25 novembro 2013



Infelizmente, vivemos na era da indisciplina. Jovens cada vez mais insubordinados crescem sem a devida delimitação necessária para se tornarem adultos conscientes e responsáveis pelos seus papeis em sociedade. Rebeldes desde muito tempo, hoje eles contam com um forte aliado para se desviarem dos estudos e, consequentemente do respeito ao ser humano, a tecnologia. Não que os recursos tecnológicos tenham sido negativos para as práticas educacionais, mas sim a forma como eles vão sendo utilizados e presenteados por pais e familiares, como forma de agradar ou “punir” seus filhos. No meio disso tudo, a escola é a maior vítima dessas mudanças juvenis, pois tenta educar esses jovens, garantindo-lhes um futuro promissor, ao passo que enfrentam o desinteresse estudantil proporcionado pelas inovações tecnológicas. Presos a redes sociais e ao mundo virtual, essa juventude adentra as salas de aula, alheios ao mundo real. Então, muito antes deles serem classificados como indisciplinados há outros rótulos possíveis e passíveis de análise, nesse contexto.
Se antes, o professor dizia em sala de aula “cala a boca menino!”, “Fulano, preste atenção na aula!”, “Beltrano, sente-se corretamente na carteira”, “Sicrano, faça as tarefas, ou vai ficar de castigo!”. Hoje, essas expressões ganharam o acréscimo das novas tecnologias. Agora, o comum é ouvir “Menino, desligue esse celular!”, “Saia dessa rede social!”, “Tire o fone do ouvido!”. De fato, o advento tecnológico modificou profundamente a nossa relação com o mundo e a escola não poderia ficar de fora disso. Acontece que ela ainda não sabe utilizar corretamente os recursos advindos da tecnologia, nem tão pouco consegue conter o uso demasiado e descontextualizado de celulares, Tablets, Iphones, Ipads, e Ipods em sala de aula. Devido a essa dicotomia, os jovens sentem-se livres para usar esses recursos irresponsavelmente tanto fora quanto dentro do ambiente escolar. Intensamente aprisionados a esses meios virtuais, os jovens estão sendo vitimados a se viciar cada vez mais pela tecnologia deturpada e menos pelos estudos, os quais já ocupam o terceiro ou quarto plano em suas vidas.
Por essa razão, antigos males escolares acabam sendo potencializados por causa da utilização errônea da tecnologia. O primeiro deles é a demasiada preguiça. Em sala de aula, ela se personifica na forma de sonolência, a qual obriga os estudantes a dormirem, às vezes profundamente nas aulas. Esse sono exacerbado não é fruto de noites de estudo ou madrugadas mal dormidas, mas sim de muitas e muitas horas navegando nas atrativas redes sociais, geralmente em pesquisas de conteúdos inapropriados ou de pouco valor intelectual. O segundo ponto nesse âmbito é a rebeldia. Acostumados a viverem no mundo sem fronteiras da internet e, consequentemente sem limites, muitos jovens não estão dispostos a acatar as regras impostas pelo colégio, nem tão pouco pelo professor. Logo, a autoridade exercida pela escola é vista como uma afronta a esses infantes, que aprenderam a ser livres em suas páginas virtuais, onde com pseudônimos e “fakes”, eles podem ser o que querem sem o comando ou orientação de ninguém. Por causa dessa conduta, o terceiro ponto dessa questão é a violência escolar praticada por muitos jovens. Sejam entre eles, ou contra professores, diretores, gestores e funcionários em geral, os jovens atualmente não se intimidam mais com o adulto que está na sua frente, nem tão pouco os enxergam como responsáveis pela sua formação educacional, mas sim como inimigos que querem ferir a sua intocada liberdade.
Entretanto, resumir essa questão apenas ao âmbito tecnológico é ignorar um fenômeno que também está imbrincado a tais aparelhos, a permissividade familiar. No passado, por exemplo, cabia aos pais à tarefa de castigar seus filhos por algum delito praticado por estes, geralmente privando-os de certas regalias para, assim, obter a obediência deles. Com o tempo e as modificações pedagógicas, há quem diga que bater numa criança, mesmo que seja apenas uma palmada, não é a forma mais adequada de educar. Os moldes sociais trataram, então, de mexer nessa questão e hoje dar uma tapa num infante é o mesmo que açoitar um negro nos tempos tórridos da escravidão brasileira. De fato, bater ao ponto de torturar esses pequenos seres humanos não resolveria o problema. Mas, será que a palmadinha não é realmente necessária? Numa época onde o diálogo parece não ser a arma mais adequada para conter a insubordinação juvenil, talvez recorrer aos moldes mais antigos pareça ser o mais acertado em alguns casos. Ou, unir estratégias que deram certo no passado com as do presente, sobretudo se estas estiverem aliadas com a escola, podem ser uma possível solução para tal problemática.
Enquanto isso não acontece, as palmadas continuam sendo substituídas por celulares de última geração. Os castigos, por Tablets. Os internatos, por viagens a Disney. E se antes a autoridade dos pais prevalecia, hoje ela é questionada, pois seja através de lágrimas fingidas, egos inflados e chantagens mil, jovens teatralizam protagonistas no palco onde os familiares são meros e passivos espectadores. Sem domínio sobre seus filhos, coube a escola a tarefa de resgatar essa juventude do abismo que inconscientemente foram lançados. Contudo, as raízes do desinteresse são tão profundas que dificilmente serão arrancadas sem deixar significativas ramificações. Sem contar que o ambiente escolar nada mais é do que o reprodutor dos estamentos vividos pela própria sociedade. Ou seja, como ensinar o gosto pela leitura a jovens que vem de famílias que não leem? Como criar o interesse pela escrita num mundo virtualizado, onde os caracteres delimitam a expressão verbal? Como fazer pequenos cálculos, analisar mapas, entender conceitos históricos e filosóficos, se a juventude não tem a consciência da importância de tais disciplinas? E, por fim, como disciplinar esses infantes num ambiente escolar que vive, ao mesmo tempo, longe e próximo da palmatoria e do Whatsapp?
