O que sobrou da
moça de 19 anos foi arrastado do canavial pela polícia, na tarde de
quarta-feira, depois que o assassino confessou o crime e apontou a área, em
Igarassu, onde deixou o cadáver. Fiquei atônita, vendo o noticiário, a lamentar
tanta coisa: a pouca idade, a ingenuidade, a confiança em uma pessoa tão
próxima – o padrasto – e ainda a estupidez dos comentários nas redes sociais,
que deveriam deixar a culpa na conta de quem de fato é o dono dela, o pedreiro
Gildo da Silva Xavier, 34, que cinicamente, como os trogloditas dos tempos
coloniais, alegou desejo incontrolável pela vítima. Eu queria responder a cada
uma daquelas ofensas pedindo que revissem o alvo da condenação: “A mãe da
menina, não, sejam ao menos razoáveis, por favor”, era o que diria. E me
ocorreu, também, naquele momento, de sugerir à (sempre elogiada) delegada
Gleide Ângelo que mudasse o adjetivo com o qual classificou o agressor – porque
chamando-o de “monstro” ela (sem querer, naturalmente) passava a impressão de
que tais pessoas e o tipo de crime cometido por elas são raros, quando na
verdade estão em todos os lugares e mais perto do que se imagina.
Da perplexidade à
reflexão, passei a pensar na ignorância que paira sobre tragédias de gênero,
como a que desenhou Xavier ao se prevalecer da sua condição de membro da
família para levar a enteada à morte. Foi puro machismo. Aqui, cabe um
desabafo, que para bons entendedores funciona como alerta: parem com isso,
machismo não é algo inerente à biologia do homem, mas ao pensamento – neste
caso, torto e retrógrado –, que remete a um tempo de dominação quando a mulher
tinha “dono” e pertencia ao espólio emocional dele. Sendo assim, só há uma arma
capaz de desconstruí-lo – a educação –, infelizmente uma via para a qual o país
continua se mostrando pouco simpático, talvez porque as transformações
provocadas por ela, apesar de lentas, são definitivas. Sem educação não há
diálogo e o silêncio (que alimenta o preconceito) acaba funcionando como
caminho aberto para os abusos.
É claro que o
machismo também vai querer explicar a morte prematura de Maria Alice Seabra
usando os mesmos artifícios com os quais busca sempre tornar a vítima a
responsável pela própria morte. Não fosse ela crescer tão bonita, usar roupa e
maquiagem sedutoras, nada de ruim teria acontecido, a carne não seria tão fraca
e o homem não se transformaria em puro “instinto”, como se fosse uma fera
primitiva ou o resultado da ação de uma força diabólica. Novamente, o pedido:
parem com isso. Um pouco de educação ajudaria a estabelecer um clima de
respeito a partir da consciência de que a mulher pode fazer as próprias
escolhas e que elas não existem para desafiar o bom senso ou o equilíbrio do
homem.
Maria Alice se
foi, depois de cair na cilada de que historicamente se vale o machismo mais
covarde – aquele praticado por pessoas próximas das vítimas. Xavier ficou, como
símbolo de uma doença perigosa e traiçoeira, que fere, mutila, mata e não dá
sinal de cansaço. Se sofrer condenação, o ajudante de pedreiro poderá pegar até
48 anos de cadeia pelos crimes de sequestro, estupro, ocultação de cadáver,
homicídio por motivo torpe e feminicídio. Mas nada que livre o país de seguir
perguntando: quem o machismo matou hoje?
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