A hipervalorização de bens ditos “de marca” é uma característica das sociedades contemporâneas. Delas advém a distinção como forma de poder que fascina tanto ricos quanto pobres no cenário da dessubjetivação partilhada por todos, da loja de luxo ao camelódromo das falsificações.
A questão da distinção guarda em seu fundo um aspecto mais tenebroso, concernente ao presente da condição subjetiva da vida dos usuários devorados pelas antipolíticas autodestrutivas do consumismo transformado em regra.
Zerada a intersubjetividade que se definia na interação afetiva e comunicativa entre pessoas, o que resta são as coisas – e as pessoas como coisas – que podem ser compradas. Diga-se de passagem que as pessoas não compram coisas, mas sinais que informam sobre um capital simbólico. Coisificação da consciência é o nome velho para o fenômeno em que a concretude das coisas é substituída pela abstração da insígnia.
A fascinação de tantas pessoas por roupas, carros e até eletrodomésticos ditos “de marca” em nossa época é a declaração auto-exposta da morte do sujeito. Espantalhos de uma ordem que previu o assassinato do desejo, do pensamento e da liberdade – conjunto do que aqui chamamos de subjetividade – são incapazes de compreender seu descarado simulacro.
A morte por assassinato da subjetividade é percebida na redução do indivíduo a uma espécie de morto-vivo em três tempos. 1 – A destituição do direito ao próprio desejo: a publicidade colonizou a capacidade de sentir e projetar a autobiografia de cada um que é apagada na encenação da “vida fashion”. 2 – A desaparição da possibilidade de pensar: a publicidade oferece os jargões e slogans a serem repetidos sob a ilusão de ideias próprias. 3 – O direito à ideia-prática da liberdade é extirpado: resta o simulacro da escolha entre uma marca e outra. A ação torna-se acomodação ao mesmo de sempre.
A escolha entre o nada e a coisa nenhuma é bem disfarçada no poder de ostentar que promete redimir do buraco subjetivo. Não tendo mais o que expressar, alguém simplesmente “ostenta” um relógio caro, um computador moderninho, um carrão oneroso. Ou um piercing, um músculo forte. Tudo e cada coisa é reduzida à marca, emblema do capital e seu poder na era do Espetáculo.
Cultura da falsa expressão
Podemos dizer que a ostentação é a cultura da pseudo-expressão no tempo das marcas. Se o poder de ostentar é proporcional ao esvaziamento da expressão, resta perguntar o que foi feito dessa potência humana? Ora, a expressão é fator subjetivo que se cria em um contexto social e político em que está em jogo a capacidade de “dizer alguma coisa”, de “dizer o que se pensa”, o que se “deseja”.
Só que fomos privados da expressão com a derrocada da formação de sujeitos desejantes, reflexivos e livres. Se as pessoas não dizem o que pensam, é porque a capacidade de pensar e dizer lhes foi extirpada. No lugar, podem travestir-se com a insígnia do poder fundamentalista das marcas da religião capitalista. A cruz para Cristianismo, a Estrela de Davi para o Judaísmo, a Lua Crescente para o Islamismo e uma marca famosa para o servo fiel do capital.
Os jovens são as principais vítimas dessa violência. Que sejam o “público alvo” quer dizer que são a presa fácil para um tiro certeiro. Os rebanhos de zumbis nikezados, abercrombizados, macdonaldizados, são arregimentados no exército de otários das massas manobradas, paramentados para o grande sacrifício sem ritual do capitalismo, em que a subjetividade é diariamente morta a pauladas.
A saída é a arte, a poesia, a negação ativa contra o uso e o consumo de marcas. A prática anti-capitalista é um ateísmo e começa com a recusa aos seus deuses como simples profanação cotidiana.
Colunista Marcia Tiburi fala sobre a morte da expressão em tempos de fascínio religioso pelas grifes*
Visto na: Revista Cult
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