O desinteresse juvenil pelos estudos parte da família, que não toma as devidas rédeas sob os seus filhos e que não vê a escola como instrumento de aquisição de conhecimento, mas sim como um local onde a juventude vai aprender algo que deveria ser prioritariamente ser aprendido e apreendido em casa, a educação. A culpa também é da escola, que não é capaz de criar um modelo pedagógico que possa de fato transformar a realidade juvenil, ao passo que acompanha as modificações sociais vividas por ele. Não adianta dá Tablets aos jovens, se não é ensinado previamente qual é a melhor forma de usa-lo. Também não é bacana criar espaços virtuais, quando falta um projeto real que integralize essas tecnologias com as práticas educacionais e, consequentemente a aquisição e conhecimento. Vale lembrar também da parcela de responsabilidade governamental, visto que, mesmo sabendo de toda essa realidade, pouco tem feito para modifica-la de fato. São tantos culpados conhecidos, tantos caminhos possíveis para modificar essa realidade, mas pouco fazemos enquanto família, educadores e, sobretudo eleitores. Por isso, talvez o caminho para reverter isso tudo seja a consciência do papel que cada um de nós, adultos, exerce na educação juvenil. Não adianta voltar a palmatoria, pois os tempos mudaram. Também não precisamos ver o WhatsApp como inimigo. Se ele está ai, bem como as outras tecnologias, que então pelo menos adentram no espaço escolar como ferramenta para o conhecimento de todos e não apenas uma mera distração, como tantas outras do gênero.
“As pessoas admiram suas qualidades em silêncio, e julgam seus defeitos em voz alta.” Parece só mais uma frase de efeito, mas, no fundo, essa frase demonstra uma correspondência assustadora com a realidade.
É que a crueldade com que as pessoas costumam julgar umas às outras é o que me faz achar metade do mundo uma droga – e é do que você deve se lembrar da próxima vez em que pensar em se importar com os comentários negativos que fizerem ao seu respeito: as pessoas são cruéis.
Não todas, calma lá. Esta que vos fala gosta de blues, de café e de gente – até demais. Porque existe gente boa. Gente com energia boa, com palavras doces, com gestos bonitos e ataques de gentileza que fazem do mundo um lugar minimamente adequado pra se viver.
Mas, como nem tudo são flores, há as pessoas que tentam te diminuir quando você cresce. As que elogiam seus pontos fracos para que você não evolua. Que mascaram seus defeitos para que você não preste atenção neles – como se isto fosse possível – mas os superestimam na sua ausência, os gritam para o mundo. Os acendem com luz neon para que todos vejam o quanto eles são terríveis, enquanto te diz, com um sorriso falso no rosto, que tudo vai bem. Que você não precisa se preocupar. Você não precisa se esforçar. Você não precisa crescer. É preciso aceitar: há pessoas que simplesmente não querem o seu progresso.
Há outras que podem até querer te ver bem, mas não melhor do que elas. E com essas pessoas você precisa ter cuidado.  Você deve se blindar – se vestir de autoconfiança. A autoconfiança, aliás, é um escudo e tanto: é o que te faz feliz com você mesmo, consciente dos seus defeitos e disposto a superá-los, quando possível, e, quando não, aceita-los.
Para essas pessoas, a tristeza alheia é alimento. As palavras são armas letais que vão em cheio na felicidade dos distraídos – por isso, não se distraia. Não aceite críticas cruéis ou falsos abraços. O que não é verdadeiro, não acrescenta e não faz falta. Não ocupe espaço com o que te suga energia, sorriso, vontade.
Essas pessoas são dignas da mais pura compaixão – porque elas precisam que o outro caia para que permaneçam de pé. Em vez de evoluir, elas ocupam seu tempo em testemunhar a desgraça alheia, para criarem uma ilusão de superioridade. Porque, sozinhas, elas não se valem.
Porque há pessoas que criticam aquilo que mais gostariam de possuir. Que maldizem em pensamento e sorriem, cheias de dentes. Pessoas que definham ao testemunharem a felicidade de outrem. Faça – as definhar. Responda com um sorriso tão cheio de luz que seja capaz de encandear olhos acostumados com a escuridão. Porque luz própria é coisa que não se compra.
A parte boa disso tudo é você pode escolher. É que existe o outro lado. Existe a luz e a escuridão. A doçura e a crueldade, o ódio disfarçado de sorriso e o amor que transborda pelos olhos. Existem dois caminhos antagônicos sempre abertos, e você escolhe, diariamente, qual deles quer seguir. Você escolhe a cada abraço, a cada tropeço, a cada oportunidade que a vida te dá de acordar e fazer diferente.
A nossa felicidade depende, em grande parte, das relações que construímos ao longo da vida. Escolha as pessoas que te abraçam e deixam aquela sensação de banho tomado, de alma lavada, de carinho no coração. O mal passará por você o tempo todo, mas sempre dá pra desviar.
Não revide falsidade com mais falsidade. Não deixe que o mal que há nas pessoas transforme o bem que há em você – porque nós somos os responsáveis por quem somos, e quando você assume essa responsabilidade, você entende o que é ser feliz – independente do mal olhado e do mal pensado – você aprende a ser feliz.

