26 abril 2013

 

Andar sinuoso, voz afeminada, vestimenta colorida, penteado da moda, essas características são facilmente encontradas em ruas e avenidas do país. Elas compõem o estilo dos homossexuais, digamos, mais delicados, ou as famosas “bichinhas”. Estereotipadas pelos héteros e odiadas pelos gays mais discretos, elas colorem em aquarela tudo por onde passam e pouco se importam se estão ou não agradando os presentes. Transgressoras, esses indivíduos não se intimidam com os olhares alheios e usam e abusam de maquiagem, salto alto, cosméticos, roupas justas e tudo o que a indústria da moda puder oferecer. Por causa dessa conduta vanguardista, essas “bichas” trouxeram uma significativa mudança para essa sociedade estruturada no macho viril e truculento, dando a ele a chance de manter a sua masculinidade intacta, ao passo que se torna mais aberto à vaidade e as mudanças estéticas que esta pode lhe proporcionar.

O perfil do homem, suado, sujo de graxa, cabelos despenteados, roupas desgrenhadas e aspecto de retirante só agrada aos fetichistas ou aos amantes do visual aborígene masculino de outrora. Hoje, no entanto, elas (e porque não eles) preferem o homem que se cuida, que usa condicionador e xampu, creme hidratante no corpo e pós-barba, um bom perfume e de preferência que esteja vestido na tendência da moda. No mínimo elegantes, educados ao falar e com um ar de delicadeza, a idealização masculina tem cada vez mais transitado numa atmosfera que era restrita as mulheres. Tudo isso só foi possível, porque a histórica evolução da sexualidade humana demonstra que os papéis imutáveis de homem e mulher não se encerram apenas às genitálias. Se, de um lado, ela chora, ele se derrama em prantos; se ela sofre, ele desaba em depressão; se ela se apaixona, ele ama loucamente. E essa reconstrução masculina só foi possível por causa das marginalizadas “bichinhas pintosas”, dos transformistas e das incompreendidas travestis.

Isso mesmo! Ao longo da história, a imagem de homens e mulheres se travestindo era comum e servia de instrumento de diversão. Conduta essa que ganhou bailes e ruas do Brasil nas festas de momo, popularmente conhecidas como carnaval. Nesse período, todos podiam realizar suas fantasias femininas mais secretas e se entregarem ao deleite dos criativos personagens adornados de plumas e paetês, sem o crivo do preconceito que vigora antes e depois dessa festa. Era o homem lobisomem e a mulher “cabra macho sim sinhô”. Essa “bicha” é a sociedade. Baseado nisso, ela, a “bicha”, retoma mais uma vez seu lugar de importância nessa discussão. Graças a ela, aos travestis e as/os transformistas, muitos homens atualmente se aventuram no universo das mulheres sem perder o rebolado. É o que acontece com muitas “Drag Queens”, personagens caricaturados da noite que se transformam lindamente para encarar um dado personagem e realizar seus shows. Para quem não sabe, muitos delas são héteros, casados e até com filhos. Isso, porém, não foi obstáculo para estas artistas da noite, que abrilhantam boates a casas de espetáculo Brasil afora, deixassem sua contribuição contra o machismo operante.

E por que é tão complicado assumir o lado feminino dentro de cada um de nós? Com a imposição do macho alfa, ser mulher ganhou uma conotação marginalizada e durante muito tempo o feminino foi caracterizado como inferior, frágil e minorado. Numa cultura patriarcal e, consequentemente dominada pelo homem, as mulheres foram redimensionadas aos serviços domésticos. Com essa estratificação, ele ganhou o perfil inexorável, conservador e troglodita e ela a dócil imagem da donzela indefesa. Quando a revolução feminina abalou essa estrutura, elas passaram a desconstruir essa redoma e se tornaram mais autônomas de si. Esse dinamismo também serviu de válvula para que os gays mais afeminados ganhassem seu espaço na sociedade, usurpando, por assim dizer, o espaço que antes era ditado apenas pelos homens. Por isso que a homossexualidade é tão rechaçada pela sociedade. Não é só a prática de sexo entre iguais que incomoda os mais puritanos, mas a inversão de papeis, ou melhor, a invasão de uma fronteira que era intransponível.


Sendo mais claro, quando o homem afeminiza-se ele confronta todo o tratado histórico traçado para esse gênero. Ele acaba enfrentando o viril que foi sedimentado ao longo dos séculos e externaliza outro, mais meigo e sereno. O mesmo acontece quando a mulher se embrutece. Por ser condicionada a ser a parte faceira da relação, quando elas transgridem essa linha, logo são repudiadas pela sociedade. Então, percebe-se que a “bichinha pintosa”, ou até mesmo a “sapatão”, foram importantes para flexibilizar as identidades de gêneros adormecidas por essa secular educação sexista, que tenta se manter viva até hoje. Por causa disso, os metrossexuais se alastram deliberadamente pela sociedade. Homens que fazem da sobrancelha a unha do pé, que usam roupas justas, malham duro para fisiculturar seus corpos. Alguns até se tornam adeptos das cirurgias plásticas e tratamentos intensos de beleza. Tudo para agradar suas parceiras, mas sem perder a virilidade do seu gênero.

Essa nova postura vista preconceituosamente pelos mais eruditos só foi possível graças à contribuição dos homossexuais mais afeminados. Sem eles, estaríamos desejando os mesmos primatas malcheirosos e incivilizados do passado. Por isso é importante, a priori, desconfigurar esse preconceito que vigora tanto entre os héteros quanto entre os gays mais “contidos” contra as “bichinhas pintosas”. Estas que, vistas por outro ângulo, foram determinantes para a construção dos novos costumes estéticos e morais que moldam as vanguardistas personalidades masculinas da sociedade. E não adianta dizer que o seu lado feminino não existe, pois isso é pura babaquice. Ele apenas está adormecido e aguardando a chance de transpor as barreiras sociais mais antiquadras para demonstrar toda a sua força. Para isso, os que ainda resistem devem entender que ser vaidoso, na medida certa, não fere a sexualidade de ninguém. Pelo contrário, em tempos neoparnasianos como o nosso, cuidar do corpo, interno ou externamente, é despertar os sentimentos mais humanos existentes em cada um de nós.
E nesse jogo, vale a pena chorar, se maquiar, mudar a cor do cabelo, usar lentes de contato, bombar a musculatura, usar roupas coloridas, justas ou folgadas demais. Ser delicado às vezes, ou mais bruto a pedidos. Dizer que sente saudades, que não aguenta mais ficar longe da pessoa amada; de se declarar para quem se ama, sem o receio de ser chamado de cafona ou mulherzinha. É dizer que é fã da Lady Gaga ou do Marcelo D2. Assumir que tem medo do escuro, de ficar sozinho à noite ou de assistir aquele filme de terror sem uma boa companhia para abraçar. É se emocionar todas as vezes que assiste a aquela romântica cena que embala os clássicos cinematográficos; que você já viu centenas de vezes, mas sempre na parte dos “felizes para sempre”, você luta, mas não consegue segurar as lágrimas que parecem ter vida própria. É gritar para o mundo que você é homem, viril e hétero, mas também sensível, carente e, por que não vaidoso. Tudo isso deve ser feito para que as barreiras que tentam enclausurar nossas alegrias, desejos e virtudes sejam desfeitas, porque o que vale é ser feliz. Porém, para isso é necessário libertasse de todas as amarras que limitam nossa felicidade e viver a vida sob um único lema: ser feliz é ser livre!


