07 abril 2013

Janela quebrada - por Paulo Moura



Vejo-a deitada sobre a cama com os lençóis desordenados. Seu corpo nu absorve toda pouca luz que transcende a janela quebrada. Seus olhos entorpecidos de uma noite suada e quente. Seus cabelos ainda úmidos de sua água salgada. Em sua boca resta uma mancha vermelha e apagada do que antes foi o rubro negro de um batom.

            Passeio o quarto com meus olhos e encontro os dela, belos tons de esmeraldas, e com eles um sentimento de culpa que me afunda. Mas logo se vai quando a observo, novamente, nua. Sua pele branca faz um contraste com os lençóis marrons ressaltando-a. Desejo tocá-la, mas apenas a observo. Decalco suas curvas e entranças com o olhar. Deleitando-me como um voyeur, pois já a toquei, beijei e amei durante a noite anterior e agora a observo, desfrutando de sua imagem quase perfeita.

            A pouca luz que antes banhava o seu corpo agora esta se findando, presa entre as nuvens nubladas que lá fora em instantes banhará nossa habitação.

            Os trovões começam a cantar.

A meia luz que alumiava o quarto partiu. Restam-nos agora, sons de trovão e o escuro entre os lençóis.

            Ouço batidas lá fora. A chuva forte e furiosa joga-se contra a janela e entra sem convite por entre o vidro quebrado. Em poucos segundos uma poça molhada começa a se formar no chão de madeira emanando um cheiro úmido e frio. Ela busca refúgio entre os lençóis. Eu amaldiçoo a chuva. Seus olhos culpados são o que restou livre dos lençóis. Não consigo fitá-los.

            Acendo um cigarro, baforando fumaça sobre a cama que viaja até o rosto dela e é inspirado por seu nariz. Repito as baforadas, criando uma ponte fluida que leva minha alma para dentro de seu corpo regozijando novamente o prazer que senti horas atrás.

            A poça no chão tomou forma maior, transformando nossa cama numa ilha. Lembro-me então de Ulisses preso na ilha de Ogígia com a ninfa Calipso. Mas ao contrário do herói, eu permaneceria na ilha deleitando do corpo da deusa e da imortalidade da alma.

            A chuva cessa.
Silêncio...
            Ela se desfaz dos lençóis.
            Chama meu nome, movimentando sem som, os lábios.
            Rejeito seu convite.
Cravo meus olhos em seu corpo, redesenhando-o.
            Vejo o brando som meu nome em seus lábios mais uma vez.
Em seus olhos verdes, vejo culpa.

            A luz retorna, iluminando um dos lados de seu corpo, criando uma sombra no lado oposto. Resisto a sua estonteante beleza.

Apenas a observo. 

            Deleito-me de sua imagem nua. Sei que é tudo que me restará quando ela sair por aquela porta de volta para meu irmão.

            E eu ficarei aqui.
            Sozinha.


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