Pode parecer um contrassenso, mas nós gays podemos ser tudo o que quisermos, somos cada vez mais aceitos nas mais diversas esferas da sociedade, estamos presentes desde as novelas ao Congresso Nacional, mas dentro da nossa própria comunidade não podemos ser... gays.
Quem frequenta os libertários aplicativos de encontros (aka. pegação) já conhece a cartilha de cor: "macho atrás de igual", "não sou nem curto afeminados", "procuro alguém com jeito e atitudes de homem" são algumas das sentenças mais frequentes por lá.
De repente o mundo gay, de um lugar colorido e alegre, virou uma convenção de lenhadores grosseirões hostilizando qualquer um que não tenha o mesmo estilo de vida. De uma hora pra outra, o vizinho homofóbico passou a se incomodar menos com o nosso jeito de ser do que o cara com quem flertamos em um aplicativo de encontros entre homens.
Esse fenômeno não se restringe aos apps. Nas festas, nos grupos de amigos, nos lugares gays é sempre a mesma coisa. Dá pinta? Tem "cara de gay"? É delicado? Pronto, se tornou um párea, não pega ninguém, recebe até mesmo entre os amigos alcunhas como "a passiva", "a viada", "viado que mia". Todo o bulliyng que muitos de nós sofremos na escola e em casa agora cresce justamente entre quem, teoricamente, deveria entender esse sofrimento.
Também por isso, aos poucos, voltamos ao tempo em que ninguém que ser tachado de gay. Grupos de homossexuais -- sim, porque por mais que neguem é isso que eles são, H.O.M.O.S.S.E.X.U.A.I.S. -- decidiram negar essa identidade e cunhar novos termos para definir algo que existe desde os tempos das cavernas: homens que se relacionam com outros homens. Como se mudar a palavra fosse mudar a realidade.
Primeiro surgiu o bromance, uma coisa meio lá, meio cá, que muitos vão dizer que não é exatamente ser gay quando, por definição, é exatamente a mesma coisa: afetividade entre dois homens.
Depois vieram os gouines, que se declaram menos gays por não se penetrarem -- ignorando o fato de que a penetração já não é obrigatória no sexo gay há séculos, de que fomos os primeiros a assumir as maneiras mais criativas e variadas de dar e receber prazer.
Agora vieram os g0ys. Estes romperam totalmente com os homossexuais. São uma variação mais hard dos gouines, já que nem sequer se consideram gays embora, em teoria, façam exatamente a mesma coisa que eu e meus amigos viados: se relacionam com outros homens.
Nada contra o surgimento de novas identidades, ainda mais dentro de um movimento que durante séculos foi sufocado e que, lentamente, está conseguindo se libertar. O problema é quando o oprimido vira opressor e ao invés de uma cor a mais no arco-íris, estes grupos se tornam um dedo a mais a nos apontar na rua.
Embora por um lado isso seja um sinal positivo, de que mais pessoas -- com seus valores, conceitos e preconceitos -- estão se sentindo confortáveis para assumir seus desejos, também é um sinal de que nós, homossexuais (ou a palavra da moda que estiverem usando pra nos definir) precisamos olhar mais pra nós mesmos, pra dentro de nossa "comunidade".
Respeito começa em casa, e a nossa está uma bagunça.
Visto no: Brasil Post
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