 
Durante o período colonial vivenciado por este país, o uso de mão de obra escrava foi uma realidade que a poucos inquietava. Esta prática corriqueira de compra e venda de pessoas alcançou o marco legal, porém mesmo passado 500 anos a exploração do homem pelo homem não chegou ao fim. A busca de lucros exorbitantes permanece presente e desafiando a legislação vigente.
Se não é mais tão comum ouvirmos histórias de pessoas que foram vendidas para trabalharem em casas de prostituição, como crianças e adolescentes em cidades que beiram rodovias ou em regiões mais pobres e inóspitas do país, como a região norte, a questão do trabalho forçado tem ocupado os noticiários. Esse trabalho é caracterizado por uma relação de servidão perante uma dívida desproporcional ao dito salário.
Essa configuração do trabalho escravo na qual não há diretamente a compra e a venda de pessoas, mas a privação de liberdade por meio da coação é mais comum distante dos grandes centros urbanos, porém não deixa de acontecer nestes espaços também. Já foram identificadas situações de trabalho escravo em canaviais, em grandes propriedades de terra e, agora, em fábricas de costura de grandes marcas mundiais.
Os trabalhadores destas fábricas geralmente são estrangeiros, latino-americanos, que vêm para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida, mas acabam tendo sua documentação apreendida e não podem deixar o país, passando, então, a viverem em situação de escravidão. O mais interessante é que este é um trabalho terceirizado pelas marcas mundiais, logo estas não são responsabilizadas por tais atividades e permanecem buscando menores custos acima de qualquer escrúpulo.
A sociedade precisa estar atenta a esta questão e exigir que o Ministério Público e demais órgãos institucionais continuem a atuar na defesa dos direitos humanos e garantia do direito de liberdade, tornando este um marco real e não apenas legal. É necessário que seja posto um fim nesta herança colonial que acompanha a sociedade do capital e sua lógica de poder atrelada ao consumo.
Aluna: Tamy de Paula
Professor: Diogo Didier

Foto: Masao Goto Filho

Foto: Masao Goto Filho

Há décadas o mundo curvou-se ao prêt-à-porter, ao fast-food, à intensidade consumista e assim foi se acostumando com a rapidez com que o tudo pronto, o nem sempre necessário, o efêmero se impõem à nossa vida*.
 
Enlatam-se frutas, sopas, carnes e tudo que couber em belas embalagens que, com a força de uma boa campanha publicitária, virarão dólares, mesmo com gosto pasteurizado ou sem sabor.
 
Aulas não se podem enlatar. Ou podem? O Ministério da Educação anunciou nos últimos dias que comprará aulas semi-prontas, industrializadas, uma espécie de modelo tamanho único para ‘auxiliar’ pedagogicamente os professores. (Dilma convida professor norte-americano Salman Khan para parceria em projeto na educação básica, agência Brasil, 16/01/2013 – 19h10).
 
As aulas do professor Khan foram muito bem compostas por sua finalidade inicial: auxiliar sua prima, que morava distante, a compreender matemática. Ambos dialogavam pela internet e assim, neste processo de mediação, permeado pelo conhecimento recíproco e pela afetividade, foram compondo aprendizagens. Afinal, Khan deveria conhecer a sua prima para ensiná-la. Como afirma Snyders: para ensinar latim a João é preciso conhecer latim e conhecer João.
 
A aula é uma prática social realizada numa condição historicamente situada, que envolve uma dinâmica de contextualizações e atualizações, que não se faz numa única direção de injetar conteúdos prontos; a aula se faz a partir de mediações e atribuição de sentidos e significados entre estudantes e professores.
 
A aula não pode estar pronta antes do encontro professor-estudante, portanto, não pode vir enlatada. Transmitir conteúdo não representa dar aula. A aula é o meio utilizado pela escola para a formação de pessoas, é o momento em que, para aprender, é necessário que o estudante incorpore o conteúdo a seu nível de significado e a função do professor é de identificar diferenciados processos de compreensão, dúvidas, hipóteses dos estudantes, saberes envolvidos no ciclo ensinar/apreender, colaborando para as possibilidades de articulações com outras aprendizagens. O professor começa a construir a aula com o aluno antes de encontrá-lo, mesmo na modalidade a distância.
 
Sabemos qual a equação para a melhoria da qualidade da educação brasileira: boa formação de professores, condições dignas de trabalho, adequado ambiente escolar e capacidade de gestão democrática das equipes dirigentes.
 
Medidas como essa em questão contrariam a luta histórica de educadores contra a importação de modelos educacionais e a favor de uma política educacional brasileira, comprometida com as nossas necessidades e possibilidades.
 
Felizmente o professor Khan recusou o convite. No entanto, assusta-nos que nossas lideranças não tenham considerado questões fundamentais, pontuadas pelo convidado.
 
Esse convidado apoiado em seu bom senso recusou o convite. Outros não recusarão. Alertemo-nos: a recusa não significa que Dilma mudou de ideia. Assim permanece nossa tensão sobre a próxima fórmula mágica que se buscará para equivocar nossa educação!
 
Quando parece que estamos avançando no campo da Educação retrocedemos com escolhas tão contraditórias. É frustrante! Fica a pergunta: para onde está caminhando a política educacional brasileira?
 
*As autoras Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Marineide Gomes (Unifesp/EFLCH), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) e Valéria Belletatti (Instituto Federal de São Paulo) são doutoras em Educação e integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE-FE) da USP
 
Visto na: Carta na Escola


"Vivemos feito bandos de ratos aflitos, recorrendo à droga, à bebida, ao delírio, à alienação e à indiferença, para aguentar uma realidade cada dia mais confusa."
 
A gente se acostuma a criticar os jovens por eles serem pouco educados, os homens por serem arrogantes, as mulheres por serem chatas, os governos por serem omissos ou incompetentes, quando não mal-intencionados. Políticos sendo acusados de corrupção é tão trivial que as exceções se vão tornando ícones, ralas esperanças nossas. Onde estão os homens honrados, os cidadãos ilustres e respeitados, que buscam o bem da pátria e do povo, independentemente de cargos, poder e vantagens?
 
Transgredir no mau sentido é natural entre nós. Ladrões e assassinos, mesmo estupradores, recebem penas ridículas ou aguardam o julgamento em liberdade; se condenados, conseguem indultos absurdos ou saem em ocasiões como o Natal, e boa parte deles naturalmente não volta. Crianças continuarão a ser estupradas, inocentes mortos, velhinhos roubados, mulheres trancadas em suas casas, porque a justiça é cega, porque as leis são insensatas e, quando prestam, raramente se cumprem.
 
