No final de maio acontecerá, em várias capitais
do Brasil, a Marcha das Vadias. Para quem não sabe, este evento com nome
bastante curioso, é chamado em portugal de Marcha das Galdérias e em inglês de
SlutWalk. Esse movimento que surgiu a partir de um protesto realizado no dia 3
de abril de 2011 em Toronto, no Canadá, feito por mulheres que se reúnem para
protestar contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro pediram
isso devido as suas vestimentas.
E o que a marcha das vadias tem a ver com
maternidade?
Xico Sá escreveu este artigo falando
sobre a máxima: mulher para casar e mulher para se divertir. Loucura pensar que
ainda se cultiva idéias assim. Se as mulheres não podem usar vestimentas
curtas, o que diriam das mães?
Se, realmente, existem homens que pensam como o
cara que fez a pergunta ao Chico Sá sobre a mulher para casar não pode ser
“vadia” , quando ela se torna mãe uma atmosfera de santa cai sobre ela no
imaginário popular.
Somos educadas para ser santa. A maioria de nós,
pelo menos. Feche as pernas, não suba na árvore, comporte-se como menina, não
fale palavrão, seu corpo deve servir a um homem. Prenda suas cabras que eu
solto meus bodes, diz o ditado popular. São os sapatos apertados que tentam
corrigir nossos passos, guiar nossa sexualidade, como bem diz a Clarice
Pinkola, no livro Ciranda das Mulheres Sábias.
O menino que pega todas na escola é o garanhão. A
menina: a vadia, galinha, vaca, piranha, piriguete. Coloca-se um rótulo, como
bem disse Xico Sá: as mulheres para se ter prazer, as mulheres para se casar.
Eu tive uma educação bem moralista: estudei em
colégio de freira e sempre escutei muitas das frases acima. Tinha medo da minha
sexualidade. Comecei minha vida sexual aos 18 anos. Foi no teatro que consegui
entrar em contato com esta energia trancafiada dentro de mim. Minha busca era
por ser santa, como se isso fosse o mais adequado a se fazer. As sombras, a
vadia, a sexualidade eu queria esconder e tinha medo. Até que em uma peça de
teatro eu me liberei e gritei para uma platéia cheia, incluindo meus pais: Eu
sou uma puta! Sim, eu tambem sou.
Como contei no texto Toda Nudez será Castigada ,
a maternidade me transformou em uma mulher mais livre, mais selvagem.
Mas é fato que em toda sociedade existe a máxima:
ser mãe é deixar de ser mulher. Claro que cada um lida com os momentos da vida
de uma maneira particular. Mas existe um pensamento coletivo que por mais que
tentemos sair dele, são as vozes que ecoam dentro de nós.
Uma gestante é quase sempre registrada como uma
estátua de Nossa Senhora, quando na verdade, muitas vezes a gestação é um
encontro com a luz e as sombras da sexualidade. Se para parir, como disse
Michel Odent, precisamos das mesmas condições necessárias para o ato sexual,
uma vez que ambos os eventos são regidos pela presença da ocitocina, uma mulher
grávida deveria se sentir como uma verdadeira deusa do prazer (Kamadeva).
Algumas mulheres vivem a gestação cheias de
desconfortos, falta de libido. Mas muitas, como eu, experimentam a sensação
oposta: uma libido acima do comum. Meu corpo com formas arredondadas me faziam
sentir maravilhosa. Os seios fartos, os hormônios em alta. Por isso eu digo:
mãe também é vadia.
E assim como as mulheres marcham em protesto
contra a máxima de que mulher que usa roupa curta pede para ser estuprada, no
universo das ativistas sanguenozóio, lutamos contra a máxima de que a mulher
que está parindo não está pedindo para ser violentada.
Se, por ano, cerca de 15 mil mulheres são
estupradas no Brasil, uma a cada quatro mulheres sobrem violência obstétrica
nas maternidades. A obstetriz, Ina May Gaskin disse: Se uma mulher não parecer
uma Deusa durante o parto, então alguém não está tratando-a corretamente.
Posso dizer que quem pariu foi minha faceta vadia,
minha essência de Deusa, minha parte libidinosa. Ali, em trabalho de parto,
estava aquela que se entrega, se permite, rebola, conhece o corpo, sabe o que
ele precisa e decide o que quer. Talvez muitas mulheres optem pela cesárea, não
com medo da dor, mas com pânico de conhecerem esta instância mais selvagem e
fêmea de si mesmas.
Gosto de registrar mulheres em trabalho de parto.
Elas se despem de suas roupas, de seus medos. Elas experimentam um verdadeiro
contato com a energia sexual. Vejo, como doula fotografa, meninas morrendo e
nascendo mulheres, fêmeas, que gemem, rebolam, determinam o que querem. Vejo as
santas dando lugares às suas instâncias sexuais mais vadias (ou fêmeas, se
preferirem).
De posse do poder da sexualidade, a gente
consegue enfrentar os medos, consegue se despir das amarras, dos sapatos
apertados, se abrir de corpo, alma e espírito para trazer uma vida para o
planeta. E na passagem da criança, romper com a praga que está na bíblia:
parirás com dor. De posse do poder sexual que tudo cria e transforma viver o:
poderá gozar ao trazer um novo ser.
Afinal este ser foi feito desta energia sexual,
que quanto mais liberta e intensa, melhor memória deixou. Nascer em um orgasmo
é bendito, benfeito e bem-vindo.
Com o filho pequeno no colo, demandando toda a
nossa energia, às vezes falta fogo para retomar a vida sexual. À medida que a
criança ganha mais autonomia, a libido volta a estar presente. Essa é a hora de
pegar as experiências vividas e resgatar os fragmentos da sexualidade de uma
forma madura e consciente.
Mães usam lingerie, mães assistem filmes de
sacanagem, gostam de variar a posição sexual, gozam, usam decote. E como ontem
a noite, vão para o bar conversar com amigos. Neste bar muitos colegas me
perguntaram: mas você não é casada e tem filho. Sim, essa condição me tornou
mais livre!
Mães são santas sim e vadias, como toda a mulher
livre o é. Quem veste a máscara de uma ou outra, perdeu-se de si mesma. Está na
hora de se encontrar.
E dia na próxima Marcha das Vadias aqui de Belo
Horizonte, estarei lá lutando pelo direito das mulheres sobre seus corpos: nem
roupas curtas nem uma mulher em trabalho de parto pede por violação. Estarei
com o corpo pintado ou levando uma placa: toda mãe também é vadia.
Visto no: Vila Mamífera
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