O sentimento de pesar
pela morte de Nelson Mandela ainda está latente em todo o mundo. Ele que indiscutivelmente foi, e será, uma
das maiores personalidades da nossa história. Com uma trajetória sofrida e
cheia de conquistas, Mandela nos deixa na matéria, mas o seu legado viverá
entre nós durante muito tempo. Quando falo de legado não me refiro apenas da
inquestionável luta dele contra o racismo. Se pararmos para pensar um
pouquinho, ele nos lega algo maior do que isso: a necessidade de se lutar por
alguma causa. Num mundo onde o umbiguismo reina soberano, é difícil ceder um
pouco do nosso tempo para reivindicar algo nobre. Acostumados a ficar
refugiados na zona de conforto, não lutamos mais por um mundo melhor, onde
discriminações e preconceitos possam ser significativamente diminuídos. Ao
contrário disso, continuamos a semear tudo aquilo que Mandela durante toda a
sua vida guerreou: o desrespeito ao ser humano.
Na carona do líder
africano, dentre as inúmeras lutas que necessitam de fortes soldados está a que
se refere ao preconceito racial. Mesmo sabendo que o Brasil é formado por um
caldeirão de etnias, muitos ainda nutrem aversão aos negros, apesar da
escravidão ter sido extinta há tantos anos. As razões para esse tipo de pensamento
são muitas, porém incoerentes, visto que não há nada que nos diferencie
enquanto seres humanos, muitos menos a cor de nossa pele. A herança de uma era
de escravidão, a qual reinava o discurso do que os negros não possuíam almas,
fez com que perpetuássemos a ideia de que esse grupo fosse inferior aos outros.
Sem contar que além desse estereótipo errôneo, outros ligados a marginalidade e
subserviência sobreviveram todos esses anos. Por isso que é comum presenciar
situações das quais os afrodecentendes são agrupados entre aqueles que devem
apenas servir, ou ser alvo da criminalidade crescente do país. Com isso, cotas
são repudiadas, pois não fomos educados a dar direitos e quem infelizmente
nunca os teve. Nesse momento, cabe seguir o exemplo de Mandela e lutar por um
mundo multicolorido, onde não há soberania entre os humanos, mas sim igualdade,
ou no mínimo tolerância.
Outra luta importante é
a que se refere à discriminação de gênero. Historicamente, o machismo
travestido de patriarcalismo fez com que a mulher demorasse a conquistar seu
devido lugar na sociedade. Hoje, temos uma presidente no poder, mas nada disso
parece ter sido suficiente para diminuir a violência contra essas que ainda
trazem cravadas na pele a indelével marca do “sexo frágil”. Isso porque se
aprende desde cedo que o sexo masculino é dominante, ao contrário do feminino,
o qual ainda é educado com limitação e recato. Essa descabida diferenciação
educacional acaba resvalando numa sociedade onde perdura o machismo, tanto
entre os homens quanto entre muitas mulheres, as quais se “acomodaram” com o
segundo plano do qual foram sentenciadas. Por essa razão, os índices de
violência contra elas não diminuiu. Pelo contrário, recentemente foi divulgado
que a Lei Maria da Penha não está contendo o número de casos de agressões e
mortes contra as mulheres. Os motivos são muitos, desde falta de pessoal
capacitado para atendê-las, até a falta de denúncia das vítimas. Porém, penso
que o principal vilão ainda é a nossa falta de vontade, e de coragem, de lutar
contra isso também.
“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.
Foram essas as sábias palavras ditas por Mandela e que me comoveram bastante.
Como alguém que nasceu, cresceu e morreu num dos continentes mais degradados do
planeta em vários sentidos, consegue perceber algo que o nosso país insiste em
não enxergar? Educação, essa sim é uma grande causa para se lutar. Numa
sociedade onde ser ignorante é natural. Ou pior, onde não ter conhecimento é o
mesmo que servir de curral em período de eleição. Esse desrespeito com o saber
é ignorado ano após ano e nada fazemos para mudar essa realidade. Esse
descompromisso com o educar já é antigo e sabido por todos, porém poucas são as
atitudes para revertê-lo. Cobram-se mais políticas públicas. Maior investimento
governamental. Exige-se que uma maior parte do PIB seja direcionada para tal
setor. São tantas as cobranças e metas e tão poucas as realizações que nos esquecemos
de que a educação é um compromisso de todos. Do lar até a urna, da
alfabetização à faculdade, somos responsáveis pela formação dos indivíduos que
nos cercam. Por isso, cabe primeiro a nós nos transformarmos e, se possível,
nos organizarmos para reivindicar melhorias nesse setor também. Quem sabe assim
a arma que Mandela citou há pouco possa de fato modificar a triste realidade
educacional e, portanto, social do país.
