10 abril 2018

Malala - A Menina Mais Corajosa do Mundo – de Viviana Mazza



A história tem nos mostrado o quão perigoso é para quem detém o poder instruir as minorias. Em várias partes do mundo, tolher o direito universal da educação é manter restrito o sistema hegemônico desse seleto grupo de indivíduos, formado por políticos, donos de veículos de comunicação/publicidade, grandes indústrias, empresários, em sua maioria, mantenedores de suas riquezas às custas da exploração e silenciamento dos socialmente excluídos. Aqueles que ousam minar a ordem vigente tornam-se alvos fáceis para a fúria dos ditos poderosos, sobretudo se o embate for direto, preciso, voltado a desmascarar suas incongruências, na busca por um ínfimo espaço de dignidade entre os demais. Evidentemente nem todos são capazes de violar o que vem sendo pré-estabelecido há gerações. As razões para isso vão desde a alienação vendida a doses homeopáticas pelos mais influentes; seja por indiferença, sentimento oriundo da descrença de qualquer mudança positiva, seja ainda pelo temor à retaliação, principalmente de ordem física. Entretanto, para alguns, quando o que está em jogo é a formação educacional do ser humano, nenhuma ameaça é capaz de impedir a consolidação de certos ideais.

A história de Malala reafirma o penoso caminho que alguns mártires precisam trilhar para ter assegurado coisas mínimas para si e os demais como o acesso à educação. No livro escrito por Viviana Mazza, nos deparamos com a história de vida desta Paquistanesa, que na época era menor de idade, mas a tenra faixa etária não a impediu de enfrentar o regime ditatorial dos talibãs, na região de Mingora, onde ela, família, amigos e toda uma história de vida quase foi extinta, se não fosse pela coragem dela. Dentre as inúmeras proibições infligidas pelos extremistas, muitas delas eram voltadas às mulheres, tolhendo suas individualidades, liberdades e autonomias: uso irrestrito de burcas, confinamento em casa e impossibilidade de acesso aos estudos. De todas essas repressões, foi justamente a última que mais inquietou Malala. Vinda de um lar onde a educação sempre foi uma prioridade para os pais, a menina cresceu apaixonada pelos livros, cuja fonte inesgotável de conhecimento a instigava. Estudiosa, rapidamente se destacou entre as demais, sendo considerada várias vezes como uma das melhores alunas daquela região. Entretanto, em meio a isso, ela vê sua terra natal envolta em conflitos de ordem “religiosa”/política, com embates sangrentos que resultavam em destruição de cidades, deslocamento de refugiados e morte de inocentes.

Um cenário dessa natureza seria o suficiente para fazer com que muitos se acovardassem, principalmente uma garota de 15 anos. Mas não foi isso o que aconteceu. Malala contrariando as probabilidades fez do enfrentamento ao regime talibã sua bandeira pessoal. Não se tratava apenas de lutar pelo direito pessoal à educação, que por si só já seria legítimo, mas expandi-lo as demais garotas, todas proibidas de adquirir conhecimento, a não ser aquele ditado pelos extremistas. Então, mesmo após escolas serem fechadas, livros incendiados, militantes assassinados em praça pública, nada disso foi capaz de intimidar Malala de levar a cabo seus ideais. O preço pago por ela não poderia ter sido mais caro. Os talibãs atentaram contra à sua vida, quase ceifando-a por completo. Os tiros desferidos, porém, surtiram o efeito contrário: de estatística, Malala se tornou porta voz das atrocidades vividas pelos Paquistaneses, em especial as Paquistanesas, em Mingora, levando ao mundo as imagens horripilantes de uma garota ensanguentada após receber vários tiros apenas por querer a permanência dos estudos para as garotas de sua terra. Felizmente, ela sobreviveu, provavelmente movida pela força emanada pelos seus livros, pois, quando estava recobrando a consciência, a primeira pergunta dela ao pai questionava se seus livros estavam a salvo. Algo comovente, diante do seu imenso sacrifício.

O caráter de importância dado aos livros por Malala merece nossa atenção. Do Oriente Médio ao Brasil, passando por várias outras partes do mundo, apenas a leitura é capaz de oferecer as ferramentas para a transformação da realidade, ainda mais em territórios hostis, dominados pela violência extrema. Tanto no Paquistão quanto aqui, muitas minorias veem confinados os privilégios educacionais, responsáveis por oportunizar melhores condições de vida a todos e todas. Há um temor em permitir o contato ilimitado ao saber pelos excluídos. Isso não se dá à toa. Quando temos garantido a efetivação da educação, possuímos as chaves para a modificação das nossas realidades, transcendendo barreiras construídas para nos estagnar, ao passo que incentivamos outros marginalizados a percorrer os mesmos caminhos. Educar é, nesse sentido, encorajar os que vivem às margens a fazer suas próprias revoluções. É a escada de fuga do fosso de onde somos lançados à ignorância. Antes de tudo, significa reconstruir as bases humanitárias da formação do indivíduo, oportunizando a ele um leque de possibilidade para si e os seus, dando voz as suas causas e relevância as suas lutas. Por essa razão, quando uma menina de 15 anos teimosamente quebra o silêncio, fortalece toda uma cultura enfraquecida pelos horrores da guerra a combater a opressão e não se calar. O maior medo dos talibãs, portanto, não foi o atrevimento da garota, mas seu empoderamento, fruto de algo maior de que qualquer poder destrutivo humano, a educação.

Portanto, é do conhecimento absoluto que as tiranias mais temem, por isso se esforçam tanto em oferecer tão pouco ao povo, quando não privam esse ínfimo a porções ainda mais insignificantes de saber, pois assim permanecerão oprimindo os menores sem que estes tenham total ciência disso. Desse ciclo inacabável de desrespeito contra a intelectualidade humana surge os incontáveis abismos, onde mulheres, negros, pobres, índios, entre outros grupos, são arremessados. Malala, porém, foi uma das poucas que conseguiu escapar com vida desse desfiladeiro, mesmo assim não está totalmente livre de ser lançada nele. Nenhum de nós está. Por essa razão, ler a breve história desta garota Paquistanesa, contada por Viviana Mazza, é crucial para que certos levantes continuem sendo feitos. Sentir em palavras a narrativa dessa jovem é um soco nas nossas pusilanimidades. Trata-se de ter ciência de que somos capazes de nos rebelar contra quaisquer injustiças quando fazemos isso motivados por questões altruístas, e não simplesmente por egocentrismos. É um exemplo palpável de que a mudança está em nós, nossas escolhas, decisões e metas. Outrossim, é uma ode à educação inclusiva, postulado máximo de muitas culturas, mas pouco exercido na prática. No mínimo, é encantador a maneira como essa garota encontrou nos livros a convicção necessária para alicerçar um mundo melhor para si, sem perceber que sua noção de mundo iria se ampliar para todo o globo. Se ela foi capaz de fazer tudo isso naquelas condições, imagina o que poderíamos ser capazes de fazer com a nossa realidade? Melhor, quantas tragédias no mundo poderiam ser evitadas se crianças como Malala tivessem contato com a educação, com os livros?

Precisamos beber de sua coragem e não sucumbir ao primeiro fracasso.

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