Nesta nossa terra, muitos cidadãos destacados, líderes, são conhecidos como canalhas e desonestos, mas, ainda que réus confessos ou comprovados, inevitavelmente se safam. Continuam recebendo polpudos dinheiros. Depois de algum tempo na sombra, feito eminências pardas, voltam a ocupar importantes cargos de onde nos comandam. Assassinos ao volante nem são presos. Se presos, são soltos para o famoso "aguardar o julgamento em liberdade". Centenas e centenas de vidas cortadas de maneira brutal e o assassino, a não ser que acossado pela culpa moral, se tiver moral, logo voltará ao seu dia-a-dia, numa boa. Se invadir a casa de meu vizinho, fizer seus empregados de reféns, der pauladas na sua mulher ou na sua velha mãe e escrever nas paredes com excremento humano frases ameaçadoras, imagino que eu vá para a cadeia. Os bandos de pseudoagricultores (a maioria não sabe lidar na terra) fazem tudo isso e muito mais, e nada lhes acontece: no seu caso, bizarramente, não se aplica a lei.
Se sobram muitas vagas nos exames vestibulares, em alguns casos simplesmente se fazem novas provas, provinhas mais fáceis. Leio (se me engano já me desculpo, nem tudo o que se lê é verdadeiro) que, como são poucos os aprovados nos exames da OAB, porque os estudantes saem despreparados demais das faculdades de direito que pululam pelo país, o exame se tornou mais simples: há que aprovar mais gente. Quantidade, não qualidade. Governantes, os bons e esforçados, viram objeto de ódio de adversários cujo interesse não é o bem da comunidade, estado ou país, mas o insulto, o desrespeito, a violência moral do pior nível. Aliás, nesses casos o nível não importa, o que importa é destruir.

Eis o paraíso dos transgressores: a lei é a da selva, a honradez foi para o brejo, a decência tem de ser procurada como fez há séculos um filósofo grego: ao lhe indagarem por que andava pela cidade com uma lanterna acesa em dia claro, declarou: "Procuro um homem honesto". O que devemos dizer nós? Temos pouca liderança positiva, raríssimo abrigo e norte, referências pífias, pobre conforto e estímulo zero, quase nenhuma orientação. A juventude é quem mais sofre, pois não sabe em que direção olhar, em que empreitadas empregar sua força e sua esperança, em quem acreditar nesse tumulto de ideias desencontradas.
 
Vivemos feito bandos de ratos aflitos, recorrendo à droga, à bebida, ao delírio, à alienação e à indiferença, para aguentar uma realidade cada dia mais confusa: de um lado, os sensatos recomendando prudência e cautela; de outro, os irresponsáveis garantindo que não há nada de mais com a gigantesca crise atual, que não tem raízes financeiras, mas morais: a ganância, a mentira, a roubalheira, a omissão e a falta de vergonha. E a tudo isso, abafando nossa indignação, prestamos a homenagem do nosso desinteresse e fazemos a continência da nossa resignação. Meus pêsames, senhores. Espero que na hora de fechar a porta haja um homem honrado, para que se apague a luz de verdade, não com grandes palavras e reles mentiras.
 

A educação brasileira encontra-se num nível muito baixo se comparada com os países desenvolvidos. O funcionamento do sistema educacional caminha sobre um abismo entre a formação de seres pensantes e “máquinas humanas”. Logo, nota-se que a profissão de professor carrega o peso de uma sociedade desajustada, onde a educação tem papel secundário no plano político nacional.
As lacunas no processo educativo são inúmeras, desde a estrutura precária de algumas escolas, até o desinteresse dos alunos por falta de estímulos que desperte a curiosidade nos estudos. No cenário tão conturbado do mundo escolar, lecionar se torna uma missão para aqueles que muitas vezes têm que cumprir o papel que as demais instituições sociais, como a família, não cumprem.
Analisando o espaço brasileiro de maneira crítica, percebe-se que educar é remediar a doença enraizada no meio social: o descaso com a educação. Todavia, os médicos da educação, os professores, ensinam para sobreviver ao mesmo tempo em que alimentam os sonhos daqueles que buscam nos estudos uma maneira de melhorarem sua realidade desfavorável.
As limitações são diversas ao ensinar. Com tantos empecilhos, transmitir o conhecimento se transforma numa tarefa árdua para o educador. Assim, a criação de escolas técnicas foi a solução mais viável, já que os alunos se tornam as peças das engrenagens do sistema econômico, acelerando o crescimento do país. Contudo a cultura do imediato não resolve o problema brasileiro que está ligado as diferenças sociais e a falta de conhecimento da maioria da população. Desse modo fica nítido que a educação perde ainda para o imediatismo e o Brasil continua a ser do carnaval e do futebol.
Portanto, é necessário a valorização dos educadores sendo possível a evolução do quadro social, de maneira consciente e educada. É crucial fazer um plano no campo educativo a longo prazo, sem pressa na obtenção de resultados, dando as ferramentas fundamentais aos professores para que possam exercer sua função com dignidade. Porque ensinar e concretizar teorias é curar a doença da desigualdade.
Aluna: Ana Beatriz
Professor: Diogo Didier

Caros Rachel Sheherazade e equipe do SBT,

Eu sou Mariana Gomes, mestranda em Cultura e Territorialidades e responsável pelo projeto My pussy é o poder. Gostaria de agradecer à visibilidade que estão dando ao projeto sobre funk e feminismo. Quero agradecer também por serem claros ao exibirem todo o conservadorismo de Rachel e o oportunismo de vocês. Digo isso porque pretendo pontuar algumas questões nesta carta-resposta, e elas, com certeza, não contemplarão a visão de mundo tão pequena apresentada tanto na reportagem quanto nos comentários da jornalista.
 
rachel sheherazade valesca popuzada
Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT (Foto: Reprodução)
 
Em primeiro lugar, Rachel, logo na apresentação da matéria, um pequeno erro demonstra seu “vasto” conhecimento sobre a área acadêmica: no mestrado não se faz tese, e sim, dissertação. A tese só chega com o doutorado. Mas tudo bem, este é um erro bastante comum para quem está afastado do ambiente acadêmico e, mesmo assim, pretende julgá-lo ferozmente. Outra questão importante é: frisei em diversos momentos que o projeto não se refere apenas à Valesca, ainda assim preferiram insistir no caso. Perdoados, Valesca é diva, merece destaque mesmo.
 
Em segundo, mas não menos importante, gostaria de pontuar algo que pra mim é muito caro. Não existe dualidade entre usar o cérebro e outras partes do corpo para produzir qualquer coisa na vida. O repórter disse que eu usei o cérebro para fazer o projeto e que, Valesca, usa ~outras partes do corpo~. Ora, queridos, eu usei muito esse popozão aqui para fazer minhas pesquisas. Dancei muito até o chão, fiz muito treinamento do bumbum e continuo fazendo muito quadradinho de quatro (o de oito não consigo AINDA)! Valesca usa o cérebro tanto quanto eu, você – e mais que Rachel – para continuar seu trabalho. Não julguemos a inteligência de uma mulher de acordo com os padrões estabelecidos. Isso é machismo.
 
