15 outubro 2019



As palavras professor, profissão e prostituição não iniciam com as mesmas três primeiras letras à toa. Não há nada mais vulgar do que ensinar em um país que prostitui os nossos conhecimentos e paga quase nada por isso. Quem lucra com esse prostíbulo do ensino é o atual governo, que historicamente cafetão, goza muito ao usar de nossos serviços, mas não nos legitima para a sociedade. Professor virou a meretriz do Estado, muitas vezes contaminado por doenças contraídas pelo estresse na sala de aula, salários mal remunerados, violência escolar, e todos os demais fetiches dos quais estamos submetidos.

Somos responsabilizados pela mal resolvida situação sexual da educação nacional. Careta e conservadora, o saber agora limitou-se ao papai e mamãe apregoado pelas igrejas que ditam os rumos da política do país. Contudo, nos bastidores do poder, precisamos transformar a sala de aula em kama sutra, pois é necessário driblar a sociedade modelo recatado e do lar no aprendizado, ao mesmo tempo que incorporamos a Bruna Surfistinha para motivar os alunos e desconstruir as incoerências sociais.

Para estes, não basta explorar nossos corpos das várias maneiras possíveis em sala de aula, seja como conselheiros, seja como aqueles que vão servir de acessório para os desejos mais lascivos envoltos a xingamentos, violência física e muitas vezes assédio. Muitos, porém, usam a rede para prostituir nossos serviços. Em um misto de vigilância e questionamento, a internet passou a ser o novo bordel, onde o aluno nos compara com outras ferramentas, sempre mais atraentes e tentadoras. Assim, somos inferiorizados no ato a dois, ou grupal, já que o mais comum é o sexo coletivo nesse modelo de aprendizado com salas de aula abarrotadas de clientes que deixariam a categoria orgia do Xvideos no chinelo.

Há também quem filme a nossa didática em sala de aula para expor nossos esforços de levar prazer a esses desafortunados, numa espécie de sexting educacional. Não suficiente, projetos políticos controversos como a Escola Sem Partido querem ainda ilegalizar a liberdade da nossa profissão, que durante anos satisfez a devassidão social, levando um pouco de esperança para as relações frígidas da sociedade. Sem representatividade sindical, social, política e cultural, a ilegalidade serve de extra para estes profissionais. Muitos de nós vendem seus atributos na rua, a preço de banana, em cursinhos, isoladas, preparatórios, atuando em três turnos todos os dias da semana. Se isso não for se prostituir, na pior das hipóteses é exploração sexual.

Desnudos, ficamos vulneráveis também fora dos espaços escolares. Isto porque, a família nos usa como um puxadinho, como aquela crioula do tempo da escravidão que tinha sexo "consentido" com o senhorzinho branco e conservador. Hoje há a mesma lógica: satisfazemos os desejos de muitos pais que entregam em nossos braços as taras dos seus filhos, todas ligadas a negligência parental, para suprir as volúpias de ambos nem sempre ligadas ao conhecimento. Então, semelhante ao passado, todos os envolvidos sabem que há uma clara relação erótica perversa no ato, mas ignoram isso em nome da satisfação luxuriosa de repassar ao outro a incumbência do gozo pessoal.

O reflexo disso não poderia ser outro: uma sociedade mal resolvida, sexualmente e educacionalmente, escravizando profissionais sérios cujo papel só é lembrado, de relance, no dia 15 de outubro de cada ano, quando, na verdade, estamos presentes em cada bem sucedida história de sucesso da sociedade, mas continuamos sendo tratados como putas por todos aqueles que sabem do peso da nossa existência. Isso também resvala no alunado, que finge ares de libidinagem, porém, em essência, saí sem tesão da escola em busca de azulzinhos para se inserir na suruba que lhe espera, de preferência excitado, na sociedade.

Mesmo assim, ainda acalentando a fantasia nacional de que somos responsáveis pelo apetite sexual do aluno pelo conhecimento, fingimos orgasmos por meio de dados mentirosos sobre os nossos clientes, os quais chegam em sala de aula carentes de muita coisa para além do saber, mas saem com a libido destruída frente a brochante conjuntura educacional do Brasil.

Portanto, não dá mais para tangenciar essa realidade. A educação não pode ser tratada como uma transa casual, irresponsável e inconsequente, prostituindo indivíduos que poderiam ganhar bem mais do que o prazer efêmero de um gozo em forma de aula. Da mesma forma, caso fôssemos valorizados para além de hoje, o professor teria o deleite sobre um ensino onde o sexo e o amor estariam em sintonia para suprir as carências dentro e fora dos espaços escolares. Entretanto, enquanto nos pagarem mal, usarem nossos corpos e cobrarem regalos para além do que podemos oferecer, nada vai mudar. Não haverá pílula ou afrodisíaco que dê jeito. A solução é clichê: investir em nós professores. Do contrário, a cada 15 de outubro, todas as vezes que me perguntarem qual é a minha profissão, eu direi professor prostituto.