24 abril 2018



Estar sob o olhar alheio é uma experiência perturbadora. Como dois juízes prontos para nos sentenciar, os olhos refletem valores adquiridos a partir da nossa convivência em sociedade, por isso são tão eficazes em nos amedrontar, intimidar, constranger, inferiorizar, humilhar, porque são prismas inseridos na nossa personalidade. Por estarem em todos os cantos, sobretudo agora com a redemocratização da internet, somos cada vez mais alvos fáceis de olhares tecnológicos das câmeras de vídeo, dos celulares, além da própria TV, todos controlados pela visão humana. Esses Argos da atualidade são ainda mais vigilantes quando o assunto é a estética alheia. Semelhante ao gigante da mitologia grega, os sentinelas da beleza estão em toda parte prontos para rechaçar quem se atreve a fugir da normalidade imposta pelos paradigmas da beleza moderna, sobretudo as mulheres.

Desde que me descobri desencaixada dos padrões da moda, tratei rapidamente de me por no meu lugar. Não se tratava de me inferiorizar. Nada disso. Adquiri precocemente a maturidade de pensamento sobre os ditames impostos pela indústria da beleza. Nesse período de reflexão, eu tinha três caminhos: ou me entregava aos apelos mercadológicos do que é ser/estar bonita, ou correspondia às expectativas sociais da beleza dentro dos meus limites, de acordo com aquilo visto por mim como aceitável, saudável e, sobretudo, barato; ou abolia qualquer alternativa de me encaixar no modelo alta, magra, cabelo liso, dando literalmente um foda-se aos que se incomodavam com as minhas formas “disformes.” Antes de decidir tomar um desses rumos, experimentei todos eles. Depois de uma infância e adolescência buscando a aprovação das colegas de escola, descobri que só seria aceita se me moldasse ao pré-estabelecido, o qual para mim, na época, parecia o certo.

Então, fiz inúmeras dietas, pus química para alisar meus cachos, aderi a academia, gastei com roupas caras, usei maquiagens importadas, mas nenhum esforço era o bastante para afastar de mim aqueles olhares que me seguiam dizendo nas entrelinhas: “você não faz parte disso.” Se estava na academia, minhas ‘companheiras’ de musculação não disfarçavam o sentimento de despeito nas comparações entre o meu corpo e o delas, que mesmo não sendo gorda, tão pouco era sarada. Qualquer celulite, estria, gorduras localizadas, eram analisadas minuciosamente por todos, abrindo um debate fútil sobre como cheguei aquele estado “deplorável” e o que poderia ser feito para mudar. Desamparada pelas minhas formas, deixava-me ser julgada, por acreditar que naquelas palavras havia mais boas intenções do que maledicências. Porém, os vigilantes da estética nunca se davam por satisfeitos, mesmo eu fazendo tudo dentro do possível para atender suas cada vez mais egocêntricas expectativas.

Mesmo assim eu insistia. Mentia em voz alta na esperança das palavras se tornarem verdade, afastando aqueles que me vigiavam. Não funcionou. Os olhares de repreensão eram mais onipresentes. Estavam em casa, no meu trabalho, nas ruas, nas festas, na televisão, na frente do meu espelho. Onde houvesse reflexo, era possível me enxergar sendo examinada por todos, por mim mesma. Passei a me sentir frustrada, por pouco não entrei num estágio de depressão. No ápice da busca pelo pertencimento, os males da saúde não tardaram a se manifestar. Passei a comer cada vez menos e sem nenhuma orientação médica. Fazia exercícios em demasia. Nessa ânsia, saí do manequim 40 para o 36, mas estava debilitada, fraca, o que resultou numa internação às pressas com diversos problemas, entre eles anemia, exaustão física, desnutrição, baixa autoestima, etc. Quase morri. Todavia, mesmo visivelmente fragilizada, não deixei de ser perseguida pelos vigilantes da estética, que agora me olhavam de forma ainda mais repreensiva.

