28 agosto 2019


Sou daqueles que acredita na sintonia do universo. Partindo desse princípio, creio na ideia de que nada nos chega ao acaso, mas sim que são instrumentos orquestrados por energias, alheias a nossa vontade, responsáveis por criar novas sonoridades para as nossas existências. Assim, pessoas que vêm e vão, aquisições materiais, perdas, ganhos, frustrações, recomeços e términos, tudo isso tem uma razão para acontecer e mexe com o que há de mais profundo em nossos sentimentos. É subjetivo, eu sei, porém, nem toda objetividade é capaz de suprir as lacunas criadas pelos desafios da sobrevivência. Alguns, inconformados com as inevitáveis mudanças, buscam rotas de fuga na ânsia de resgatar o que se foi ou encontrar forças para renascer diante do novo. Vale tudo, desde consultas psicológicas a intervenção religiosa, todas, em suas devidas proporções, válidas. Eu, além delas, sou presenteado com outro elixir, que me encontra nos momentos que mais preciso, sempre com o antídoto na medida exata para as minhas dores: os livros.

O que resenho hoje remediou feridas antigas cuja cicatrização parecia impossível, trata-se da obra Só a Gente Sabe o que Sente, de Frederico Elboni. Antes que você destile seu preconceito contra tal leitura – respaldado pela ideia canônica de que apenas os clássicos literários possuem tamanho poder – aconselho ir além do elitismo apoiado em certas opiniões letradas para se permitir aprofundar no raso e, mesmo assim, conseguir dar profundas braçadas pelos mares complexos da palavra. Foi isso que fiz. De primeira, olhei de soslaio para este livro com a arrogância de quem vinha lendo obras riquíssimas do ponto de vista histórico e literário. Até que, emergindo das minhas limitações, lembrei-me de que qualquer leitura é enriquecedora desde que estejamos aptos a extrair dela aquilo que nos for útil. Então, sabendo que o universo tinha me colocado Elboni na minha frente por uma razão, pedi emprestado esse livro ao meu ex-namorado e, depois que comecei a lê-lo, não mais o devolvi (sim, sou cleptomaníaco de livros).

Só a Gente Sabe o que Sente é um entre tantos livros de crônicas, gênero textual do qual gosto muito, pois consegue aproximar obra e interlocutor de situações cotidianas com o charme que só a literatura é capaz de nos proporcionar. Sua linguagem simples já era esperada por mim. Na verdade, eu temia que isso fosse um problema, uma vez que muitos cronistas pós-modernos pecam pela pobreza linguística como artifício para prender os leitores menos adeptos a leituras mais “complexas”. Porém, depois de ler umas duas ou três crônicas, percebi que Elboni simplifica a linguagem, mas isso não empobrece a essência do que ele diz. Sinto verdade em suas palavras, nas histórias e eventos ora contados ora desejados por ele. O leitor, então, acaba por se identificar naquelas vivências e se vê preso numa redoma carismática de situações tão universais e cosmopolitas dessa nossa sociedade, a qual cada mais distorce o sentido da palavra relacionamento. Vi como um livro de experimento, permissividade, mas também de anseios, fantasias, ingredientes indispensáveis à vida.

Só a Gente Sabe o que Sente também me cativou pelo título. Aliás, esse artificio nem sempre casa com o conteúdo escrito, falo isso por experiência de quem teve contato com obras cujo título não abarcavam a amplitude do texto ou vice-versa. Elboni, porém, me ganhou também nesse sentido. A frase retórica de sua obra é clichê, por isso familiar, convidativa, um atrativo a todos nós que passamos por diversos dilemas, muitos restritos ao campo do pensamento, sem ter chance, talento, vontade ou oportunidade de externar nossas dores através da escrita. Então, ler Só a Gente Sabe o que Sente familiariza as angustias do autor com as nossas, criando um elo muitas vezes impensado, pois, em boa medida, seu livro atende a uma visão heteronormativa de relacionamento. Contudo, por ser apenas um traço de suas crônicas, preferi não me ater a esse detalhe, dando oportunidade de ser guiado pelas outras perspectivas trazidas pelo autor. Logo notei que o que ele dizia ultrapassava barreiras etárias, sexuais e sociais, falando de temas caros a todos nós.

