Andar sinuoso, voz
afeminada, vestimenta colorida, penteado da moda, essas características são
facilmente encontradas em ruas e avenidas do país. Elas compõem o estilo dos
homossexuais, digamos, mais delicados, ou as famosas “bichinhas”.
Estereotipadas pelos héteros e odiadas pelos gays mais discretos, elas colorem
em aquarela tudo por onde passam e pouco se importam se estão ou não agradando
os presentes. Transgressoras, esses indivíduos não se intimidam com os olhares
alheios e usam e abusam de maquiagem, salto alto, cosméticos, roupas justas e
tudo o que a indústria da moda puder oferecer. Por causa dessa conduta
vanguardista, essas “bichas” trouxeram uma significativa mudança para essa
sociedade estruturada no macho viril e truculento, dando a ele a chance de manter
a sua masculinidade intacta, ao passo que se torna mais aberto à vaidade e as
mudanças estéticas que esta pode lhe proporcionar.
O perfil do homem,
suado, sujo de graxa, cabelos despenteados, roupas desgrenhadas e aspecto de
retirante só agrada aos fetichistas ou aos amantes do visual aborígene
masculino de outrora. Hoje, no entanto, elas (e porque não eles) preferem o
homem que se cuida, que usa condicionador e xampu, creme hidratante no corpo e
pós-barba, um bom perfume e de preferência que esteja vestido na tendência da
moda. No mínimo elegantes, educados ao falar e com um ar de delicadeza, a
idealização masculina tem cada vez mais transitado numa atmosfera que era
restrita as mulheres. Tudo isso só foi possível, porque a histórica evolução da
sexualidade humana demonstra que os papéis imutáveis de homem e mulher não se
encerram apenas às genitálias. Se, de um lado, ela chora, ele se derrama em
prantos; se ela sofre, ele desaba em depressão; se ela se apaixona, ele ama
loucamente. E essa reconstrução masculina só foi possível por causa das marginalizadas
“bichinhas pintosas”, dos transformistas e das incompreendidas travestis.
Isso mesmo! Ao longo da
história, a imagem de homens e mulheres se travestindo era comum e servia de
instrumento de diversão. Conduta essa que ganhou bailes e ruas do Brasil nas
festas de momo, popularmente conhecidas como carnaval. Nesse período, todos podiam
realizar suas fantasias femininas mais secretas e se entregarem ao deleite dos
criativos personagens adornados de plumas e paetês, sem o crivo do preconceito
que vigora antes e depois dessa festa. Era o homem lobisomem e a mulher “cabra
macho sim sinhô”. Essa “bicha” é a sociedade. Baseado nisso, ela, a “bicha”,
retoma mais uma vez seu lugar de importância nessa discussão. Graças a ela, aos
travestis e as/os transformistas, muitos homens atualmente se aventuram no
universo das mulheres sem perder o rebolado. É o que acontece com muitas “Drag
Queens”, personagens caricaturados da noite que se transformam lindamente para
encarar um dado personagem e realizar seus shows. Para quem não sabe, muitos
delas são héteros, casados e até com filhos. Isso, porém, não foi obstáculo
para estas artistas da noite, que abrilhantam boates a casas de espetáculo Brasil
afora, deixassem sua contribuição contra o machismo operante.
E por que é tão
complicado assumir o lado feminino dentro de cada um de nós? Com a imposição do
macho alfa, ser mulher ganhou uma conotação marginalizada e durante muito tempo
o feminino foi caracterizado como inferior, frágil e minorado. Numa cultura
patriarcal e, consequentemente dominada pelo homem, as mulheres foram
redimensionadas aos serviços domésticos. Com essa estratificação, ele ganhou o
perfil inexorável, conservador e troglodita e ela a dócil imagem da donzela
indefesa. Quando a revolução feminina abalou essa estrutura, elas passaram a
desconstruir essa redoma e se tornaram mais autônomas de si. Esse dinamismo
também serviu de válvula para que os gays mais afeminados ganhassem seu espaço
na sociedade, usurpando, por assim dizer, o espaço que antes era ditado apenas
pelos homens. Por isso que a homossexualidade é tão rechaçada pela sociedade.
Não é só a prática de sexo entre iguais que incomoda os mais puritanos, mas a
inversão de papeis, ou melhor, a invasão de uma fronteira que era intransponível.
Sendo mais claro,
quando o homem afeminiza-se ele confronta todo o tratado histórico traçado para
esse gênero. Ele acaba enfrentando o viril que foi sedimentado ao longo dos séculos
e externaliza outro, mais meigo e sereno. O mesmo acontece quando a mulher se
embrutece. Por ser condicionada a ser a parte faceira da relação, quando elas
transgridem essa linha, logo são repudiadas pela sociedade. Então, percebe-se que
a “bichinha pintosa”, ou até mesmo a “sapatão”, foram importantes para
flexibilizar as identidades de gêneros adormecidas por essa secular educação
sexista, que tenta se manter viva até hoje. Por causa disso, os metrossexuais
se alastram deliberadamente pela sociedade. Homens que fazem da sobrancelha a
unha do pé, que usam roupas justas, malham duro para fisiculturar seus corpos.
Alguns até se tornam adeptos das cirurgias plásticas e tratamentos intensos de
beleza. Tudo para agradar suas parceiras, mas sem perder a virilidade do seu
gênero.
Essa nova postura vista
preconceituosamente pelos mais eruditos só foi possível graças à contribuição
dos homossexuais mais afeminados. Sem eles, estaríamos desejando os mesmos
primatas malcheirosos e incivilizados do passado. Por isso é importante, a
priori, desconfigurar esse preconceito que vigora tanto entre os héteros quanto
entre os gays mais “contidos” contra as “bichinhas pintosas”. Estas que, vistas
por outro ângulo, foram determinantes para a construção dos novos costumes
estéticos e morais que moldam as vanguardistas personalidades masculinas da
sociedade. E não adianta dizer que o seu lado feminino não existe, pois isso é
pura babaquice. Ele apenas está adormecido e aguardando a chance de transpor as
barreiras sociais mais antiquadras para demonstrar toda a sua força. Para isso,
os que ainda resistem devem entender que ser vaidoso, na medida certa, não fere
a sexualidade de ninguém. Pelo contrário, em tempos neoparnasianos como o
nosso, cuidar do corpo, interno ou externamente, é despertar os sentimentos
mais humanos existentes em cada um de nós.