Quando cheguei a este nível de autodepreciação, achei que seria o fim. Até que, meses depois, já com a saúde restabelecida, passei por uma loja e vi um manequim vestido com uma roupa linda. Fiquei em transe do outro lado, olhando aquele modelito e me vendo no reflexo da vitrine. Era evidente que não caberia naquele modelo, mesmo ainda estando magra após quase fenecer. Nessa neura, tive a impressão de que aquele fantoche travestido a minha frente tinha ganhado vida, julgando a minha estúpida decisão de talvez comprar aquela peça cara, a qual não ficaria bem no meu corpo. Assustada com aquilo, vi que era hora de dar um basta ao cárcere de onde tinham me aprisionado. Olhei fixamente para o manequim, para os vendedores, para a loja, estendi meu olhar por 360° graus pela rua e gritei feito uma louca: fodam-se os vigilantes da estética. Minha voz saiu como um brado e todos os olhos, que costumavam me olhar de soslaio analisando minhas formas, agora estavam voltados para mim, possivelmente achando que enlouqueci. Nunca estive tão lúcida. Depois saí aliviada e passei a ignorar as vistas alheias.

A química do meu cabelo caiu, meu corpo ganhou contornos naturais, uso maquiagem agora apenas em eventos importantes e em pouquíssima quantidade, roupas caras nem pensar e mantenho uma alimentação saudável, mas sem excluir aquilo que me dá prazer. Faço caminhada às vezes, mais para manter minha vitalidade do que para perder quilos e atrair os holofotes da estética à minha direção. Evidentemente os olhos estéticos da sociedade continuam a me perseguir. A mim e a todas as mulheres. Entretanto, seus juízos de valores não me afetam como antes. Percebi nesse processo que quanto mais cedemos às cobranças desses olhares mais ficamos submissos aos seus caprichos. Qualquer imperfeição precisava ser corrigida para que os vigilantes se dessem por satisfeitos. Acontece que tal sensação era momentânea e rapidamente surgia uma nova exigência para nos aprisionar. Infelizmente a maioria de nós não consegue escapar desse ciclo vicioso, vivendo à mercê do estabelecido pelo arquétipo ideal da beleza por toda a vida. Eu recusei tamanha subserviência e pago um preço por isso, como todas e todos que irrompem com o que é/está padronizado. Mas os ganhos pessoais são impagáveis.

Apesar dos avanços na questão da aceitação do corpo feminino em sua multiplicidade, há um longínquo caminho até que todas nós nos sintamos encorajadas a romper esse casulo ditado pela indústria da moda. Até esse dia, muitas meninas continuarão a fazer dietas mirabolantes, destruirão suas fibras capilares originais com alisamentos, gastarão fortunas em academias, roupas e maquiagens caras, perderão tempo vendo tutoriais que reproduzem mais a beleza padrão do que aquela real, acessível e palpável, e, no fim, poucas verão o quão infrutífero é querer enquadrar a capa corpórea enquanto o interior, que mais importa, não é valorizado. Isso não significa se descuidar, virar um eremita ou aderir a uma moda hippie como forma de revolta ao sistema. Trata-se de superar o que nos aflige, os vigilantes da estética, apelidados muitas vezes de “vigilantes do peso”, cuja preocupação com a nossa saúde está em enésimo plano. O que eles focam é em regular nossas formas, tolerando-as ou excluindo-as.  Não permita que eles ganhem ainda mais força sobre aquilo que é de total autonomia sua, seu corpo. Eles não têm esse direito. Só nós possuímos a plena capacidade de nos aceitar, mas para isso precisamos quebrar esse feitiço televisivo/midiático/fashion/cosmético/fitness que puseram sobre nós.