Sobre Nathalí Macedo


Atriz apaixonada, estudante de direito e aprendiz de tudo nessa vida. Gosta de blues, de café e de gente. Recusa-se a levantar da cama se não for para experimentar algo completamente novo. No mais, nunca foi santa. Escreve sobre tudo em: poesiasobretudo.blogspot.com.br


Visto no: Entenda os Homens


           O aumento do poder de consumo da população acentuou um problema bastante presente na sociedade: a produção descontrolada de lixo. Os produtos se tornaram cada vez mais descartáveis e duram até outro mais moderno e bonito aparecer no mercado. Com a oferta e o consumo em alta, gera-se mais lixo, que na maioria das cidades é descartado em local inadequado, ocasionando uma preocupação com o destino dos resíduos. 

          Estudo realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) revela que foram produzidos 64 milhões de resíduos sólidos. Desse total 37,5% foram enviados para os lixões. O maior problema dos lixões está no fato de que o líquido e o gás produzido na sua decomposição, o chorume e o gás metano respectivamente, são tóxicos e contribuem para a poluição do meio ambiente. 

        Nesse sentido, têm-se elaborado medidas que contribuem para a diminuição da quantidade de lixo que vai para os lixões e aterros sanitários. A coleta seletiva é uma delas, pois indica que os resíduos sejam separados facilitando sua reutilização e reciclagem por empresas que possuem uma política sustentável. Porém, menos da metade dos municípios brasileiros possuem esses programas e a população não se preocupa com o descarte correto do seu lixo. 

        A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) determina que a partir de 2014 todos os municípios brasileiros devem substituir os lixões por aterros sanitários. Esta não é uma tarefa fácil, pois a construção de aterros necessita de altos investimentos e nem sempre os governantes estão dispostos a obedecer à lei. Porém, essa substituição será bastante benéfica, pois diminuirá a emissão de gases, podendo usá-los na produção de energia elétrica para a população. 

        Com tantos projetos que visam diminuir a produção do lixo, que contamina o lençol freático, a água, fauna e a flora, resta a sociedade pôr em prática tais medidas. É necessário que a população se conscientize e eduque a si e ao próximo sobre a separação do lixo, que aumenta a vida do planeta. E que os governos façam mais investimentos que contribuem até para a melhora da saúde da população. 

Aluna: Amanda Raíza
Professor: Diogo Didier
           
               É comum observar pessoas cometendo erros e culpando sua natureza humana como se a falta de escrúpulos e irresponsabilidade fosse uma característica irracional do homem. Tal ato impede que alguns assumam seus erros com dignidade e aprendam com eles, transformando a sociedade em um conjunto de “errantes inconscientes”.

                O ato de errar origina-se da falta de perspectiva acerca de algum fato e sobreposição do impulso à racionalidade. Tal erro pode acontecer tanto em situações simples e não intencionais como de um pai para um filho, até em situações mais graves e intencionais como um homicídio, por exemplo. Cabe ao ser humano se render ou não ao erro e aprender com ele.

                Uma pessoa que erra e não admite seu erro pode ser comparada aos homens da Caverna de Platão que, imersos na escuridão da ignorância, preferem observar sombras a ver a dura realidade. Em tal teoria, cujas interpretações são diversas, a escuridão da caverna pode ser vista como a cegueira daquele que erra, sabe que errou, mas prefere ignorar seu ato.

                Todos estão passíveis ao erro, já que muitas vezes o ser humano age por impulso. Entretanto, assumir que não agiu de maneira correta, aprender com o erro e seguir em frente é necessário para que o homem e a sociedade como um todo cresça moralmente e evolua caverna à fora.

 Gabriela Layme.
 
Artigo de Eliseu Neto*
 
“Mami poderosa! “É com essa frase que temos visto o vilão Félix (personagem de Mateus Solano) brilhar na novela das oito “Amor à Vida”, da Rede Globo. Acredito ser impossível um gay assistir essa trama e não refletir sobre sua própria saída ou expulsão do armário (na maioria das vezes, uma cristaleira, já que, sendo esta de vidro, todo mundo já saberia sobre a sexualidade que está presa lá dentro). Está no horário nobre tudo o que muitos de nós vivemos ou ouvimos falar que viveram nossos amigos: o pai que prefere “filho bandido” a “filho gay”, o desespero de “ter que estar no armário” (pra não perder tudo o que foi conquistado até hoje como “hétero”), o fato de usarem sua sexualidade para te ofender, chantagear ou diminuir e, pior, você ser leniente com isso e até “ter” que contar piadas pejorativas sobre gays por achar que assim seu lugar está assegurado no “grupo dos machos”
 
No Facebook eu, assumido fã da novela, falei que tinha nojo da Edith (personagem da Barbara Paz) por seus atos e depois me apavorei com as cenas de nojo do pai, César (Antônio Fagundes) por seu filho Félix. Logicamente, fui lembrado por meus amigos de todos os atos monstruosos do vilão e, por um momento, pensei: por que gosto dele?
 
