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28 março 2018


      Definitivamente, somos uma sociedade leiga no quesito artístico, ainda mais quando esta seara percorre caminhos mais políticos pautados na representatividade de determinados grupos e temas, bem como na tomada de discussões pertinentes a toda a população.
      O que se vendeu às massas, e continua sendo manufaturado pela grande mídia, é a arte mais vulgar, mas nem por isso sem valor, apenas mais palatável por não suscitar maiores questionamentos, servindo meramente a degustação momentânea. Isso não seria de todo mal, caso os demais fazeres artísticos tivessem seu lugar ao sol, sobretudo os intimamente carregados de significância dado aqueles que os produzem e o momento histórico em que estão inseridos.
       As Drag Queens fazem parte do grupo dos injustiçados. Renegadas aos guetos das boates, hoje elas transpõem seus limites, levando ao grande público seus talentos, a relevância de seus trabalhos e a coragem de se reinventar no país da intolerância.
      O travestismo com viés artístico é algo bastante antigo e antes da popularização das Drags, era popularmente conhecido como transformismo, pelo menos aqui no Brasil. Sua intenção é bem conhecida: homens vestidos e maquiados com elementos do universo feminino de forma exagerada, com intuito de comicidade, extravagância, capazes de entreter públicos diversos, muitos embora, durante muito tempo, ficaram confinadas aos redutos gays, como boates e bares do gênero.
       Apesar de haver clássicos como o filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, elas não conquistaram de imediato o público heterossexual, educado preconceituosamente ao que diz respeito a aparência andrógena desses personagens. Então, durante anos, grandes maquiadores, costureiros, estilistas, viviam vidas duplas: exercendo suas funções pré-definidas durante o dia e, a noite, incorporando a alcunha de mulheres famosas, ou simplesmente aquelas inventadas pelos próprios, para mostrar uma forma de feminilidade artística contida em seus íntimos. Devido ao preconceito, muitos viviam essa misancene em total sigilo.
      Entretanto, quando há verdade no que se faz e, principalmente, capricho, a arte tende a sobreviver as intempéries, alcançando patamares inimagináveis. No caso das Drag Queens, chegar à mídia televisiva foi um grande passo no Brasil. Há décadas elas aparecem timidamente em programas de auditório, com suas performances bem elaboradas, dublagens incríveis e suas primorosas caricaturas.
    Algumas conquistaram espaços como repórter, ganharam destaques em determinados quadros, contrariando todo o conservadorismo de ontem e hoje. Isso só foi possível, além da persistência dessas profissionais, do seu inegável talento, que surgi da mera observação de seus ídolos, fora a autodidata capacidade delas de metamorfosear o ideário feminino em algo contemplável, mas sem o apelo a sexualização do corpo da mulher, ou sua redução aos estereótipos construídos pelo machismo vigente.
     As Drags, ao invés disso, levam em carne e osso um ideal artístico de mulher vivo, como se um quadro ganhasse vida, permitindo ao público tocar, conversar, tirar uma foto com o criador e a criatura ali personificados.
    Evidentemente as influências estrangeiras foram determinantes para a mudança de paradigma do que é ser Drag Queen no país. Essa transformação tem nome, sobrenome e apelido, RuPaul's Drag Race. Esse reality show foi declaradamente um divisor de águas, levando ao grande público a pirotecnia dessas artistas, antes reféns dos poucos universos LGBT´s.
      Para a surpresa dos mais conservadores, aqueles homens travestidos de mulheres, disputando entre si para conquistar o título de a melhor Drag, conquistaram telespectadores para além do público gay, de idades e classes sociais bem distintas. Soma-se a isso a redemocratização do acesso à internet, há a popularização de Drags YouTuber’s, com seus tutoriais impecáveis de maquiagens; outras lançando-se de vez na comédia, com personagens próximos da realidade brasileira; algumas conseguiram se destacar na TV e na rede ao mesmo tempo, seja fazendo shows performáticos, seja como convidadas; outras participam de filmes, seriados, se lançam no mercado da música.
      O que se vê é uma invasão de Drag Queens, com influências bem distintas, de épocas e contextos bem particulares, levando sua arte a um público cada vez mais receptivo, apesar de muitas vezes não compreender bem o que está sendo produzido para seu entretenimento.
      Com a ascensão meteórica da Drag mais famosa do Brasil, Pabllo Vittar, a sociedade se depara com outra face dessas artistas, a música. Antes, a dublagem era o que compunha os espetáculos Drag. Agora muitas delas têm canções próprias, com repertório que agrada gregos e troianos.
      Infelizmente, porém, toda repercussão “repentina” leva muitos a olhar de cara feia para essas artistas, alegando pobreza artística, sobretudo quando há o quesito voz envolvido. Todavia, os opositores focalizam num ponto e desconsideram o todo.
      Muitas Drags cantam mal, assim como muitos cantores não Drags também. A questão não se reduz a isso, mas a representatividade que tais indivíduos proporcionam a milhares de pessoas, que se veem excluídas por uma cultura que invisibiliza certas demonstrações de arte por puro preconceito.
     Decerto, a ausência de talento vocal não pode inferiorizar o cuidado com a construção de um personagem feito exclusivamente para transmitir alegria a todos que o assistem. Ainda mais o poder político-ideológico dessas artistas num Brasil onde qualquer tentativa de macular o que se elaborou como do universo masculino pode resultar em diversas formas de violência, às vezes até morte.
       Aos que se opõem a chegada das Drag Queens ao mercado consumível nacional, não pensem que elas vieram do nada. A trajetória do transformismo em todo o mundo é bem antiga, assim como as razões que levam essas pessoas a se aventurarem em se fantasiar do sexo oposto. Ninguém faria isso se não houvesse um propósito maior.
       E a arte é o lugar onde a nobreza do talento das pessoas mostra sua face mais criativa, através da valentia daqueles que se utilizam do inconformismo para, suavemente, lançar suas críticas à sociedade. Afinal, nada mais imperceptível do que problematizar a realidade por meio da arte.
      É isso que as Drags tem feito há anos: questionar o que é ser homem e mulher; ressignificar os espetáculos teatrais; ri das hipocrisias da sociedade que as aplaude; se infiltrar nos espaços binários e garantir sua morada; apresentar um trabalho sério, custeado muitas vezes pelo próprio bolso, com pouquíssimo ou nenhum retorno financeiro; demonstrar um respeito descomunal pelo palco, pelos artistas que nele estrelaram, oportunizando que outras Drags possam garantir seu lugar na ribalta; além de presentear o público com um misto de arte (dança, música, interpretação, maquiagem, pintura, costura, criação, etc.), digno de grandes artesãos.
       Por tudo isso, as Drag Queens vieram para ficar sim. O quão bom é isso para a sociedade? É cedo dizer.