O repórter me perguntou por mais de uma vez se eu tive medo de não ser aceita na academia com meu trabalho. E todas as vezes eu respondi que NÃO TIVE MEDO. Confio no meu potencial, na relevância do tema e, principalmente, na capacidade de renovação e transformação da academia. Quando se trata da UFF, mais ainda, porque conheço o corpo docente e sei a visão de mundo dos professores – nada conservadora, muito mais avançada do que muitos que se dizem avançados.
 
Não vou comentar sobre o fato de terem entrevistado apenas uma pessoa na rua – e que disse que eu merecia nota zero – porque competência é critério básico para o jornalismo
 
Sobre a minha fala: colocaram o que eu disse em um contexto equivocado. Eu não tenho essa visão utilitarista da cultura. Não acho que para acabar com o preconceito precisamos “ver o que eles tem a oferecer”. O que eu estava dizendo ali é que, durante a pesquisa, é preciso abrir a mente e ver o que vamos conseguir extrair da observação participante e o que vamos aprender com o movimento. Afinal de contas, quem tem que oferecer algo sou eu: um bom projeto, que sirva para transformar – ao menos parte – (d)o mundo!
 
“O papel do funk na cultura, só o tempo dirá”, diz o repórter. ISSO NÃO É VERDADE. O papel do funk na cultura está comprovado. E não por mim, pelo meu projeto, por projetos anteriores, mas pelas práticas cotidianas, pelo seu papel em diversas áreas de conhecimento, em diversos setores da sociedade, pela referência que se tornou para boa parte da juventude brasileira. A reportagem é rasa e não tem qualquer compromisso com a realidade concreta, que já provou há muito tempo o que o funk representa.
 
Agora vamos ao chorume destilado por você, Rachel Sheherazade: insinuar que a popularização da universidade é ruim fica muito, muito feio pra você. Desculpe-se, por favor. E se o funk fere seus ouvidos de morte, acho uma pena, porque EU ADORO, EU ME AMARRO. E meu recado pra você é: é som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado.
 
Dizer que produção de cultura vai do luxo ao lixo é de uma desonestidade intelectual sem tamanho. Como eu disse ao G1 e digo diariamente, hierarquizar a cultura só prejudica. Essa hierarquia construída ao longo de séculos e baseada em um gosto de classe muito bem definido, no qual apenas o que elites definem o que é cultura e o que não é – ou, nas suas palavras, o que é ‘luxo’ e o que é ‘lixo’ – precisa ser COMBATIDA. Creio que a academia é SIM uma das trincheiras na luta pela desconstrução desse pensamento elitista, preconceituoso e, para não ser maldosa, desonesto.
 
Você, Rachel, diz que as funkeiras estão aquém do feminismo. Mas e você? O que sabe sobre o tema? Tendo a acreditar que Valesca sabe muito mais sobre isso do que você, mas estou disposta a ouvir seus argumentos sobre o assunto. Feminismo, assim como o meu projeto, não é piada, é coisa séria, muito séria.
 
Para concluir, gostaria de te perguntar quais critérios te levaram a questionar a profundidade do meu projeto. Não gostaria de personalizar o problema, mas nesse caso, não tenho outra alternativa. Você sabia que meu projeto obteve nota 8,5 entre vários projetos avaliados? Pois é. Você leu o meu projeto? Pois é. Você sabia que, para ingressar no mestrado, uma prova é aplicada e, nela, precisamos estudar no mínimo 4 livros? Disponibilizo aqui a bibliografia cobrada para tal prova e aproveito para perguntar – não que isso faça diferença, mas quem começou com argumentos sobre profundidade foi você – quais deles você já leu ao longo da vida. No meu projeto também consta parte da bibliografia utilizada por mim. Também questiono: dali, quais livros você já leu, conhece ou ouviu falar?
 
Peço perdão pelo argumento de autoridade em dizer que é preciso ler para saber das coisas mas, nesse caso, se você me cobra profundidade, eu te cobro conhecimento.
 
Abra a mente, Rachel! Vem aprender a fazer o quadradinho.
 
Cordial – mas não passiva – mente,
 
Mariana (popozuda) Gomes
 

24 abril 2013



Qual travesti você é??

A travesti de ARIES é agressiva, briga por postes, enfrenta a polícia, dá na cara do delegado e põe ordem na avenida. E nunca tem cafetão!

A travesti de TOURO é muito feminina, só toma hormônio, tem voz delicada e gostam de trabalhar com agenciadores, pois tem medo de avenidas.

A trava de GÉMEOS adora fazer inferno com as novatas, conta tudo que faz com os clientes e entrega para polícia as travas que roubam.

A travesti de CANCER é tonta. Ajuda a família com todo o dinheiro que ganhou na Itália, sustenta cafetão e se apaixona por clientes.

A trava de LEÃO, logo vira cafetina. Poderosa, compra carros importados, namora go go boys e sempre é...ATIVA!!! Geralmente é loira.

A travesti de VIRGEM, fica pouco na avenida. Geralmente vira enfermeira, casa-se com um bofe de bairro trabalhador e se sente "de família".

A trava de LIBRA geralmente é maquiadora ou peruqueira, tem corpo magro (imita modelos) e só sai com boys BELÍSSIMOS... Se fatura, escolhe!

A trava de ESCORPIÃO, faz a linha Tieta: É Expulsa de casa, vai para a Europa, fica muito rica e fina e depois... Humilha toda a família!

A trava de SAGITÁRIO, fatura ás vezes, mas gosta mais de fazer shows de caricata em boates... alegre e doida, conhece todas e ferve muito.

A trava de CAPRICÓRNIO... são bipolares... faturam, vão para Itália e depois viram evangélicas...e depois...faturam de novo! Moralistas!

A travesti de AQUÁRIO é sindicalista. Briga pelos direitos das monas, batalha por um silicone melhor e exige respeito nas avenidas.

A travesti de PEIXES, apesar de feminina e ganhar bem, apanha de outras travestis, apanha dos bofes, apanha do delegado... sofredora... mas da ainda e muito!

Visto no: BABADO ON LINE
 
Escravizar o outro, utilizando-o como mão de obra barata e forçada, é uma prática muito antiga e comprovada ao longo da história. Desde a construção das imponentes pirâmides do Egito, passando por outros impérios, como Grécia e Roma, o ser humano sempre escravizou o outro em benefício próprio. No Brasil a história não poderia ser diferente. Marcado pela escravização negreira, a herança dos tombadilhos ainda açoita nossa realidade com chibatadas tão fortes quanto aquelas sofridas pelos negros nas grandes senzalas espalhadas pelo país. A diferença é que hoje a escravidão é velada, aplicada de forma eufêmica, similar apenas nos maus tratos e na ausência de direitos, como se a Lei Áurea tivesse ficado apenas no papel. Soberana a todas estas, a escravidão econômica é a principal razão de os seres humanos ainda serem subordinados animalesticamente pelo outrem, sobretudo numa nação que marginaliza os mais pobres como a nossa.
 