São diversos fatores. É evidente que, além das caras e bocas do ator, me agrada o humor do personagem, maravilhosamente cruel, típico de quem passou por todo tipo de bullying e aprendeu a se defender dele da forma mais inteligente possível: rindo.
 
Gosto também porque sinto a dor palpável do personagem: vimos em muitos capítulos o total desprezo de César por seu filho e a rivalidade (ou mesmo ódio, emoção gêmea do amor) que Félix sente desse “não pai”. A função paterna é importante para criar segurança afetiva, estabilidade e a “lei”, as regras que devem ser obedecidas. Talvez, se esse pai odiasse o filho (que ele vê como “não homem”), teria sido melhor (para o filho) que o desprezo e a insignificância que foi relegada a esta criança. A raiva é uma forma de afeto, já o desprezo pelo outro o reduz a nada, é ele não existir; e o resultado é pura angústia. O psicanalista austríaco Sigmund Freud é claro quando escreve que “amor e ódio são a mesma coisa, odiamos aquilo que não podemos amar”. O pai despreza o filho que não pertence ao grupo dos machos, e a mãe, confusa sobre o que sentir, mima-o numa relação quase incestuosa.
 
Organizar a criança nas regras da nossa sociedade faz parte da função paterna, aquele (a) que desperta amor na mãe e que ocupa nossos sonhos de desejo e rivalidade. Félix não teve isso, teve uma mãe, Pilar (Suzana Vieira) que percebia o desprezo que o pai nutria por ele e que talvez soubesse que este era resultado da morte por afogamento de um outro filho, hétero e predileto. Essa mãe, então, provavelmente, tentou compensar Félix, mimando-o; e chamou isso de amor.
 
Podemos entender o sofrimento de Félix. Qual gay não conhece o medo de perder o amor dos seus pais? O pavor de ser largado por todos os seus amigos? A sensação de crescer cercado de religiões que apontam seus primeiros desejos como algo sujo, errado e feio?
 
Pior, ser gay, no imaginário popular, é ser “não homem”. Quando queremos ofender um sujeito do sexo masculino, tenha ele fechado o trânsito, esteja ele com medo da roda gigante, ou na festa com vergonha de falar com uma garota, na hora saem os xingamentos: “viado”, “gayzão”, “bichinha”.
 
Somos estigmatizados o tempo todo, a tal ponto, que quando escolhemos um padrão de beleza gay, escolhemos o “não gay”. Achamos lindo o cara “hétero”, discreto, sem trejeitos.
 
Voltando à trama da novela, Félix odeia a irmã porque ela é feliz, amada e aceita pelo seu “papi” (é a predileta), mesmo sendo “a intrusa” (não é filha da “mami”). Já ele sente que necessita fingir tudo, segurar trejeitos, estar com uma esposa, ter filho, somente para (conseguir) ter aquilo que é mais básico, o amor do pai. Quando exposto, o vilão cruel, mau, aparece na novela em toda sua outra face: frágil, morrendo de medo de não ser amado pelo próprio filho Jonathan (personagem de Thalles Cabral) quando se assume gay, pela mãe e pelo pai.
 
Vimos nos capítulos dessa semana uma maravilhosa cena na qual Félix precisou pôr para fora toda a sua raiva, inveja e desamparo, como uma criança que grita: “Eu precisava desse amor do meu pai e odiei da pior forma quem teve o que eu não tive”. A bebê, filha de sua irmã Paloma (Paolla Oliveira), que Félix roubou e deixou pra morrer numa caçamba de lixo, significava reviver esse terror: mais uma vez ser preterido. (Ele inclusive chama a criança de “outra intrusa”).
 
A revolta que o personagem causa no espectador vem do fato de que estamos vendo que um sujeito “normal”, sofrido, que passa por muito do que passamos como humanos, pode, pela sua forma de sentir, “enlouquecer” (não confundir com psicose ou psicopatia) e fazer coisas terríveis. Temos reações completamente diferentes em relação a situações similares, é o que deveria pensar o crítico do personagem que diz que “passou por acontecimentos terríveis e não se tornou mau”.
 
Quando a mãe manifesta em relação a ele indiferença, Félix se desespera, chora, lembra que é humano e o quanto ama a mãe; arranha a porta, pedindo para que ela somente o olhe e o escute; segundo o psicanalista francês Jacques Lacan pulsões básicas de um recém nascido: ser visto, que percebam que ele existe. (A primeira vez que um bebê se percebe é através do olhar da mãe.)
 
