28 junho 2015

QUEM O MACHISMO MATOU HOJE? por Luce Pereira



O que sobrou da moça de 19 anos foi arrastado do canavial pela polícia, na tarde de quarta-feira, depois que o assassino confessou o crime e apontou a área, em Igarassu, onde deixou o cadáver. Fiquei atônita, vendo o noticiário, a lamentar tanta coisa: a pouca idade, a ingenuidade, a confiança em uma pessoa tão próxima – o padrasto – e ainda a estupidez dos comentários nas redes sociais, que deveriam deixar a culpa na conta de quem de fato é o dono dela, o pedreiro Gildo da Silva Xavier, 34, que cinicamente, como os trogloditas dos tempos coloniais, alegou desejo incontrolável pela vítima. Eu queria responder a cada uma daquelas ofensas pedindo que revissem o alvo da condenação: “A mãe da menina, não, sejam ao menos razoáveis, por favor”, era o que diria. E me ocorreu, também, naquele momento, de sugerir à (sempre elogiada) delegada Gleide Ângelo que mudasse o adjetivo com o qual classificou o agressor – porque chamando-o de “monstro” ela (sem querer, naturalmente) passava a impressão de que tais pessoas e o tipo de crime cometido por elas são raros, quando na verdade estão em todos os lugares e mais perto do que se imagina.
Da perplexidade à reflexão, passei a pensar na ignorância que paira sobre tragédias de gênero, como a que desenhou Xavier ao se prevalecer da sua condição de membro da família para levar a enteada à morte. Foi puro machismo. Aqui, cabe um desabafo, que para bons entendedores funciona como alerta: parem com isso, machismo não é algo inerente à biologia do homem, mas ao pensamento – neste caso, torto e retrógrado –, que remete a um tempo de dominação quando a mulher tinha “dono” e pertencia ao espólio emocional dele. Sendo assim, só há uma arma capaz de desconstruí-lo – a educação –, infelizmente uma via para a qual o país continua se mostrando pouco simpático, talvez porque as transformações provocadas por ela, apesar de lentas, são definitivas. Sem educação não há diálogo e o silêncio (que alimenta o preconceito) acaba funcionando como caminho aberto para os abusos.
É claro que o machismo também vai querer explicar a morte prematura de Maria Alice Seabra usando os mesmos artifícios com os quais busca sempre tornar a vítima a responsável pela própria morte. Não fosse ela crescer tão bonita, usar roupa e maquiagem sedutoras, nada de ruim teria acontecido, a carne não seria tão fraca e o homem não se transformaria em puro “instinto”, como se fosse uma fera primitiva ou o resultado da ação de uma força diabólica. Novamente, o pedido: parem com isso. Um pouco de educação ajudaria a estabelecer um clima de respeito a partir da consciência de que a mulher pode fazer as próprias escolhas e que elas não existem para desafiar o bom senso ou o equilíbrio do homem.

Maria Alice se foi, depois de cair na cilada de que historicamente se vale o machismo mais covarde – aquele praticado por pessoas próximas das vítimas. Xavier ficou, como símbolo de uma doença perigosa e traiçoeira, que fere, mutila, mata e não dá sinal de cansaço. Se sofrer condenação, o ajudante de pedreiro poderá pegar até 48 anos de cadeia pelos crimes de sequestro, estupro, ocultação de cadáver, homicídio por motivo torpe e feminicídio. Mas nada que livre o país de seguir perguntando: quem o machismo matou hoje?

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