Querem me vigiar? Então, olhem! Estou/sou linda. Admirem meus cabelos naturais em meio a esse mar de progressivas. Olhem minhas curvas autênticas feitas por Deus e não moldadas em salas de cirurgias. Meu manequim voltou aos 40. Minhas roupas condizem com o meu corpo e bolso. Maquiagem? Só se for uma data muito especial. Como o que quero, sem abuso, mas desencanei das dietas mágicas que prometem o irrealizável. Amo na mesma medida um prato de salada e um pedaço generoso de bolo de chocolate. Gosto de fazer exercícios, porém não quero mais perder tempo em academias que só me viam como experimento, como uma estranha fora do ninho. Minhas celulites, estrias, são marcas da feminilidade do que é ser mulher e precisam ser vistas com respeito, não como inimigas da nossa identidade. Não sou melhor ou pior do que ninguém por querer ou não fazer a sobrancelha, hidratar meus cabelos, fazer depilação, tomar shakes emagrecedores, usar toneladas de cremes e cosméticos, ou abolir a tudo isso. Minha vaidade não se restringe às interferências que faço no meu corpo. Trata-se, antes de tudo, de autenticidade. Essa sou eu agora. Aquela que sempre fui, na verdade, mas ocultada pela pressão do culto à forma. Não sou plenamente livre, ainda. Nenhuma de nós é/será, mas me esforço para ser a menos aprisionada possível.

Então, Argos modernos, lidem com isso ou fodam-se!



Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante que a
velocidade.

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho, ande por outras ruas,
calmamente, observando com
atenção os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.

Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia,
ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.

Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama...
Depois, procure dormir em outras camas
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais... leia outros livros.

Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores, novas delícias.

Tente o novo todo dia.
O novo lado, o novo método, o novo sabor,
o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.

A nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida,
compre pão em outra padaria.

Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado... outra marca de sabonete,
outro creme dental...
Tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.

Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.

Troque de bolsa, de carteira, de malas,
troque de carro, compre novos
óculos, escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros,
outros teatros, visite novos museus.

Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light, mais prazeroso,
mais digno, mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já
conhecidas, mas não é isso o que importa.

O mais importante é a mudança,
o movimento, o dinamismo, a energia.

Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco,
sem o qual a vida não vale a pena !!!



