Vejo-a
deitada sobre a cama com os lençóis desordenados. Seu corpo nu absorve toda
pouca luz que transcende a janela quebrada. Seus olhos entorpecidos de uma
noite suada e quente. Seus cabelos ainda úmidos de sua água salgada. Em sua
boca resta uma mancha vermelha e apagada do que antes foi o rubro negro de um
batom.
Passeio o quarto com meus olhos e encontro os dela, belos
tons de esmeraldas, e com eles um sentimento de culpa que me afunda. Mas logo
se vai quando a observo, novamente, nua. Sua pele branca faz um contraste com
os lençóis marrons ressaltando-a. Desejo tocá-la, mas apenas a observo. Decalco
suas curvas e entranças com o olhar. Deleitando-me como um voyeur, pois já a toquei, beijei e amei durante a
noite anterior e agora a observo, desfrutando de sua imagem quase perfeita.
A pouca luz que antes
banhava o seu corpo agora esta se findando, presa entre as nuvens nubladas que
lá fora em instantes banhará nossa habitação.
Os trovões começam a
cantar.
A meia luz que alumiava o quarto partiu. Restam-nos
agora, sons de trovão e o escuro entre os lençóis.
Ouço batidas lá fora.
A chuva forte e furiosa joga-se contra a janela e entra sem convite por entre o
vidro quebrado. Em poucos segundos uma poça molhada começa a se formar no chão
de madeira emanando um cheiro úmido e frio. Ela busca refúgio entre os lençóis.
Eu amaldiçoo a chuva. Seus olhos culpados são o que restou livre dos lençóis. Não
consigo fitá-los.
Acendo um cigarro,
baforando fumaça sobre a cama que viaja até o rosto dela e é inspirado por seu
nariz. Repito as baforadas, criando uma ponte fluida que leva minha alma para
dentro de seu corpo regozijando novamente o prazer que senti horas atrás.
A poça no chão tomou
forma maior, transformando nossa cama numa ilha. Lembro-me então de Ulisses
preso na ilha de Ogígia com a ninfa Calipso. Mas ao contrário do herói, eu
permaneceria na ilha deleitando do corpo da deusa e da imortalidade da alma.
A chuva cessa.
Silêncio...
Ela se desfaz dos
lençóis.
Chama meu nome,
movimentando sem som, os lábios.
Rejeito seu convite.
Cravo meus olhos em seu corpo, redesenhando-o.
Vejo o brando som meu
nome em seus lábios mais uma vez.
Em seus olhos verdes, vejo culpa.
A luz retorna, iluminando
um dos lados de seu corpo, criando uma sombra no lado oposto. Resisto a sua
estonteante beleza.
Apenas a observo.
Deleito-me de sua
imagem nua. Sei que é tudo que me restará quando ela sair por aquela porta de
volta para meu irmão.
E eu ficarei aqui.
Sozinha.
Texto incrível.
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