Note que quando o filho Jonathan (que, alguns capítulos atrás, quando Félix “sai do armário” o aceita e o ama “mesmo sendo gay”, como já mencionei acima) chama o personagem de Mateus Solano de “pai” (mesmo este não sendo biologicamente), cria-se um laço que, a meu ver, é o mais verdadeiro de toda a novela: filho diz para pai “te amo apesar de tudo, eu te amo gay e te respeito” e pai diz em resposta ao filho “eu te amo ‘não sendo médico’ (sonho do avô carrasco para o adolescente) e acredito que será um ótimo arquiteto”. Félix vislumbra que o amor existe, ele foi aceito por Jonathan como realmente é, sem ter que dar nada em troca, como os sapatos e roupas que comprou pra mãe, o relógio que deu ao Anjinho e os elogios exagerados ao pai e à irmã. Ele vê que pode haver um amor usufruído sem violência, medo ou brigas de poder. Mas como funciona isso? O quanto ele pode ficar dependente (desse amor)? Como pode garantir tê-lo, se não o controla de forma alguma?
 
O amor de Jonathan comove Félix (mesmo que este não perceba exatamente o que é o sentimento, ficando confuso por, novamente, não ter que dar nada de volta); e talvez ele pense nas más escolhas que fez, talvez se dê conta que não era o poder que iria lhe garantir afeto, não era casar na marra, não era fingir uma vida. Isso tudo só trouxe dor, desespero e um crime.
 
Todos podemos ser como Félix, levado à “loucura” pela vida, mas não queremos saber que essa possibilidade existe. (É importante ressaltar que ser amado nos mantém sãos; e que são diversos os tipos de amor.)
 
Félix não consegue se amar. E quem não se ama, consegue amar os outros? Ele não faz vínculos, não tem amigos, compra o personagem Anjinho (Lucas Malvacini)… Como ele pode acreditar em amor, se não teve essas referências determinadas pelos pais? O que teve foi um pai indiferente e uma mãe culpada por ter dado ao filho um progenitor como esse.
 
Félix é um personagem que muda nossa relação com a televisão, não é mais o gay palatável, bonzinho, nosso “pedido de aceitação”, tão comum até hoje. Ele é um ser humano possível, que, infelizmente, fez (e faz) más escolhas e é criminoso. Mas sofre e tem sentimentos como todo mundo.
 
Assumir-se gay é algo, na vida das pessoas, que pode ser libertador, divertido, alegre e te apresentar grandes amigos, mas, infelizmente, também é algo que pode trazer dor, preconceito, sofrimento, tristeza e muito perigo. No fim, quando saímos do armário, cada pessoa nova que conhecemos significa reviver o dilema que tivemos com os pais: será que (essa pessoa nova) ainda vai me amar “quando souber”?
 
Para terminar esse texto sobre Félix, mais alguns eventos do futuro do personagem (são spoilers, fuja se não gosta):
 
Meu herói será expulso de casa pelas suas vilanias e sua ex-babá, a chacrete, falará como quem conhece o poder do amor real de uma mãe: “Você nunca teria se tornado um homem capaz de jogar uma criança numa caçamba… Você nunca ia achar que a sua irmã era uma intrusa, porque eu ia te ensinar a gostar dela. Mas eu fui embora e te deixei sozinho. Tão sozinho que você cresceu cheio de ódio”, acredita Márcia.
 
Parece que a chacrete entende mais de gente que toda a milionária família de médicos Khoury. “Não me cabe conceber nenhuma necessidade tão importante durante a infância de uma pessoa que a necessidade de sentir-se protegido por um pai.” disse Sigmund Freud
 
* Eliseu Neto é psicólogo, psicanalista, gestor de carreiras, professor de Pós gradução, membro do Comite LGBT carioca e membro do núcleo LGBT do PPS
 
Visto no: SuperPride
 
 

10 novembro 2013


Mesmo sabendo que a única certeza que temos é a da morte, passamos a existência inteira achando que estamos imunes às intempéries que a vida pode nos proporcionar.  São tantos caminhos possíveis, tantos perigos em cada um deles, que a melhor escolha é sempre aquela que irá afugentar as coisas más, ruins, que tragam desgraças para nossas vidas. De fato, institivamente buscamos nos proteger dos males que criamos, para manter uma vida longa e, se possível, bem vivida. Para isso, muitas vezes a religião serve de bussola, nos guiando para os caminhos mais viáveis, nos afastando de todo o mal a que estamos expostos aqui na terra. Contudo, penso que a nossa sensação de imunidade é puramente uma mentira reconfortante criada sobre vários pilares para ludibriar a dolorosa verdade que circunda a nossa existência: a de que não estamos e nem somos imunes a nada. Pelo contrário, pois nos momentos mais distintos do nosso dia a dia, a mortalidade do nosso ser se manifesta para desconstruir a nossa pretensa ideia de superioridade.