É muito comum escutarmos de certos pedagogos, teóricos do ensino, secretários de educação, proprietários de colégios particulares e outros “especialistas” que o professor é imbuído da “missão” de ensinar. Para eles ser professor é, acima de tudo, um “sacerdócio”. Mesmo a recente substituição da palavra “professor” pela palavra “educador” aconteceu em função deste discurso politicamente correto, que é quase hegemônico. Discurso repetido a exaustão nas universidades, em livros, teses, entrevistas, festinhas escolares, reuniões de pais, reuniões pedagógicas etc, etc e etc. Contudo, apesar de todas as boas intenções embutidas, tal perspectiva é frágil. Não se sustenta, não resiste a uma análise lógica apurada. Na verdade, qualquer pessoa um pouco mais perspicaz é capaz de perceber que ela é nociva ao desenvolvimento da profissão. Acaba por sabotar a própria condição de profissional do professor.
O “discurso missionário” dilui o caráter intelectual inerente à formação acadêmica do professor. O que resulta em uma filosofia pedagógica frouxa que tende a valorizar mais a “vocação para ensinar” do que o “preparo para ensinar”. O místico em detrimento do pragmático. Senão vejamos: termos como “missão” e “sacerdócio” automaticamente chamam outros como “abnegação” e “sacrifício”. Vista dessa forma a educação deixa de ser uma atividade laica para ganhar ares quase que religiosos. O professor deixa de ser um profissional que estudou muito para poder transmitir e produzir conhecimento, para ser uma espécie de emissário de algo maior do que ele, uma força superior transcendente para a qual ele cumpre uma “missão” em “sacerdócio”.
E, como se sabe, na tradição Ocidental, prática religiosa é sinônimo de sacrifício pessoal. Sacrifícios que variam em grau e intensidade: podem ir desde não comer carne vermelha em um dia específico do ano até a autoimolação. Daí a razão pela qual, ultimamente, têm-se aceito com tanta facilidade que professores sejam ameaçados, ofendidos ou espancados por alunos. Daí a razão pela qual, ultimamente, têm-se culpado única e exclusivamente o professor quando o aluno não aprende. Daí a razão pela qual, ultimamente, se especula tanto sobre levar a informática para a escola quando na mesma escola ainda faltam livros didáticos e fotocópias é um luxo. Sendo agredido, reprovando um aluno ou trabalhando em condições precárias, é sempre o professor que falhou, pregam os “especialistas”. Ofício visto como sacrifício.
Em meio a esse ambiente moral, falar em interesses pessoais (quiçá lucro) ganha ares de mesquinharia. É digno de vergonha confessar que dá aulas apenas para se sustentar, porque é o que sabe fazer, porque gosta ou simplesmente porque é a única profissão que tem duas férias por ano, como dizia o físico e professor “quase Nobel” César Lattes. Exigem-se sempre ideais elevados. Não basta ser professor, têm que participar. Educação não vem mais de casa, deve ser adquirida na escola. Professor, que em dias remotos foi chamado respeitosamente de mestre, tornou-se “educador”.
E o moderno educador deve ser ao mesmo tempo pai, mãe, psicólogo, catequista, enfermeiro, monitor de computação, ideólogo, recreador e agente social do corpo discente ao qual serve. Ensinar e cobrar o que se ensinou tornou-se sinônimo de educação retrógrada. A escola, que antes servia para transmitir às novas gerações a tradição cultural da humanidade, tornou-se uma mistura de deposito de crianças e adolescentes, shopping, parque temático e campo de férias. Oficialmente entra de tudo, de danças eróticas até rap com letras sexistas e violentas, extraoficialmente o que entra não cabe numa mochila de rodinhas: armas brancas, armas de fogo, drogas lícitas e ilícitas, socos ingleses, celulares para os mais diferentes objetivos e por aí vai. Criticar essas práticas é condenar-se a ser tachado de preconceituoso.
Aluno não é mais aluno: é educando, pois, como se diz por aí, a palavra “aluno” significa “sem luz” em latim (não é verdade). Vê-los como seres “sem luz” é inadmissível e não louvar sua linguagem e cultura pessoal (quase sempre televisiva e de gueto) é fascismo. Ensinar alta cultura e valorizar a erudição é entendido como deplorável elitismo fora da realidade. Diante dela muitos “especialistas” costumam retrucar sarcasticamente: “e para que serve para o educando saber quem foi Shakespeare?”. Como responder a isso? Como responder a uma pergunta que é tola por si só, mas que chega carregada de um tom pretensamente revolucionário e democrático? Afinal, não foi profetizado que “os simples herdarão a Terra”?
De fato, já estão herdando (Rei Lear?). Já vi diversos professores defendendo que normalistas alfabetizadoras deveriam ser mais bem remuneradas do que pós-doutores que passaram décadas estudando para chegar aonde chegaram. A justificativa seria a de que ensinar a ler e escrever é mais “nobre” do que tagarelar em uma cátedra. Se é ou não é pouco importa. O fato é que mais uma vez, passionalmente, sem reflexão, se desdenha os espinhos da teoria em função da ação missionária direta. Ao mesmo tempo, curiosamente, é interessante notar que não é comum entre professores universitários assumirem o “discurso missionário” no trato com seus alunos de graduação. Ele é difundido, sobretudo, no ensino primário, fundamental e médio. Ou seja: entre aqueles que recebem a teoria, não entre aqueles que a produzem. Exceção feita, claro, para certos catedráticos em didática. Sendo nesses casos impossível saber até que ponto trata-se de mera retórica. Até porque boa parte deles jamais lecionou para as séries sobre as quais teoriza.