No mesmo foco, falar em escravidão e não se lembrar dos negros é o mesmo que fingir que a discriminação contra eles foi uma lenda no país. Infelizmente, o sofrimento deles não foi suficiente para apagar as marcas discriminatórias deixadas por uma cultura escravocrata. Hoje os negros ainda amargam o dissabor dos tempos nefastos da escravidão e têm que lutar triplicadamente para se firmarem no mercado. Eles ocupam cargos inferiorizados, são marginalizados pela cor, modo de se vestir e até pela textura e corte de cabelo. Também não são bem vistos quando o assunto é inclusão, principalmente nas cotas, visto que nessa ocasião o discurso de que “todos somos iguais” ressurge para minorar a entrada desse grupo nas academias do país. Felizmente, casos como o do ministro do Superior Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, atual presidente, mostra que uma pequena mudança tem acontecido a favor dessa classe historicamente penalizada por um povo acostumado a segregar o “diferente”.
 
Recentemente também a mídia noticiou algo que comprova práticas escravistas em pleno século XXI. Bolivianos eram obrigados a trabalhar em fábricas de costura e não recebiam dignamente pelos seus serviços. Esse fato, que ocorreu no estado de São Paulo, desmascarou um esquema nacional de trabalhos forçados que não se limita apenas a região sudeste. No norte do país infelizmente os imigrantes que adentram em terras nacionais são contratados por fazendeiros que se aproveitam da ilegalidade dessas pessoas para obrigá-las a cumprir exaustivas horas de serviço, muitas vezes com pouca ou nenhuma remuneração. Exemplos desse porte assustam, pois não aconteceram no século XVII, mas continuam a atormentar as pessoas mais fragilizadas sócio e economicamente na modernidade. Condenados a pobreza, a esses indivíduos não resta outra opção se não se submeterem aos métodos escravistas dos grandes latifúndios nacionais.
 
Parece que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa não chegaram ainda por aqui, a ponto de garantir a dignidade de nativos e estrangeiros. Nesse sentido, não é só os imigrantes que sofrem a duras penas com a escravidão moderna. Por aqui, em muitas áreas os trabalhadores exercem suas funções com as semelhantes barreiras vividas em 1888. O PEC das empregadas domésticas reacende tal discussão em torno dos direitos trabalhistas, principalmente das mulheres, bem como a escravidão vivida por muitas delas. De gata borralheira à princesa, as antigas serviçais podem contar com a carteira assinada e todas as garantias legais que isso pode proporcionar. Entretanto, ofertar regalias as empregadas não tem sido bem visto pela sociedade dominante. Esta postura de patrões e patroas denota que a nossa sociedade, acostumada a subalternizar o ser, não foi educada a alforriar seus “empregados”. Pelo contrário, em algumas casas, as domésticas serviam de forma análoga às crioulas do período escravocrata brasileiro, sem direito a nada, a não ser o de ficar caladas e de trabalhar, trabalhar, trabalhar... 
 
Nesse sentido, a histórica escravidão dos mais carentes formulou vários dizeres entre a população. O dito popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo” ganhou imensa motricidade na cultura nacional, subalternizando todos aqueles que se equiparavam aos negros. Desse perfil homens, mulheres, crianças e adolescentes, geralmente pobres e boa parte sem instrução, traçaram o estereótipo braçal daqueles que deveriam apenas servir. Por ter herdado muita coisa dessa época, o Brasil maquiniza o trabalho daqueles que vivem à margem da sociedade. Numa nação abismaticamente desigual, onde a discrepância entre os mais ricos e os miseráveis ganha distancias continentais, é de se esperar que a esses últimos reste se sujeitar ao menosprezo dos serviços mais desumanos possíveis. Sabendo dessa necessidade, muitos empregadores endinheirados exploram desonestamente essas pessoas, pois contam com a ignorância delas e com a ineficiência pública, a qual deveria proteger tais cidadãos.
 
Sem o respaldo legal, muitos acabam servindo de marionetes nas mãos de grandes empresários. E isso na esfera “legal” da coisa. Imagine então quando a escravidão passa a ser plenamente ilegal. Nesse caso vale pontuar a exploração de mulheres para a rede mundial de prostituição, um dos mercados mais rentáveis do mundo. Carentes de uma vida melhor, muitas delas se iludem com as falsas promessas de aliciadores e acabam sendo vendidas para o mercado do sexo. Lá são abusadas, usadas e muitas vezes exterminadas. Isso acontece, sobretudo com as jovens que vivem nas regiões mais pobres do país, já que a condição de vida dessas garotas serve de instrumento nas mãos de cafetões para seduzi-las a seguir suas perigosas orientações de fama e sucesso. A mídia novelesca tem trazido à tona essa discussão, para que a sociedade fique alerta e não deixe que outras vítimas sejam angariadas por esse mercado desumano e que cresce em silêncio por todo o país. Mesmo assim, ela sozinha não é suficiente para conter os desejos de mudança de vida dessas jovens que encontram nas ofertas de trabalho no exterior a chance de transformar a própria realidade e a dos famigerados familiares.
 
Além dessa escravização mercantilística do corpo, ressalta-se também aquela que acontece dentro das nossas fronteiras. Crianças e adolescentes são constantemente prostituídas em casas do gênero, nas ruas por familiares e até mesmo na internet, local onde a sexualidade tem sido cada vez mais negociada por valores altíssimos. Nessa atmosfera, a escravidão tem acontecido em forma de bullying, o qual tem silenciado os aliciadores e sentenciado os aliciados, muitos até a morte. Na realidade, vários capatazes são os responsáveis por escravizar os jovens nos ambientes virtuais: os pais por omissão ou descuido; o governo por falta de uma política que apreenda e condene os reais algozes que vitimam a juventude pela internet e, deste último, a falta de uma educação que esclareça os perigos das amarras desse ambiente cibernético tão dicotômico que é a internet.
 
Todas essas práticas escravistas não se encerram por aqui. Sabemos que muitas outras são sorrateiramente realizadas, desde os longínquos terrenos e fazendas até os arranha céus das grandes metrópoles brasileiras. Ou seja, de peões a empregadas domésticas, e outros que não foram destacados aqui, o escravismos se faz presente, pois fomos educados a maquinizar o outro que geralmente é carente de inúmeros recursos para sobreviver. Tudo isso mais uma vez poderia ser atenuado se o debate clichê e enfadonho sobre a educação ganhasse vez e voz na sociedade. É ela que irá desconstruir mais essa barreira histórica da ignorância de um povo que continua segregando veladamente seu semelhante. Enquanto não houver uma consciência educacional, nesse âmbito, continuaremos a adestrar seres humanos como verdadeiras forças animais irracionais. O Brasil não pode apagar da sua história o período negro da escravidão, mas pode no mínimo deixá-lo no papel, evitando resgatar a opressão vivida em tal época. Só assim as analogias serão desfeitas e a sociedade criará uma relação harmônica entre patrões e funcionários, deixando a palavra empregado fincada eternamente no passado.
 