         Então, só resta o espanto da contemplação.

20 fevereiro 2018


O que nos define como homem ou mulher? Há tempos as sentenças biológicas XX e XY eram responsáveis por responder essa questão. Hoje, porém, elas são vistas como limitadoras das nossas masculinidades e feminilidades. Por essa razão, falar na possibilidade de mexer nelas causa tanto alvoroço, sobretudo se levarmos em consideração a bifurcação menino-João-azul-carrinho para eles e, para elas, menina-Maria-rosa-boneca, defendida pelos mais conservadores. Entretanto, o mundo caminha em direção ao gênero neutro, focado não em limitar aquele pilar biológico, mas ampliá-lo. Trata-se de repensar todos os valores culturais aprisionados aos gêneros existentes, dando a eles outras experimentações possíveis. No Brasil, contudo, onde tudo parece nos colocar sempre a um passo atrás do resto do mundo, isso será de grande valia, se levarmos em conta tantas perdas geradas pelo nosso atual modelo sócio-econômico-educacional e político, responsável por reduzir humanos às genitálias.

Os que torcem o rosto para essas mudanças têm bons motivos para fazê-lo, afinal de contas, manter a hegemonia vigente é assegurar a permanência dos lucros. Lojas de departamentos de moda, brinquedos, enxoval, por exemplo, faturam muita grana com a categorização dos gêneros que resvalam das genitálias. As cores, os modelos de roupa, cortes de cabelo e demais apetrechos, se tornam elementos indispensáveis aos país ávidos por enquadrar seus filhos num ideal de gênero aceito pela maioria. O que não seria errado, caso o debate de gênero estivesse presente nas discussões familiares desde sempre. Como não é isso que ocorre, sem perceber, muitos de nós, ao naturalizar que menino é assim e menina é assado, estamos contribuindo para a formação de práticas ou possíveis características machistas/homofóbicas/misóginas dessas crianças no futuro.  Além de retirar da infância a curiosidade que lhe é peculiar, ao permitir que garotos brinquem com boneca e garotas de futebol, sem serem repreendidos por essas experiências.

O não enfoque em torno do gênero sufoca todas aquelas masculinidades e feminilidades fora do que é esperado pela sociedade “macho alpha e fêmea gama”. Por exemplo, é bem possível ser um garoto-sensível-meigo-choroso, que usa rosa e seja fã do Liniker, sem precisar ser gay por conta disso. Mas, como falta uma discussão educacional sobre isso, crianças/jovens com esse perfil são hostilizadas na vida escolar, ignoradas por professores-coordenadores-diretores, indo de traumas ao longo da vida ou ao suicídio na adolescência. Ou seja, o tão famigerado bullying poderia ser evitado com práticas educacionais a frente do seu tempo, da mesma forma que a evasão escolar motivada por esse tipo de preconceito. Porém, se a sociedade não é democrática, a escola tão pouco o é. Os Planos Nacionais de Educação retiraram as pautas ligadas a questão de gênero, identidade, sexualidade, até de partes da Lei Mº da Penha, pois políticos religiosos cristãos – sempre eles – disseram que esses temas são desconhecidos da sociedade. E, pelo visto, continuarão sendo, já que a escola, espaço voltado para disseminar as atuais mudanças sociais, é vedada de exercer esta função.