Os meus ganhos não pararam por aí. Como disse nas primeiras linhas, creio no poder da sintonia do universo que nos rodeia. Dessa forma, há coisas que nos chegam para nos mostrar a coletividade dos nossos desafios diários. Ou seja, nossas dores não são nossas, assemelham-se com outras, apequenam-se, agigantam-se, dependendo de quem se torne o nosso referencial. Contudo, se se diferenciam na proporção, igualam-se no sentido de existir para todos. É clichê, eu sei, você sabe, mas, quando estamos afogados em temores, o egoísmo assume o controle fazendo-nos acreditar que nossos obstáculos são mais difíceis que os dos outros, e que por isso merecem mais atenção, bem como solução imediata. Nisso também foi benéfica a leitura de Só a Gente Sabe o que Sente: ressiginificar nossos clichês diários, atribuindo-lhes algum valor dantes perdidos pelo elitismo da linguagem ou pelo desenfreado ritmo da vida moderna.

Diante mão, por ser uma obra curta, não aconselho devorá-lo por inteiro numa tarde. Só a Gente Sabe o que Sente deve ser lido aos poucos, homeopaticamente, de preferência como coparticipe de outras leituras. Eu, por exemplo, tenho hábito de ler vários livros de uma vez - geralmente três - cada um atendendo as minhas necessidades momentâneas. Só a Gente Sabe o que Sente me serviu de divã, de amigo, conselheiro, amante, dentre outros adjetivos, todos evocados pelos frissons que me acometiam ao longo dos dias. Nem por isso veja como se a obra tivesse um quê de autoajuda, apesar de transparecer pelo título. Trata-se de um bate papo com um cara apaixonado numa era onde tal sentimento é deliberadamente surrupiado de nós. Ter contato com esse sentimento me faz reavivar os meus, trouxe aconchego em noites onde a solidão parecia congelar minha existência e me proporcionou instantes de calma que eu acreditava ser impossível. Talvez esteja exagerando. Talvez não seja tudo isso. Porém, Elboni neste livro foi o instrumento dado pelo universo para atender aos meus anseios. Com você pode ser diferente. Seja como for, permita-se lê-lo e passe por aqui para dividir comigo a sua experiência. Afinal, Só a Gente Sabe o que Sente.