Por mais que exista uma crença cultural de que “tudo só acontece com os outros”, nada pode justifica-la, a não ser a prepotência humana de querer ser superior aos outros da sua própria espécie. E essa superioridade se manifesta dentro de grupos sociais distintos, em culturas também distintas, mas sempre com a mesma idealização de blindagem. Explico do que se trata isso. Acredito que somos educados erroneamente a não esperar pelo pior, a não acreditar que alguns fatos podem nos acontecer e que devemos estar preparados para eles. Ao invés disso, preferimos a ideia romântica de que nada irá nos atingir, de que não podemos nos machucar, nos ferir, matar ou sermos mortos. De que é sempre o outro que deve sofrer por essa ou aquela razão. Com isso, crescemos e passamos a vida inteira achando que um raio não pode nos atingir, de que o avião que estamos não pode cair, ou a pessoa que amamos não pode nos decepcionar. Com esses enganos, buscamos de inúmeras formas o corpo fechado, uma verdadeira muralha que impedirá a entrada dos periculosos obstáculos que a vida pode nos proporcionar. Porém, do que temos tanto medo?

Tememos, a priori, uma vida miserável, financeiramente falando. Por isso que o dinheiro é tão valorizado entre nós. Não se trata apenas de uma vida de pompa e riqueza, mas sim uma existência onde possamos comprar a segurança e o conforto desejados, capazes de nos afastar dos males da pobreza. Tememos a inveja alheia, o mau agouro, o olho gordo, pois estas manifestações nefastas podem interferir na realização dos sonhos que tanto lutamos para realizar. Temos medo também da morte. Numa cultura tão apegada a vida, morrer significa o apagar da luz, o fechamento das cortinas, o encerramento do espetáculo do qual protagonizamos. Por isso nos apegamos a religiões diversas, seja para encontrar conforto em rituais ou amuletos da sorte que nos afastem do fim, seja para garantir que a nossa passagem para o outro plano seja feita da melhor forma possível e que do outro lado exista um local acolhedor, ou não, dependendo das nossas ações feitas aqui na terra. Em todas elas, o mesmo ideal: o corpo fechado.

Tal ideia de fechar o corpo, ou de possuir uma massa corpórea imbatível, faz com que muitos acreditem que nada de ruim possa lhes acontecer. Recentemente, por exemplo, li no jornal local a noticia de que num determinado bairro aumentou os índices de assalto à mão armada. Aparentemente, algo comum nas grandes cidades brasileiras, onde a desigualdade social leva muitos indivíduos a cometerem atos animalescos para sobreviver. Acontece que, na ocasião, uma colega proferiu o seguinte comentário: “nunca fui assaltada e nem serei. Desde sempre tenho o corpo fechado para essas coisas”. Imediatamente, a indaguei sobre o porquê de tamanha certeza. Ela, no entanto, não soube responder, apenas disse que tinha o corpo fechado e ponto. Nesse momento, minha mente tentou investigar se ela fazia parte de algum segmento religioso, o qual fortalecia a sua certeza de imunidade, mas não encontrei respostas. O caso da minha colega, como o de muitas outras pessoas, é bem parecido. Trata-se da inconsciente sensação de que nada de ruim pode nos acontecer.

Por causa desta sensação, acreditamos cegamente que nunca sofreremos de algo grave, como um câncer, ou outra doença terminal. De que jamais seremos vítimas de um assalto, um estupro, um sequestro relâmpago, uma bala perdida. Não acreditamos na possibilidade de abortar um feto, mesmo que esse tenha sido concebido através das mais sórdidas relações humanas. Classificamos como fatalidades, o fato de um poste repleto de fios de alta tensão desabar em cima de transeuntes, ou desses mesmos passantes serem vítimas de um buraco que surgiu do nada numa rua. Nem cogitamos a possibilidade de sofrer algum acidente no trânsito, por que faltou freio, ou por que as condições da pista não eram favoráveis. Ignoramos as inúmeras chances dos acidentes domésticos acontecerem conosco, pois aprendemos que incidentes nesses locais dificilmente aconteceriam com nós mesmos. Tentamos inesgotavelmente sermos precavidos, porém a fragilidade de nossa existência a todo o momento nos prova o contrário.


Esses “perigos” aos quais estamos sujeitos são pequenos e poderiam ser encarados com maior naturalidade, se a idealização do perigo fosse colocada em nossas vidas também de forma natural. Atrelado a isso, a desconstrução de ideia de que só o outro pode sofrer ou passar por mais bocados, nos ajudaria a perceber que somos todos iguais, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza e, sobretudo, na vida e na morte. Evidentemente que isso não extingue a fé individual de possuir ou não uma blindagem religiosa. Se você acha que possui o corpo fechado, parabéns. Aproveite essa barreira para se proteger e, quem sabe, os demais a sua volta. Entretanto, tente encontrar dentro de si essa crença como algo real, caso contrário estará apenas se enganando, ao passo que passa a vida toda acreditando que os perigos acontecem apenas com quem “merece”. Quem determina esse merecimento? Se ele existe, porque uns merecem mais e outros menos? Existe uma vida sem perigos? Para as primeiras perguntas, as respostas residem dentro de cada um de nós. Já para a última, me atrevo a dizer que não, pois é o perigo que nos faz crescer e nos dar força para continuar, tendo o corpo fechado ou não.

