Drauzio
Varella
Sou ateu
e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.
A
humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno
transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de
teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que
parecem extraterrestres.
Dono de
um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala
animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da
morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do
espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a
tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.
Todos os
povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição
de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma
infinidade de deuses e paraísos celestiais.
Jamais
faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos à interferências mágicas em
assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida
eterna não faz sentido. Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita
simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém
a crer leva outro a desacreditar.
Os
religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua
cosmovisão, devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com
crenças alheias.
Que
sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua
de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita
que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e
espíritas esse cristão não seria ateu?
Na
realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e
superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada, quando vê as
velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés
da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta,
ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?
Quantas
tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios
religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam
a vida?
O ateu
desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a
questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez
apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais
às tentações do diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo
constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome d’Ele sejam
cometidas as piores atrocidades.
Os
pastores milagreiros da TV, que tomam dinheiro dos pobres, são tolerados porque
o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta
admiração entre seus pares, porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem
ateus seriam considerados mensageiros de satanás.
Ajudamos
um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes nos quais nunca
voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a
Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do
repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas,
formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.
O fervor religioso
é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo
diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade — quando não semeia o ódio que
leva às perseguições e aos massacres.
Para o
crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais,
materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por
que tantos fingem crer no que julgam absurdo.
Fui
educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim
pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições
existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou
violenta.
Quanto aos religiosos, leitor, não os considero
iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar
os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.
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