 Mais inflamada fica a discussão quando se traz a público a liberdade familiar/pessoal de criar, ou se autodeclarar, um ser não-binário, agênero, gênero fluido, etc. Definitivamente é o apocalipse na terra. Se já é nebuloso se afirmar de alguma forma na sociedade, imagina então não se enquadrar no que é esperado pelo sistema? Talvez foi isso o que tenha acontecido com o bebê Ariel, quando os pais o batizaram com esse nome afirmando que, ao crescer, ele decidiria se seria menino ou menina. Rapidamente muitos internautas repudiaram a atitude do casal, que depois de várias ameaças, tiveram que retirar a reportagem do ar. A demanda central agora não estava naquela criança, mas na afronta contida no nome Ariel e sua nítida unisexualidade. Em outras palavras, a interferência no batismo da criança fomentou a revolta popular, a qual teria menor proporção se o garoto recebesse os nomes mais esperados para o seu “gênero”. É a linguagem a serviço da discriminação. Felizmente, há mudanças ocorrendo pelo mundo. Na Suécia se adotou o pronome pessoal “hen” para designar a neutralidade entre os gêneros. O Dicionário Oxford adotou desde 2015 o verbete Mx., uma variação para Mr. e Ms., senhor e senhora respectivamente. E o Brasil?

Por aqui a coisa é lenta, mas a nossa genialidade me faz nutrir uma faísca de esperança para o futuro. Isto porque, tenho um amigo, que nos momentos de descontração, criou o pronome pessoal “Êla” para designar aqueles colegas que não se veem dentro do que é e adotado como parâmetro para homem e mulher. Enquanto não há no país uma definição linguística para esta contenda, a internet tem elaborado construções neutras bem interessantes como “amig@s”. Quem sabe elas não sejam acopladas um dia pelo nosso idioma. Até lá, porém, o Brasil precisa avançar em outros quesitos para então pensar em uma nomenclatura oficial para este público. Entre as pendências, falta uma política voltada a igualdade de gênero semelhante ao que já ocorre em muitos países de primeiro mundo. O Fórum Econômico Mundial faz um relatório anual sobre essa temática e Islândia, Finlândia e Noruega ocupam o pódio entre as nações nesse sentido. A nossa pátria aparece numa posição vexatória, cuja menção nem é válida, fruto da ridicularização em torno da “ideologia de gênero”, termo criado por fundamentalistas para banalizar essa discussão.

Ao adiar o necessário debate sobre gênero, estamos tardando a resolução de problemas oriundos dos estereótipos construídos pela sociedade. Da mesma forma, estamos replicando humanos a partir de um único molde. Porém, a unisexualidade não veio para extinguir a espécie. Pelo contrário, sua aparição mostra o quão dinâmico, versátil, é a natureza humana, apesar dos rótulos encarcerarem nossa essência. Significa romper barreiras impostas por vários setores da sociedade e cobrar dos órgãos públicos a plena efetivação dos direitos individuais e coletivos. Diz respeito a planos educacionais mais amplos, humanísticos, antenados as transformações atuais. Pouparia crianças/adolescentes de inúmeros sofrimentos, constrangimentos e demais violências. Ajudaria a entender a sexualidade daqueles que não se identificam com o sexo biológico que nasceram. Como também aliviaria as dúvidas daqueles que têm sua sexualidade questionada apenas por ter comportamentos fora dos padrões. Diminuiria as relações abusivas, a hipersexualização do corpo feminino, a violência doméstica, o ato abortivo, a homofobia, a cultura do estupro, bem como outras violências que nascem da ausência da discussão de gênero. Macho e fêmea continuariam existindo, mas suas masculinidades e feminilidades seriam ampliadas a partir do momento em que alguém perguntasse: é menino ou menina? É um ser humano.

26 janeiro 2016

Eles são heterossexuais. Muitos deles casados, com família e tudo. Mas para as lentes do fotógrafo e artista francês Olivier Ciappa, posaram ao lado de pessoas do mesmo como se fossem um casal. Os cliques mostram cenas de amor e carinho entre os casais para mostrar que amor é amor, seja ele gay, hétero ou lésbico.
A série de fotos é chamada Imaginary Couples (Casais Imaginários). Autoexplicativo. São celebridades, como atletas e atores, que toparam embarcar na ideia de Ciappa de formar casais imaginários do mesmo sexo para tentar acabar com estereótipos.
A atriz Eva Longoria, por exemplo, fez par com a cantora Lara Fabian. Já o diretor de Sicario, Denis Villeneuve, apareceu nas fotos com o diretor de Dallas Buyers Club, Jean-Marc Vallée. Dois campeões olímpicos franceses de natação posaram juntos, em uma cena sensual embaixo do chuveiro.
Qual a inspiração de Ciappa? As várias atitudes homofóbicas ao redor do mundo. “As celebridades que eu entrevistei são heterossexuais, mas o essencial é que você enxergue esses casais e famílias imaginárias como reais”, disse o artista ao Huffington Post. “Se você não se identificar com esses casais ou não achar que é real, então eu falhei”. Que responsabilidade, né?
A exposição já passou por países europeus e daqui da América do Sul. Até o fim do ano deve chegar aos EUA. E por que não vir ao Brasil também?

Visto: Universo A