Mais um assassino covarde tira proveito da lei paternalista no Brasil, que considera os menores de 18 anos incapazes de responder criminalmente por seus atos. Como não sentir vergonha diante dos pais do universitário Victor Hugo Deppman, assaltado e morto na calçada de casa em São Paulo? Como convencê-los a se conformar com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que protege o homicida de 17 anos que deu um tiro na cabeça de seu filho após roubar seu celular? Como conviver com a perda brutal de um filho e saber que seu algoz será internado por no máximo três anos porque “não sabia o que estava fazendo”?

Não consigo enxergar jovens de 16 anos como “adolescentes” ou “menores”. Eles votam, fazem sexo, chegam em casa de madrugada ou de manhã. Por que considerá-los incapazes de discernir o certo do errado? Ao tornar jovens de 16 anos responsáveis por seus atos diante da Justiça, o objetivo não é encarcerar todos os delinquentes dessa idade, mas, quem sabe, reduzir os crimes hediondos juvenis. A mudança na lei reforçaria o status que eles próprios já reivindicam em casa diante dos pais: “Eu não sou mais criança”. E não é mesmo.

Para quem argumenta que de nada adiantará reduzir a maioridade penal para 16 anos, respondo com uma pergunta: longas penas para assassinos adultos acabam com o crime bárbaro? Não, claro. Então, vamos acabar com as cadeias porque elas são custosas e inócuas? Não, claro. Longas penas servem para reduzir a impunidade e dar às famílias de vítimas a sensação de que foi feita justiça. Não se trata de “vingança”. É um ritual civilizatório. Matou? E ainda por cima por motivo torpe? Tem de pagar.

Um argumento popular contra a redução da maioridade penal para 16 anos é: e se um adolescente de 14 ou 15 anos matar alguém, mudaremos de novo a legislação? Sempre que escuto isso, lembro um caso na Inglaterra, em 1993. Dois garotos ingleses de 10 anos foram condenados à prisão perpétua por ter mutilado e matado um menino de 2 anos. A repercussão foi tremenda. Os assassinos foram soltos após oito anos de prisão. Mas não foram tratados com benevolência no julgamento. O recado para a sociedade era claro: não se passa a mão na cabeça de quem comete um crime monstruoso. Mesmo aos 10 anos de idade.
 
Outro argumento comum no Brasil contra a redução da maioridade penal afirma que só com boa educação e menos desigualdade social poderemos reduzir a criminalidade juvenil. Essa é uma verdade parcial. Há muitos países pobres em que jovens assaltam, mas não matam por um celular ou uma bicicleta. Eles têm medo da punição, medo da Justiça. Também acho injusto atribuir aos pobres uma maior tendência ao crime bárbaro. Tantos ricos são bandidos de primeira grandeza... Melhorar a educação e reduzir a pobreza são obrigações. Isso não exclui outra obrigação nossa: uma sociedade que valoriza a vida e a honestidade precisa acabar com a sensação de que o crime compensa. Para menores e maiores de 18 anos.
 
>> Para sociólogo, só educação mudará cultura da violência

Os filósofos de plantão que nunca perderam o filho num assalto apelam à razão. Dizem que não se pode legislar sob impacto emocional. Ah, sim. Quero ver falar isso diante de Marisa e José Valdir Deppman, pais enlutados de Victor Hugo, que ouviram o tiro de seu apartamento, no 9o andar. Uma família de classe média que livrou o filho da asma com plano de saúde privado e investiu com esforço em seus estudos. A mãe falava com Victor Hugo todos os dias pelo celular. “Eu sempre falava para ele não reagir, porque a vida não vale um celular ou um carro. Ele não reagiu, mas foi morto. Estou estraçalhada por dentro.”
 
>> Arquivo ÉPOCA: Devemos julgá-los como adultos? (07/05/2007)

Victor Hugo, o Vitão, era santista fanático, um dos artilheiros do “Inferno vermelho”, apelido do time da Faculdade Cásper Líbero, onde estudava rádio e TV. Sonhava em virar locutor esportivo e estava apaixonado. A câmera do prédio mostra o momento em que sua vida acabou. Mostra a covardia do rapaz, cujo nome nem pôde ser divulgado por ser “inimputável”. Na sexta-feira passada, o assassino de Vitão, infrator conhecido na Febem, completou 18 anos.

Seu futuro pode ser o mesmo do menor E., que, aos 16 anos, ajudou a matar no Rio de Janeiro, em 2007, o menino João Hélio. Ele pertencia ao bando que arrastou João Hélio pelas ruas, pendurado na porta de um carro que havia sido roubado de sua mãe. Após três anos numa instituição para jovens infratores, foi libertado. A Justiça o incluiu temporariamente num programa de proteção a adolescentes ameaçados de morte, o PPCAAM. Ridículo. Ezequiel Toledo de Lima foi preso em março de 2012, aos 21 anos, por posse ilegal de arma, tráfico e corrupção ativa. Ezequiel não tinha antecedentes criminais como adulto – apesar de ter matado com requintes de crueldade um menino de 6 anos. É ou não é uma inversão total de valores?
 
Visto na: Época 
 
Tenho visto ultimamente inúmeros adolescentes gritarem em alto e bom som a expressão acima, exaltando crime, desrespeito e rebeldia como troféus dos quais alguém pode se orgulhar. A respeito disso, gostaria de fazer algumas observações: Vida louca, meu irmão, é o cara acordar às 6 da manhã, tomar um café sem pão (o único que resta será dividido entre os irmãos menores), ir pra escola a pé (porque o dinheiro da passagem é usado pra comprar a pouca comida que tem em casa), quase não assistir televisão, pois na casa só tem uma, na sala, que sempre é dominada pela vontade da maioria, não ter internet, nem roupa de marca e, ainda assim, ser o melhor aluno da turma e o melhor amigo que alguém pode ter.
Vida louca, "brother", é ter todo luxo, conforto e apoio da família e aproveitar cada oportunidade que o dinheiro proporciona de viver bem, de amadurecer e se desenvolver intelectualmente, mais do que uma grande maioria nesse país. Vida louca, meu amigo, é ter que parar de estudar aos 15 e começar a trabalhar aos 16 e, ainda assim, retornar aos estudos à noite, porque tem garra e gana de buscar um futuro melhor. Vida louca é não ter pai, não ter mãe, não ter afeto nem referências e, ainda assim, acreditar que a vida pode ser diferente quando se quer.
Vida louca é o oposto de usar droga por modismo, desrespeitar as pessoas por falta de caráter e ser rebelde, sem nem saber o que significa rebeldia. Vida louca, pra mim, é o cara que aproveita as oportunidades de ser melhor a cada dia, vivendo suas histórias, sendo livre (não confundido liberdade com libertinagem), independente da classe social. Aquele que aprendeu que a melhor rebeldia que se pode ter é ser exatamente o contrário daquilo que o sistema espera de você (comodismo, apatia e conformismo). Correr atrás dos objetivos, batalhar pela realidade, isso pra mim é Vida louca. O resto, no meu humilde ponto de vista, tem um outro nome: Vida Burra!
*Professora

Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral.
 
Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.
 
Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação?
 
Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental.
 
Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência?
 
É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?
 
Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno. Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o país se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna?
 
Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve?
 
É uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a responsabilização, sim. Inclusive com privação de liberdade, algo tremendo nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei.
 
Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento.
Alguém pensa em se indignar contra isso?
 
Se você se alinha àqueles que querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela significativa das instituições que deveriam dar exemplo de cumprimento da lei e oferecer as condições para que esses adolescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, em 19 há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as instituições operam acima da sua capacidade.
 
Será que a perpetuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei ou do fato de que parte das instituições de adolescentes funciona na prática como um campo de concentração? Antes de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la?
 
É o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que, num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafolha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o período máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enérgica e rápida, num momento em que o Estado de São Paulo sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação que não tem colaborado para aumentar a popularidade do atual governo.
 
Vale a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crimes contra o patrimônio.
 
É claro que, se alguém acredita que os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma relação com as condições concretas em que vivem esses adolescentes, assim como nenhuma relação com as condições concretas em que cumprem as medidas socioeducativas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que parece afetar o senso comum está o fato de que a maioria dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e pobres. (São também os que mais morrem e sofrem todo o tipo de violência no Brasil.) Essa espécie de “marca da maldade” teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de melhorar a educação e as condições concretas de vida, a única medida preventiva possível para quem defende tal crença seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento histórico? Percebe para onde isso leva?
 
Há que ter muito cuidado com o que se deseja – e com o que se defende. Assim como muito cuidado em não permitir que manipulem nossa indignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa viver sem matar ou morrer.
 
Se eu estivesse no lugar dos pais de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor impossível, eu defendesse o aumento do número de anos de internação, assim como a redução da maioridade penal. Não há como alcançar a dor de perder um filho – e de perdê-lo com tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os parentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerrogativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.
 
O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como sociedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que damos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas melhores aspirações.

De minha parte, sempre me surpreendi não com a violência cometida por adolescentes – mas que não seja maior do que é, dado o nível de violência em que vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que morre bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade brasileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – uma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do domingo, ao documentário Falcão - Meninos do tráfico. É um bom momento para revê-lo.
Sabe por que a violência praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria delas trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem amparo e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor impossível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar um filho.

Em 2006, espantada com uma geração de brasileiros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era 20 anos, andei pelo país atrás dessas mulheres. Elas respiravam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro filho foi assassinado pela polícia, ela estava com as prestações do caixão atrasada. O pai do menino tinha ganhado um dinheiro fazendo pão e, em meio à enormidade da sua dor, eles correram para regularizar o pagamento. Quando conversei com ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, essa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Diante da minha perplexidade, Enilda me explicou que se precavia porque testemunhava muitas mães nas redondezas pedindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa humilhação. Enilda dizia: “Meu filho vai morrer honestamente”.

Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enilda vivia numa situação de precariedade quase absoluta, tentando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que restavam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas batalhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade possível. (leia aqui).
O que podemos dizer a mulheres como Enilda? Que agora podem ficar tranquilas porque o país voltou a discutir a redução da maioridade penal e o aumento do período de internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus filhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram assassinados? Que, ao saber que podem ir presos aos 16 em vez dos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as péssimas condições de vida e levarão uma existência em que não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para adolescentes e pela prisão.

Antes de tornar-se algoz, a maioria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi vítima. E ninguém responde por isso.

Não há educação sem responsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresentada é aumentar o rigor da lei – e/ou reduzir a maioridade penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade que os adolescentes não são responsabilizados ao cometer um crime. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Estado, nem a sociedade, se responsabilizam o suficiente pela nova geração de brasileiros.

Educa-se também pelo exemplo. Neste caso, governantes e parlamentares poderiam demonstrar que têm maioridade moral cumprindo e fazendo cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar.
 
Visto na: Época
 
        Honestamente, não sei o que tem se passado com as pessoas ultimamente. Não se olha mais para os dois lados da rua antes de atravessar, simplesmente se cruza a rodovia da opinião dos terceiros, crendo megalomaniacamente que não será atingido por um caminhão de críticas. As pessoas estão livres demais, soltando bombas e abandonando a área explodida logo em seguida, sem encarar as consequências dos seus dizeres. Não, ninguém deve ser censurado por ninguém, mas bom-senso e autocensura andam juntas e mandam lembranças.
       Aí a gente, entre frases de amor-não-correspondido e convite de jogos, se depara com um amigo-amigão postando um estupidez que realmente fere seus princípios. O que fazer? Escrever um loooooongo parágrafo recheado de argumentos que eu estou cansado de usar e os outros cansados de ouvir (e refutar) ou simplesmente virar pro lado e lidar com a decepção de que aquele camarada e na verdade um babaca premiado e condecorado?

      O debate morreu. As pessoas não sabem mais discutir sem ofender ou sem aceitar os fatos. Por mais plausíveis que as provas sejam, todo mundo anda meio cego, ignorando o que está a um palmo a frente do próprio nariz. Hoje todo mundo tá meio agarrado numa crença (que não precisa ser religiosa) e teme a destruição do mundo que essa idealizou sem se dar conta de que esse mundo é cheio de outras e outras opiniões. E quem está certo? E qual a verdade?

     Dane-se a verdade. O maior de todos os crimes é a imposição. Na real, o grande e derradeiro argumento seria "Vamos viver nossas próprias vidas." Eu sou a favor do debate, mas não das bravatas, gritarias e imposições de verdades. Sou a favor do debate tipo "viu que eu tenho minhas razões, agora posso ir embora e viver minha vida?". E se a opinião de alguém me incomoda, simples e limpo, eu a deixo ir, pois o que não está no meu convívio não há de me ferir. Por isso é preciso aprender que opinião, todo mundo tem e pode dar, mas na hora certa e no momento propício, de forma inteligente e respeitosa.

      Eu não sou todo virtude: até gostaria de que ao deletar pessoas do Facebook, sua respectiva existência também fosse obliterada. Mas não, esse não é um mundo perfeito. Ao invés disso sou surpreendido vez ou outra com a opinião tosca e ignorante dos que eu já julguei dignos. E como eu sou contra toda forma de debate que não seja a cara-a-cara, melhor fingir que o mundo real é tão bom e prático quanto o virtual: amigo deletado, problema resolvido.
 

 
      O educador no contexto atual do Brasil enfrenta alguns problemas estruturais e humanos. A má remuneração, o baixo investimento no professor e na estrutura escolar são exemplos de limitações enfrentadas por estes que desempenham um dos principais papéis na construção da sociedade. A cobrança por melhores resultados mesmo com o quadro acima está entre as principais causas da falta de profissionais na área da educação.
     Avanços na educação e na qualificação do professor vêm sendo impulsionados desde 1996, quando foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Nesse período, os investimentos feitos nas escolas e em profissionais cresceram consideravelmente em municípios e no país. Mesmo assim, a educação e o educador não têm ganhado da sociedade o respeito e o espaço que necessitam para formar o cidadão que vai se tornar parte colaboradora dela e do estado.
    A defasada figura do professor no meio social dificulta a renovação da geração destes profissionais. Dados da Fundação Carlos Chagas (FCC), mostram que apenas 2% dos alunos do Ensino Médio desejam cursar alguma Licenciatura, sendo sua maioria de escolas públicas e mulheres. E quando perguntados da motivação da não escolha, afirmaram que a profissão é desvalorizada socialmente, mal remunerada, com rotina desgastante e o desinteresse e desrespeito dos alunos podem colocar em risco a vida do professor.
      O investimento no profissional que tem seu principal papel baseado na excitação de outros para a busca de conhecimentos é essencial para a construção de seres transformadores do seu meio. A sociedade brasileira precisa despertar para a importância do professor na sua construção. Segundo Abdeljalil Akarri, consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a melhoria na condição social e trabalhista do professor é base para a uma educação e, consequentemente, uma sociedade melhor.
Aluno: Vitor Florencio de Santana
Professor: Diogo Didier
 

 
 
 
"Mataram meu filho em 11 de dezembro de 2005. Ele tinha 20 anos. Ao meio-dia, ele tinha feito um assalto para comprar droga. O tiro pegou na camisa dele, deixou um buraco. À noite, saiu para cheirar loló no trilho do trem. A polícia viu meu filho e atirou. Uma das balas pegou no pescoço. Eu estava em casa, senti na hora. Disse para o meu outro filho: 'Ele morreu'. Senti uma coisa da cabeça aos pés. Uma dor tão grande que não sei explicar. Uma dor de doer. É uma dor no peito que vai fechando. A gente quer falar e não fala mais. Desmaiei na calçada e não vi mais nada.
 
Quando esse menino chegou, um dia, com um tiro no peito, sangrando em cima da bicicleta, comecei a pagar o caixão dele. Vejo muita mãe aqui onde moro tendo de pedir esmola pra comprar o caixão. Eu não queria isso pro meu menino. Quando ele foi assassinado, fazia quase cinco anos que eu pagava. Mas estava com duas prestações atrasadas. O pai dele tinha ganhado o décimo-terceiro na padaria, porque era perto do Natal. A gente estava guardando para aumentar a casa, que não cabe todo mundo na hora de dormir. Mas quando meu filho foi morto, peguei esse dinheirinho e mandei pagar o carnê atrasado logo cedo.
 
Agora, estou pagando o caixão do meu outro filho, de 19 anos. Ele está no tráfico. Ele diz: 'Mãe, eu não vou ser que nem o meu irmão, que morreu de graça'. Mas sei que ele vai morrer. A pedra [crack] está matando os meninos novos tudinho. É terrível comprar caixão para filho vivo, mas meus meninos vão morrer honestamente.

Tive sete filhos, agora só tem quatro vivos. Crio também uma menina que botaram na minha porta com sete dias de vida. Dois morreram de doença quando eram pequenos e esse morreu de morte matada. Desses que morreram de doença, eu não sinto falta. Acho que porque eram pequenos. O que morreu de morte matada dói o dia todo.

Esse meu menino que morreu foi bom até os 12 anos. Ele era vendedor de coco. Era pequeno e tinha mão com calo de tanto trabalhar. Vendia coco numa carrocinha que o pai deu pra ele. De um dia pro outro, virou a cabeça. Começou a usar toda a droga que há no mundo. A gente segura até os 11, 12 anos. Bota pra dentro de casa no fim da tarde e só abre no dia seguinte. Mas quando crescem, não segura mais. Eles vão pra rua e o que encontram? Não tem nada, lazer, trabalho, coisa nenhuma. Tem o tráfico.
 
Na primeira vez que ele chegou com os olhos apertados, cheirei a boca do meu menino. Senti na hora o bafo da maconha misturado com loló. O pai bateu nele. Na segunda, eu mesma bati. Não adiantou nada. Nem conversa, nem conselho. Ele não ouvia a gente. Então soube que o fim dele era a morte. Nunca aceitei nada dele aqui em casa. Nenhuma arrumação. Aceitava quando era dinheiro suado, que ganhava vendendo coco. Depois, não. Porque se aceitasse, ele ia querer trazer toda vida. Um dia encontrei a droga aqui e dei descarga nela. Sempre abri a porta para a polícia, nunca acobertei. Mas não agüentava mais ver a polícia batendo nele na minha frente, ele ficava com a cara toda arrebentada. Meu filho tinha até hérnia nos testículos de tanto levar chute. Esse menino tinha 20 anos e passou mais tempo preso do que solto.
 
A polícia me trata mal. Diz que sou mãe de vagabundo. Mas eles não sabem como a vida é na verdade. Eu e meu marido somos casados há 28 anos. Ele acorda às 3h da manhã para fazer pão na padaria. Ganha R$ 70, às vezes R$ 80 num mês. Quando meus filhos eram pequenos, eles diziam que queriam ser padeiro como o pai. Mas depois que cresceram, não quiseram mais saber disso, não. Eles riem da profissão de padeiro. Eu lavo duas trouxas de roupa por semana, cada uma com mais de 70 peças. Lavo, engomo, passo. Tudo na mão. Me pagam R$ 25 reais por trouxa. Queria ter mais para lavar, mas ainda não consegui mais freguesas.
 
A gente trabalha pra dar de comer aos nossos filhos, nunca faltou comida a eles. Mas eles querem roupa de marca. Eu tento comprar, uma vez pra cada um. Tem uma mulher que vende aqui na porta e a gente paga por semana. Quando acabo de pagar a roupa de um, começo a pagar a do outro, até chegar no último e começar tudo de novo.

Toda a minha família dorme num quarto só, mesmo o menino que já tem mulher. Somos oito num quarto só, sem janelas. Depois tem mais uma pecinha e a cozinha. Por isso eu queria aumentar a casa. Porque a gente só cabe um por cima do outro. Bota uma rede em cima da outra. E um ventilador, pra agüentar um pouco o calor. Todo ano aqui tem enchente. Alaga tudo, fica a marca da água no meio da parede. Eu pego os meninos e a gente vai dormir lá fora até a água baixar. Botamos um colchão lá onde eu lavo roupa. Quando a água baixa, a gente volta. Ficamos todos doentes, porque fica cheio de ratos. O pouquinho de móveis que a gente tem apodrece.
 
Queria salvar os meus filhos que ainda não morreram, mas não sei como. Digo que o irmão morto é o espelho deles, que nessa vida de tráfico vão morrer de uma hora pra outra. Digo também que quem entrar para o crime eu entrego, porque não protejo sem-vergonhice. Mas eles não escutam. Saem de casa e dizem que voltam quando eu ficar mais calma. Não bebo, não fumo. Meu vício só é novela. Vejo todas. Boto as crianças pra dentro e vejo da primeira à última novela, em todos os canais. Aí durmo. De noite eu acordo. Ouço o meu filho me chamando na porta. 'Mãeeee', ele diz. Eu me levanto, vou até a porta, abro e ele não está lá. Meu marido fica bravo, diz que um dia vão me matar quando eu abrir a porta. Mas ouço meu filho me chamando, e não consigo não abrir. Só que ele nunca está lá. Não tem ninguém lá. Então fico chorando atrás da porta."
 
Visto: marie claire