Álcool e direção: uma química perigosa

Baseada no sistema utilizado nos Estados Unidos, a Lei Seca entrou em vigor no Brasil no ano de 2008 com o objetivo de diminuir os elevados índices de mortes ocorridas no trânsito. A Lei paulatinamente tem se tornado mais rigorosa e aplicando em alguns casos punições severas. No entanto, mesmo diante de leis e inúmeros anúncios que visam evitar tragédias, algumas pessoas, certamente por negligência optam por dirigir alcoolizadas. Além disso, a mídia exerce uma forte influência sobre o consumo de bebidas alcoólicas, mesmo com o famoso “slogan” “se beber não dirija”.

É fato que vivemos numa sociedade formada por seres racionais que sabem discernir entre o certo e o errado. No entanto, muitos deixam-se alienar pela mídia, a qual expressa a idéia de que o consumo de bebidas alcoólicas é sinônimo de “status”. De certa forma, esta maneira de chamar atenção acaba aguçando o interesse de alguns, estes por sua vez buscam no álcool uma forma de se tornarem mais sociáveis, o que resulta em alguns casos em diversas calamidades, causadas pela perigosa mistura entre álcool e direção.

Indubitavelmente, os efeitos da implantação da lei têm sido satisfatórios, mesmo que por trás dela haja um interesse em poupar os gastos dos cofres públicos, as punições muitas vezes são aplicadas. Há quem diga que quando “mexe no bolso” as pessoas passam a sentir o peso das leis. É lamentável perceber que para haver respeito a vida é preciso tomar medidas severas. Isto porque, algumas vezes a sociedade não é educada de modo a perceber que não se trata de multas ou qualquer tipo de punição, mas sim de vidas.

Felizmente, a mudança no cenário de tragédias no trânsito tem sido comprovada em números. Isto porque, segundo dados da Polícia Rodoviária do Estado de São Paulo, de 2008 a 2012 o número de mortes reduziu de aproximadamente 30% para 18,7% no Brasil todo. Estes dados mostram que a implantação da lei tem poupado a vida de muitos. Alem disso, tem contribuído de forma significativa para que o brasileiro se conscientize.


Portanto, se torna fácil perceber que a lei vem diminuindo os elevados índices de acidentes no trânsito. No entanto, ainda há muito a ser feito. É preciso que haja de fato uma preocupação com a vida e não apenas com os gastos, e mais fiscalização nas rodovias brasileiras, para isto é necessário um maior investimento por parte das políticas públicas. Mas sobretudo, é preciso que a população faça a sua parte se reeducando e lembrando que para o “Carpe Diem” não é necessário beber e dirigir.

Aluna: Juliana Nascimento
Professor: Diogo Didier
 
Por Marília de Camargo César*
 
No último dia 13, no Rio de Janeiro, em meio à extravagância e ao carnaval que costumam marcar a Parada Gay, um grupo de jovens ligados à Igreja da Comunidade Metropolitana distribuiu folhetos e ergueu cartazes em que anunciavam o amor incondicional de Deus por todos os homens, incluindo homossexuais, travestis e transgêneros.
 
Esse pequeno rebanho de ovelhas, lideradas no Rio pelo pastor Márcio Retamero, faz parte de uma das comunidades chamadas “inclusivas”. São pessoas, em sua maioria de orientação homoafetiva, que acreditam na releitura dos trechos das Sagradas Escrituras que condenam a prática homossexual. Dados aproximados revelam a existência de 28 comunidades desse tipo organizadas no Brasil, em nove Estados. Um levantamento entre os líderes dessas comunidades, feito a pedido da BBC-Brasil em 2012, sugere uma frequência estimada de 10 mil pessoas. Muitas delas foram expulsas de igrejas evangélicas tradicionais, após assumir ser gays, ou afastadas por uma forma mais sutil de assassinato: o desprezo ou a indiferença.
 
Sem saber, os participantes da Parada Gay repetirão uma forma de manifesto organizada pela primeira vez na história em 1970, nas ruas de Los Angeles, nos Estados Unidos, por um pastor protestante. Ordenado pastor batista quando tinha apenas 15 anos, numa pequena congregação no Estado da Flórida, onde se casou e teve dois filhos, o reverendo Troy Perry se afastara do trabalho após divorciar-se da esposa e admitir ser gay.
 
Depois de entrar numa crise existencial, que o levou perto do suicídio, Perry diz ter recebido um chamado divino para voltar a pastorear – desta vez, com a atenção voltada às pessoas que, como ele, eram discriminadas por causa da orientação sexual. Assim nasceu a Metropolitan Community Churches (MCC), a primeira denominação inclusiva dos Estados Unidos. A MCC reúne hoje 43 mil membros, em 222 congregações espalhadas por 37 países. Está no Brasil desde 2009, onde conta com oito comunidades. O trabalho do pastor carioca Márcio Retamero está vinculado à MCC.
 
O chamado pastoral de Perry deu origem à controversa teologia inclusiva, também denominada teologia queer (outra palavra para gay, em inglês), ou afirmativa. Trata-se de uma reinterpretação bíblica contestada pelos teólogos tradicionais.
 
Um exemplo dessa releitura está na conhecida história sobre a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, narrada no livro de Gênesis. Os inclusivos usam uma passagem bíblica do livro do profeta Ezequiel (Ezequiel 16:49) para reforçar sua teoria de que o grande pecado das duas cidades não foi a devassidão homossexual, mas a falta de hospitalidade e de justiça social. O texto bíblico afirma: “Eis que essa foi a iniquidade de Sodoma, fartura de pão e próspera ociosidade teve ela e suas filhas, mas nunca amparou o pobre e o necessitado”. Ausência de interesse por justiça social e de preocupação com os viajantes numa cultura nômade, onde ser hospitaleiro era um dos traços de generosidade mais importantes, são os grandes pecados que os teólogos gays atribuem a Sodoma e Gomorra.
 