O “discurso missionário” é tão forte que basta observar o resultado de concursos do tipo “Professor do Ano” ou “Professor Nota 10”, para identificá-lo em sua forma mais avançada. Não raras vezes os vencedores são profissionais pouco preparados. Pessoas que mal sabem ler, mas ensinam a ler. Pessoas que mal sabem contar, mas ensinam a contar. Em contrapartida, esses “educadores modelo” enfrentam todo tipo de obstáculo para cumprir sua “missão”. Às vezes, acordam às quatro horas da madrugada para fazerem uma viagem de barco de três horas que os levarão até um casebre perdido na floresta amazônica, onde darão aulas para cinco ou seis crianças da região. Sem querer tirar o mérito inegável destas ações, é preciso reconhecer que nesses casos se premia o sacrifício, não a competência propriamente dita; que, sim, pode até existir, mas é irrelevante diante do exemplo de abnegação que representam.
Apesar de ter ganhado força no mundo pós-moderno, o “discurso missionário” está entranhado em nossas raízes culturais há séculos. Por exemplo: praticamente todo manual de filosofia desdenha a contribuição dos sofistas gregos, apontando como um de seus principais vícios o fato de que cobravam para ensinar. Muitas vezes não passam de notas de rodapé. Só aparecem para servir de contraponto à figura gigantesca de Sócrates, o pensador humilde e corajoso que ensinava de graça e que morreu para defender seus princípios. A célebre frase “tudo que sei é que nada sei”, uma das sentenças mais mal compreendidas de todos os tempos, sempre citada como exemplo de ideal pedagógico, joga por terra toda a obra conjunta dos “gananciosos” sofistas.
Na Idade Média, durante o nascimento das universidades, quando mestres clérigos passaram a ministrar um ensino desligado do contexto monástico, para burgueses, foram duramente atacados. O futuro santo Bernardo de Claraval, o poderoso abade de Cister, foi um dos críticos mais ferozes da nova pedagogia. Acusava seus defensores de serem meros “vendedores de palavras”, sacrílegos culpados de oferecer para quem quiser pagar a “ciência que só a Deus pertence”. Muita gente foi parar na fogueira por conta disto.
Os séculos seguintes apagaram as fogueiras e fizeram da educação um direito de todo cidadão. Educar as massas tornou-se uma “missão” civilizadora que deveria ser levada a cabo a qualquer custo, mesmo que o preço fosse a vulgarização do conhecimento e o nivelamento por baixo dos envolvidos no processo educacional. Tanto dos mestres quanto dos alunos. Dessa forma, o que ocorreu não foi uma vitória de nenhum dos lados e sim um armistício, armistício que gerou uma aliança. As duas perspectivas se fundiram. Infelizmente, o que poderia criar um edificante caminho do meio ao estilo budista acabou por degenerar-se e transformou o professor em um estereótipo sem nuances.
Hoje o “educador” é infantilizado em seu próprio ambiente de trabalho. É constrangido a participar de ridículas dinâmicas de grupo, brincando de dança da cadeira, trocando fitas coloridas, pulando corda ou falando com fósforos acesos na mão. Vê-se levado a ler páginas e mais páginas de metáforas tão bonitinhas quanto inúteis sobre “alunos-sementinhas que crescem com a água do conhecimento” ou sobre “alunos-folhas-ao-vento que devemos recolher e dar direção”.
E o pior é que tais práticas bizarras e alienantes são vendidas pelos “especialistas” como o suprassumo da modernidade educacional. Quem não se submete é mal visto e tachado de “corta-onda”, “tradicionalista”, “antigo”. O resultado é que, cada vez mais, o necessário abismo cultural entre “educandos” e “educadores” diminui. Ambos cantam as mesmas músicas no chuveiro, assistem às mesmas novelas descerebradas, votam nos mesmos candidatos no Big Brother, postas as mesmas piadinhas no facebook, leem os mesmos livrinhos da moda e assistem os mesmos filmes pipoca. Assusta o fato de que muitos professores orgulham-se de sua “postura descolada”, acusando seus colegas mais ortodoxos de serem chatinhos pseudo-intelectualóides, como se ser ou almejar ser um intelectual fosse algo negativo por definição. Vivemos na era das fobias. Será que essa é a intelectofobia? Em todo caso, vale lembrar que na China da Revolução Cultural mandaram intelectuais para campos de trabalho, proibidos de ler e debater, para aprenderem a ser “povo”.
O professor está se afastando de forma irrecuperável de sua função intelectual. De contestador e crítico da realidade por meio do ensino, entrega-se sem reagir à condição de marionete artificialmente alegre. Se existe de fato uma “missão” a ser cumprida, trata-se de uma missão suicida. E a lavagem cerebral a qual são submetidos os acadêmicos dos cursos de licenciatura por meio do “discurso missionário” levam-nos a se resignar com facilidade excessiva as suas terríveis consequências. Perdemos os referenciais. Há tempos que o ideal de professor deixou de ser o genial Aristóteles para tornar-se a professorinha Helena da novela “Carrossel”.