Nessa constante busca
por um mundo melhor, é importante tocar numa outra questão bem conhecida, desde
a África até o Brasil, a fome. Lamentavelmente, muitos são aqueles que nesse
momento não possuem nada para servir aos seus filhos e parentes. Pessoas que
por diversas razões foram esquecidas e que sobrevivem à míngua, geralmente em
condições desumanas, onde a falta de comida é um desafio diário. Por aqui, mesmo
com programas que visam minimizar essa inaceitável realidade, muitas pessoas
ainda morrem de desnutrição, ou sofrem de doenças correlatas à falta de
alimento. É contraditório saber disso num país rico em terras plantáveis, onde
se cultiva tanta variedade alimentícia. Também é paradoxal saber que exista
fome, numa sociedade que desperdiça toneladas de alimentos diariamente ao invés
de direcioná-los a quem tanto necessita. E, por fim, é imoral saber que existam
pessoas capazes de diminuir essa realidade com significativas doações, mas
preferem deixar a cargo do governo essa responsabilidade. Nessa luta pela
sobrevivência, o maior inimigo é, portanto, a disparidade social. Muitos com
pouco e poucos com muito. Muitos discursos bonitos, mas poucas ações. Muitos desperdícios
e muitos desnutridos. Muitos sacrificados, mas poucos sacrifícios. Muitos de
boca cheia e outros muitos de barriga e futuro vazios.
Nesse mar de incertezas
e violências cotidianas, eu não poderia deixar de mencionar uma das causas que
mais tem ganhado à mídia e a sociedade como o todo: a criminalização da
homofobia. Por mais que alguns considerem desnecessário criar leis específicas
para assegurar a proteção dos homossexuais, destaco que no Brasil infelizmente
as leis que prometem proteger toda a população infelizmente não são cumpridas.
A prova está na Lei Maria da Penha, direcionada predominantemente para
violência contra a mulher. A do racismo, contra a discriminação racial. Entre
outras especificidades legais que são criadas para suprir a deficiência legal
da nação no tocante às minorias. Então, porque não criminalizar a homofobia?
Recentemente o projeto que tentava fazer isso foi arquivado. Líderes, de
ideologia duvidosa, garantiram que direitos a favor da comunidade gay fossem
indecorosamente arquivados e esquecidos.
E isso acontece porque o desconhecimento da sexualidade humana agrupa os
homossexuais no gueto das anomalias, dos mutantes. Estes, portanto, não merecem
ser vistos como cidadãos, mas como a escória de uma sociedade machista,
fundamentalista e indiscutivelmente ignorante. Enquanto isso, nossos iguais são
excluídos, feridos e mortos, contudo não nos importamos com a causa deles, pois
fomos educados a ignorar isso também.
Seguindo a trilha do
desrespeito, nossa saúde pública agoniza em filas de hospitais lotados ou nos
seus insalubres corredores. Faltam
médicos e aparelhagem de qualidade. Faltam medicamentos e leitos adequados para
os pacientes. Faltam investimentos e, sobretudo compromisso com esse setor. Com
a segurança pública acontece algo semelhante. Ela que carece de pessoal
qualificado e preparado para lidar com os diversos tipos de criminosos que
insistem em exibir a real face da pobreza do país. Essas também são boas razões
para se lutar. Nesse campo, nunca é demais reivindicar melhores instalações
para os presidiários, para que eles possam ser ressocializados e não ensinados
a serem piores do que já eram. Outras lutas são aquelas que se referem à
corrupção, que insiste em macular a imagem já manchada do país. Sem se esquecer
de lutar pela proteção e preservação do meio ambiente. Pela garantia dos
direitos da criança e do adolescente. Pelo respeito ao idoso na rua, nos
coletivos, nos hospitais, dando-os a preferência merecida. Por um transporte
público decente. E pela assegurada regulamentação dos nossos direitos e
deveres.
Lutar contra o trabalho
escravo, seja ele infanto-juvenil ou sexual. Lutar pela melhoria das condições
salariais do trabalhador brasileiro. Lutar para que o professor, espinha dorsal
da metamorfose social, seja bem gratificado pelos seus feitos. Lutar para que o
voto valha a pena. Lutar para que as religiões aqui existentes sejam
respeitadas. Lutar pelo respeito aqueles que não possuem religião. Lutar por um
Estado de fato laico. Lutar pelos índios e sua perpetuação. Lutar contra a
violência em todas as suas instâncias. Lutar contra o consumismo. Lutar contra
o consumo excessivo de drogas, seja lícita ou não. Lutar contra esse sistema
engessado que não apresenta melhoras. Lutar por uma vida mais digna. Lutar pela
felicidade, pela liberdade, pelo amor e pela justiça. Lutar pela utópica paz. Lutar
contra qualquer tipo de intolerância, discriminação ou preconceito. Lutar
contra essa falta de coragem de lutar e, enfim, ir à luta contra toda a
ausência de direito que nos acomete ou aos nossos semelhantes. São tantas
causas a serem seguidas. Tantas reivindicações necessitando de vozes para serem
ecoadas. Tantos caminhos para transformar nossa existência, que eu poderia
fazer um livro só sobre isso. Mas, prefiro encerrar esse texto com uma
magnífica mensagem de Mandela: “A luta é
a minha vida. Continuarei a lutar até o fim dos meus dias”. Ele cumpriu a
parte dele. Falta a sua, a minha e a nossa parte. Então, vamos à luta, povo,
pois ser feliz é ser livre!