22 agosto 2019



       Não é prudente atribuir como recentes as queimadas que estão reduzindo a pó a maior riqueza ecológica da humanidade. Há longas datas ativistas e ambientalistas nacionais e estrangeiros alertam para o crescimento dos focos de incêndio na floresta amazônica, todos motivados por questões inegavelmente econômicas. Porém, o choque atual não se reduz ao alcance da destruição da floresta, que é imensurável - quiçá irremediável - mas a conjuntura sócio-político-cultural que ruma contrário à proteção desse bem nacional. Isto porque, mesmo diante de constatações científicas, dos noticiários televisionados mostrando o rastro de devastação ambiental e o apelo internacional em prol da salvação da Amazônia, há um sentimento de apatia social, fomentado pelo cenário político, ignorando e extinção anunciada daquilo que pode não apenas salvar o Brasil, mas, possivelmente, a sobrevivência humana na terra.
           Na realidade, esse sentimento autodestrutivo avolumou-se com a figura incendiária que (des)governa o país, o incapaz Jair Bolsonaro. Engatilhando discursos ligados a acabar, cortar, destruir, não surpreende que a Amazônia estaria a salvo das investidas aniquilatórias de sua regência. Para isso, como de praxe, o presidente não poupou artilharia para descreditar há pouco tempo estudos geográficos incontestes sobre os rumos do desmatamento da Amazônia, ao passo que enaltecia o setor econômico agrícola como potencializador do crescimento financeiro do país. Ao mesmo tempo, limitou o poder de atuação do Ibama, perseguiu a Funai, colocou alguém contrário a natureza para gerar a pasta do Meio Ambiente, tudo isso visando, evidentemente, favorecer a bancada ruralista do congresso, boa parte dela composta por políticos religiosos em um grande Feudalismo à brasileira. Como a mentira se tornou a plataforma governamental, e a bússola que (des)orienta a nação, muitos preferem as falácias políticas em torno da Amazônia do que encarar os fatos: estão destruindo a nossa floresta.  
            Nesse sentido, parece que o fogo pretende incinerar as maiores riquezas do Brasil este ano. Até onde a minha memória consegue ir no momento, dois patrimônios imprescindíveis à vida foram às cinzas: o Museu Nacional do Rio de Janeiro e a floresta Amazônica. Apesar de dispares a olhos nus, é preciso lembrar que o conhecimento é tão indispensável a existência humana quanto a natureza, sobretudo nesta era onde a ignorância governa a nação - literalmente falando. Porém, inconscientes dessas necessidades, seguimos destruindo tudo o que nos é caro. A vítima agora trata-se da maior floresta do planeta. Apesar dos clamores dos ativistas e ambientalistas, a destruição da Amazônia segue rente rumo a extinção de matas preservadas em prol de interesses políticos/ruralistas descarados, os quais ganharam força na regência imprudente daquele que elegeram para chefe de estado desse país.
          Nem faz tanto tempo assim, os EUA antagonizavam o papel daquele que roubaria o tesouro amazônico das posses nacionais. Há mais ou menos dez anos, o fantasma da internacionalização da Amazônia assombrava todos aqueles que defendiam a soberania desse patrimônio nas mãos de seus verdadeiros donos, os brasileiros. À época, Cristóvan Buarque, quando questionado se tal floresta deveria ser internacionalizada, respondeu provocativamente que caso isso acontecesse, seria preciso que outras riquezas naturais, culturais e econômicas também passassem a pertencer a toda humanidade, citando, entre muitos exemplos, o petróleo, os Museus e o capital estrangeiro. Hoje, o espectro internacional subdividiu-se entre aqueles que desejam a soberania ecológica do país, os Americanos, e aqueles descrentes da capacidade nacional de preservar esse bem precioso a manutenção da vida.
              Em meio a isso, o vilão não é mais de fora, mas daqui. Está no poder tomando decisões arbitrárias que poderão trazer graves consequências à vida de todos nós. Contudo, a burrice é mais devastadora que o fogo que arruína a Amazônia. Numa sociedade onde terraplanistas ganharam visibilidade, qualquer apelo científico é uma afronta as verdades elaboradas por mentes delirantes, construídas a partir de um espectro cultural ultraconservador, limitado, cego por uma crença alienante, a qual retira do indivíduo a sua capacidade natural de pensar e insere nele um dispositivo replicador de boçalidades, muitas delas contrárias a sua própria essência, mas que, por serem solidificadas por um Estado ludibriante, ganham ares de verdade. Logo, apesar da avalanche de fumaça que nublou ou céus de São Paulo, dos vídeos retratando a dizimação da florestas e dos números estatísticos que quantificam o tamanho dessa tragédia, tudo é ignorado, ou pior, minimizado. Enquanto isso, as chamas na Amazônia avançam para a alegria do setor agrícola e das madeireiras ilegais. Dou outro lado do fogaréu seguido pela fumaça, as cinzas de mentiras, nessa era de inverdades legitimadas via twitter, nublam a percepção da sociedade para a gravidade desse problema.
             Assim, a ameaça da extinção, a qual se limitava as espécimes da fauna e flora – algo imperdoável frente a biodiversidade existente em terras brasileiras – pode se voltar contra aquele que se tornou o principal algoz do seu habitat, o homem. Todavia, a mudança sempre é possível. Um levante já está sendo organizado para levar as ruas as reivindicações ignoradas pelo atual governo. Assim, chamando a atenção internacional, o Brasil passe a tomar alguma atitude em prol da Amazônia. Porém, isso ainda é pouco. Precisamos usar as mídias para denunciar o descaso ecológico do país; cobrar mais empenho político para criação de projetos ambientais nas grades escolares; escolher candidatos comprometidos com o meio ambiente, ou, pelo menos com formas sustentáveis de economia; reduzir o consumo de carnes, as quais são as principais vilãs da degradação ambiental; se voluntariar para reflorestar nossas matas; apoiar ativistas; validar as pesquisas científicas, ao passo que desmascaramos a insensatez dessa era de trevas; lutar pelo Ibama/Funai; estar ao lado dos índios. Fazer o que for possível, mas não se omitir diante de mais essa tragédia. Nossa omissão será sentida, como já está sendo.
            O fato de não termos ateado fogo na Amazônia não nos torna menos cúmplices desse crime quando possuímos as armas para impedi-lo e não as usamos.