Os pesquisadores tradicionais contestam. Dizem que aqueles que advogam apenas falta de cortesia ou de preocupação social por parte da população de Sodoma ignoram a passagem do livro de Judas, que afirma: “De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo”.
 
“Há uma tradição de 5 mil anos de história judaico-cristã-islâmica e até agora não surgira nenhum teólogo, nenhum exegeta que tivesse feito outra leitura desses textos. De Abraão até o século XX, não houve releituras. De repente, surge um grupo que teve uma iluminação”, afirmou, com ironia, em entrevista para o livro Entre a cruz e o arco-íris, de minha autoria, Dom Robinson Cavalcanti, arcebispo da Diocese de Olinda da Igreja Anglicana do Cone Sul da América. Dom Robinson, morto em 2012, acreditava que esse debate estava inserido num movimento cultural global, de caráter ideológico. “A Igreja teve os pais apostólicos, os pais da Igreja, os reformadores, a filosofia oriental ortodoxa, e ninguém nunca viu isso. Agora chegam os americanos e fazem uma releitura”, afirmou. “Trata-se de uma grande pirueta teológica.”
 
A discussão teológica é apenas uma das questões que pautam o difícil relacionamento entre as igrejas cristãs e os fiéis homossexuais. Quando se mergulha nesse universo, como eu fiz, fica claro que as igrejas ainda não estão dispostas nem preparadas para desenvolver uma pastoral adequada aos homossexuais, uma minoria que, como os leprosos nos tempos de Jesus, é deixada à margem e condenada ao isolamento.
 
O pastor Ricardo Barbosa, da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, um experiente conselheiro de casais cristãos, resume bem a questão: “Ouvi de um rapaz que foi homossexual praticante durante muito tempo que nós afirmamos que a graça de Deus basta, que Deus ama o pecador. Cantamos para que eles venham como estão. Mas não no caso dos gays. No caso dos gays, pedimos que mudem primeiro. A Igreja deve manter o mesmo convite para todos, para que todos possam caminhar em direção à vida que Cristo nos oferece. A Igreja precisa se preparar para isso”.
 
Não se trata de uma conversa fácil e, nessa arena, muitos lutam com as armas de que dispõem em favor daquilo em que acreditam. Pastores surgem na televisão, inflamados, amaldiçoando a homossexualidade como o pecado sem perdão. Ativistas gays, por outro lado, combatem a postura das igrejas, na tentativa de amordaçá-las e impedi-las, por via legal, de ensinar o que as Escrituras Sagradas estabelecem a respeito do assunto. Assim descreve o teólogo e escritor Richard Foster: “A homossexualidade é um problema tão difícil de tratar dentro da comunidade cristã que tudo o que for dito será severamente criticado”.
 
Por mais que pareça estranho, muitos cristãos ignoram o fato de que há um rebanho formado por homossexuais que congrega, nas igrejas, anônimos, sem poder assumir quem são, levando vidas que Henry David Thoreau definiu como de “silencioso desespero”. São pessoas comuns, cristãos sinceros que nutrem o desejo de servir ao mesmo Senhor adorado pela maioria heterossexual. São homens e mulheres que foram aceitos pelo amor incondicional de um Deus que, segundo a Bíblia, não faz distinção entre as pessoas, mas que descobriram, na prática, igrejas que a fazem.
 
Por essa razão, é de esperar que as igrejas inclusivas continuem crescendo também no Brasil. Os líderes das comunidades evangélicas amigas dos gays preveem o dobro do número de fiéis nos próximos cinco anos. Mesmo essas congregações podem não ser a resposta ideal para alguns. A arquiteta Fátima Regina de Souza, um dos personagens de meu livro, frequentou por um tempo uma dessas comunidades, onde fez amigos. Ela não se adaptou. Não gostou da sensação de ficar confinada a um gueto.
 
Para Fátima, o lado mais difícil em sua viagem de autoconhecimento e autoaceitação é enfrentar o preconceito. Ela tem a impressão de que as pessoas sempre pensam que o homossexual cristão não fez tudo o que podia para mudar, não buscou a Deus o suficiente. “É como se a gente estivesse sempre em falta”, diz ela. “As pessoas lançam esse olhar de desconfiança sobre nós sem nem antes encarar os próprios problemas. Isso machuca muito. Com o tempo, a gente vai aprendendo a se proteger.”
 
Há alguns anos, Fátima voltou a reunir-se numa pequena e acolhedora congregação, em Ribeirão Preto, onde mora. Ali, diz ter encontrado cristãos que a amaram do jeito que ela é e, segundo diz, tornaram sua vida viável.
 
*A jornalista Marília de Camargo César, do jornal Valor Econômico, é autora de Feridos em nome de Deus. Seu novo livro, Entre a cruz e o arco-íris, foi lançado pela Editora Gutenberg em 14 de outubro

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