Ou como comunicar, dialogar e mobilizar a partir dos interesses atuais do público.
A cena é a seguinte. Uma pessoa chega a uma festa, dá uma olhada e se interessa por outra. Interessa-se muito – “Nossa, que pessoa interessante. Eu preciso ficar com ela!”. Esta pessoa então se aproxima daquela que é seu “objeto de desejo” e, sem meias palavras, dispara: “Oi, vamos transar?”.
Certamente a pessoa desejada foge, lhe dá um tapa, a ignora ou chama o segurança. Óbvio, certo? Nem tanto. Muitas vezes, é assim que a comunicação de interesse público, altermundista e popular lida com seus públicos. Temos assuntos, causas e informações tão importantes, esclarecedoras e empoderadoras que nos parece muito simples dispará-las, com pouca ou nenhuma mediação com os hábitos de mídia, ou os conhecimentos, atitudes e práticas do nosso “público-alvo” – sim, é como alvos que ainda os tratamos.
Uma coisa é comunicarmos para militantes e politizados – compartilhar informações, encaminhamentos, ativar engajamento e, sobretudo, manter a galera motivada. Outra coisa é sensibilizar aqueles que estão fora desse circuito, os que não te conhecem ou que discordam das suas ideias – a grande maioria das pessoas, claro. E outra coisa ainda é confundir o segundo público com o primeiro.
A comunicação transformadora e mobilizadora deveria ser, antes de tudo, dialógica, criativa e persistente – mas não ansiosa. Comunicar para os “não-convertidos” (quase todo mundo) é perceber que o juízo de valor que eles dão para sua mensagem é a mesma que dão para a novela ou para o jornal sensacionalista. Sim, o público não está nem aí pra você. Ele sempre fará escolhas baseadas nos valores que constrói durante a vida, ou, no máximo, influenciado por quem ele confia. Se sua mensagem não se enquadra nisso, o público nem saberá que você existe. Simples assim, mas pode ser pior, se sua mensagem não souber travar a guerra de memes que vivemos nas redes sociais. Aí, ele já “conhece” sua mensagem e não quer ouvir falar dela.
Cupidos e fermentos
Existem coisas que o marketing inventou (e são suas ferramentas), e outras que ele descobriu (pertencem a todos, embora por vezes desprezadas por nós e capturadas por eles). Uma dessas descobertas é que a “guerra pelos corações e mentes” se dá na cabeça do público – a tal teoria do posicionamento. Ou seja, não se conquista o público sem conectar-se com seus seus valores, com o que ele acredita que vale a pena (ainda que para transformar essas visões). Não, informação “racional” não costuma convencer as pessoas – a gente não pára de fumar, de dirigir ao telefone e proliferar dengue mesmo sabendo dos perigos dessas práticas, certo?
Dessa forma, nossa comunicação precisa ser CUPIDO e FERMENTO. Cupido, porque cabe ao comunicador (profissional ou não) modelar nosso discurso para os ouvidos de quem queremos tocar. Assim começa a conversa que pode virar namoro. Nossas narrativas precisam ser capazes de fazer pontes entre nossos objetivos e os valores e aspirações das pessoas comuns que queremos engajar. “Ah, mas aí estaremos alternando nossa mensagem, perdendo nossa autenticidade”. Bom se você pensa assim, vai lá e diz pro seu público que você quer transar com ele!
E fermento, porque, por um lado, o capital tem maior capacidade de frequência midiática (grana pra repetir “compre batom” até você comprar). Mas por outro, nossa mensagem é distintiva e transformadora. Assim, temos que nos concentrar na nossa capacidade criativa para, com poucos recursos, criar ações que “megafonizem” nossa mensagem – e aí vale humor, a guerrilha e a tecnologia. Vale emocionar.
Que tal se ao invés do “oi, vamos transar”, a gente não preparasse melhor nossa abordagem? Quem tal entendermos o que nosso público quer? Buscar o que nossa mensagem tem a ver com essas percepções de valores e começarmos apenas puxando o assunto? Às vezes, apenas conseguiremos deixar uma pulga atrás da orelha, enfraquecer a certeza contrária. Deixe ele ir – nada de puxar pelo braço ou pelo cabelo, pra roubar aquele beijo que seu público não quer te dar, ainda.
Superando o ativista romântico e o caridoso
Nosso pecado tem sido usar nossas oportunidades de comunicação com ansiedade, na base do “me deixa falar!”. De quê adianta falar, se você não vai ser ouvido por quem importa? Talvez a gente possa entender isso através das semelhanças entre o ativista romântico e o caridoso. Afinal, quem dá sopa para morador de rua não quer, de fato, resolver o problema do sujeito. Quer resolver seus problemas de consciência, quer dormir tranquilo porque “Deus viu que eu ajudei o próximo”. Da mesma forma, o militante romântico vive no seu mundo ideal e não quer negociar com o mundo real, limitado e sem garantia de vitória. Ele também quer contar pro seu travesseiro tudo que fez pela revolução hoje.
Ambos, conscientes ou não, querem usar o mundo para dele extrair o significado das suas vidas (bacana), e não empenhar sua existência para transformar, de fato, a realidade (melhor ainda!). E aí, tem que negociar com o mundo como ele é para transformá-lo no que de melhor ele pode ser.
Luis Henrique Nascimento é comunicador popular, assessorando sociedade civil e governos desde o século passado
Fonte:Ninja
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