas assumem
outras personalidades como defesa para seus dilemas mais internos, os quais nem
nós e nem ninguém somos capazes de resolver e/ou compreender.
De qualquer forma,
aprendemos muito ao sermos decepcionados por alguém. A primeira lição é rever
nossas expectativas para com o outro. Esperar sempre do lado de lá o que pode
ser ofertado, sem excessos ou idealizações. Aprender que nem mesmo o tempo ao
lado de alguém é garantia de que a decepção não baterá a nossa porta. Perceber
também que nossa cegueira pode nos fazer elaborar um perfil alheio imaginário,
do qual a realidade costuma arruinar as nossas fantasias. Ainda, solucionar os
pequenos erros alheios, bem como os nossos, no início de cada relacionamento. Isto
ajuda a evitar que eles desemboquem em frustrações maiores no futuro. Compreender
que a dor de uma decepção é inevitável assim como tudo o que adquirimos desse
sofrimento. Além de aprender a perdoar aquilo que consideramos perdoável e a
nos preparar o máximo para as grandes decepções da vida, aquelas vistas como
imperdoáveis.
Essas são dicas valiosas, mas dependem de
variados fatores para se por em prática. Até porque, tudo o que envolve afeto
precisa ser analisado com delicadeza para que determinadas relações já
fragilizadas não sejam destruídas por completo. Eu mesmo, apesar de ciente
daqueles pontos, ainda não estou pronto para perdoar as decepções recentes das
quais passei. Elas permanecem incicatrizáveis dentro de mim. Todavia, essa
ferida não me foi de todo negativa. Sinto que amadureço a cada decepção
sofrida, ao passo que insiro com cada vez mais cautela pessoas em minha vida.
Não estou jamais fechado para balanço, mas avalio com mais discernimento certas
relações para não cometer os mesmos erros, nem tão pouco permitir que o outro
erre comigo. Então, aprendi que as pessoas vão nos decepcionar, porque faz
parte da nossa natureza errar. Nos cabe apenas extrair disso algo que nos
fortaleça, encorajando-nos a nos aventurar em novas relações, por mais
arriscadas, imprevisíveis e decepcionantes que se tornem.
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