Visto na: Revista Bula


Eu só peço 5 minutinho da atenção de vocês
Um dia encontrei uma amiga da minha mãe chorando de forma tão desesperada que tive certeza que um de seus filhos havia morrido. Meu coração foi à boca. Sabendo que todos estavam vivos, comecei a perguntar-me qual deles teria descoberto que sofria de uma grave doença. Nenhum. O choro da mãe era porque um dos filhos tinha revelado ser homossexual naquela manhã.
Eu não vou dizer que vocês, pais de filhos gays, não tenham razão para se preocupar. Têm sim. Todos os pais têm. Preocupar-se é a mais natural das características dos pais. Preocupam-se com a nossa alimentação, com os nossos agasalhos, com nossos estudos e, sobretudo com a forma como as pessoas que povoarão nosso caminho nos tratarão. E, sim, nesse ponto eu entendo a preocupação dos pais de um filho gay. Porque tem muito imbecil por aí. Mas o mais importante é que os primeiros imbecis desse caminho não sejam os próprios pais dessa pessoa.
Não escrevo este texto para os pais que acham que ser gay é uma ofensa a Deus, uma vergonha, uma aberração ou uma simples opção de um filho. Neste nível de ignorância eu acredito que seja inútil tentar penetrar. Escrevo esta carta, de coração, aos pais que não sabem bem como agir. Aos que teoricamente aceitam-nos, ou pelo menos pensam aceitar. Escrevo também aos pais que suspeitam ter um filho homossexual e não sabem por onde ir. Escrevo aos bons pais, que se esforçam para apoiá-los e que estão dispostos a fazer o melhor que podem.
O fato é que existem muitas léguas de distância entre o ato de aceitar e o ato de acolher. Entre a mera tolerância e a necessária compreensão. Entre o mero olhar sem censura e o tão esperado abraço que diz “eu te aceito, te acolho, te amo e me orgulho de você, independentemente de qualquer coisa”. Aceitar não é tudo. É só um primeiro passo.
Lembro-me bem da madrugada na qual um namorado terminou um relacionamento de 7 anos comigo. Destruída, fechei a porta para ele ir embora pela última vez e corri para o quarto dos meus pais, às 3 da manhã. Eu sabia que não estava sozinha e que a minha dor seria suportada por eles. Eu sabia ter rede. Já um amigo, gay, quando sofreu a mesma dor, foi chorar no banho. Saiu do banho olhando para baixo, fechou-se no quarto, esperando que seus pais- que aceitam sua homossexualidade- não perguntassem nada. Porque eles nem sabiam que ele vivia um relacionamento estável que já durava cerca de 3 anos.
A questão é: até quando tantos pais esconderão a poeira debaixo do tapete? “Seja gay, a gente tolera, mas saiba que nunca trataremos isso com naturalidade”. Esse é o discurso que ninguém diz e que segue velado em tantas famílias. É preciso abrir este caminho, mostrar aos seus filhos que vocês se interessam pela vida afetiva deles tanto quanto se interessariam pela de um filho hétero. É preciso sair da zona de conforto, que foca as conversas no trabalho, no dinheiro e nas amenidades, buscando fugir de tudo o que diz respeito à homossexualidade em si.
Não tenha medo de perguntar quais são os lugares que ele frequenta. Nem com quem ele vai, nem qual música toca. A vida de um gay não é mais nem menos promíscua que a de um hétero. Não é a orientação sexual que determina se a pessoa vai dormir com uma pessoa a vida inteira ou com 3 na mesma semana. Isso não tem nada a ver com ser gay ou não. Tenho amigos gays super caretas e amigas solteiras super liberais. Ninguém é melhor nem pior por isso. Livrem-se destes dogmas.
Participe da vida do seu filho gay. Pergunte sobre seus sonhos. Se ele quer casar, se vai querer festa, se vai querer um buquê, seja ele homem ou mulher. Pergunte se ele sonha com filhos. