Muitos irão dizer que não.
A felicidade não tem preço. Muito embora, ela seja constantemente usada como
moeda de troca para aquisição de pseudoalegrias. Isto porque, com a eclosão da
nossa megalomaníaca sociedade de consumo, ser feliz não está mais relacionado a
estado de espírito, ou aquele velho sentimento individual que brotava dos
nossos olhos; nos momentos mais singelos da vida. Ao invés disso, buscamos uma
ostentação descabida, a qual o ter é fundamental para nos sentirmos parte desse
mundo que vem, paulatinamente esquecendo-se da importância do ser.
Casa, carro, roupa de marca, perfume importado, joias, Ipods, Ipads, e mais uma infinidade de outras bugigangas fazem parte do “essencial” para que o indivíduo sinta-se incluído nessa sociedade de consumo. De fato, há uma necessidade de pertencimento, a qual vocifera nos ouvidos que, para fazer parte de determinado grupo, a pessoa deverá possuir bens de consumo específicos, ou melhor, especificados pela hipnose social, esta, regida por segmentos poderosos, os quais guiam a sociedade a consumir de forma desenfreada objetos, muitas vezes supérfluos.
Para desempenhar esse serviço, coube à mídia, sobretudo a televisiva, o papel de disseminar esse novo perfil da sociedade. Assim, ela nos bombardeia com comerciais apelativos que nos incitam a comprar cada vez mais, sem uma real preocupação do que isso poderá ocasionar no futuro. A facilidade com que ela penetra em nossa vida acaba de certa forma ditando gostos, costumes e o que deve ou não ser consumido pela sociedade. E isso acontece de diversas formas, seja nos programas ou novelas que a todo o momento exibem artistas oferecendo algo ao telespectador, seja nos intervalos das programações.
Há quem diga que todos são atingidos direta ou indiretamente pela insaciável fome do consumismo, propagada sem pudor pelos meios midiáticos. No entanto, certos grupos são mais suscetíveis aos ataques, visto que ainda não criaram uma imunidade forte o suficiente para se safarem de tais investidas. Dentre eles, as crianças e os adolescentes são sem dúvidas os mais vulneráveis as armadilhas criadas pelo mundo do consumo. Por estarem numa fase de descobertas e transformações, eles são submersos num mar de novidades, onde obter coisas novas é essencial para se sentirem felizes.
Com esse precoce contato, os jovens crescem sem consciência da importância de uma educação financeira para suas vidas, tornando-se adultos frustrados e, possivelmente endividados. Desse modo, as pessoas são vendidas desde cedo, inconscientemente a um sistema de compra e venda, no qual elas não são os reais consumidores, mas sim produtos manipulados. Este teatro, do qual o povo é a marionete, forma indivíduos que não privilegiam o ser, mas o ter, o possuir e o ostentar. Então, existe felicidade sem dinheiro?
A questão não se limita a equiparar a felicidade ao dinheiro. Todos sabem que para uma vida de qualidade nesse mundo, onde o dinheiro dita suas regras, é preciso ter alguma renda para assegurar certos serviços que, infelizmente o governo não oferece qualitativamente a todos, sobretudo para as camadas menos favorecidas. O problema é quando o dinheiro recebe status de sentimento, sobrepondo-se a felicidade, ou equiparando-se a ela. Nesse contexto, não podemos personificar a felicidade em um carro, uma joia, ou uma roupa de marca, mas sim em atitudes que nos fazem bem e que de alguma forma contribuem para a felicidade alheia.
Na verdade, não podemos desfazer a áurea faceira dos nossos sentimentos, e dar lugar a um espectro monetário do qual a felicidade é comparada aos bens de consumo que as pessoas eventualmente podem ostentar. Tal inversão pode corroborar para a coisificação do sujeito moderno, o qual não se apegaria mais a singularidade da vida, nem a emoções intensas, mas sim a aquisição de objetos, posição social e outras futilidades que dariam “vida” a sua personalidade. Ser feliz não é e nunca será isso, pois a felicidade não se limita a um cifrão, mas a um estado de espírito em conformidade com o corpo, mente e alma.
Buscar um equilíbrio entre o ser e o ter seja talvez um dos maiores desafios do homem moderno. Os obstáculos para isso são inúmeros, uma vez que as amarras criadas pelo capitalismo criaram uma sociedade que vem perdendo o significado do que é ser humano, tornando o homem objeto da própria criação. Antes que essa coisificação seja plenamente concretizada, é preciso entender que nenhum sentimento pode ser personificado em objeto, pois tal prosopopeia resultaria no fenecimento da subjetividade humana, e não há dinheiro no mundo que traga de volta a felicidade perdida.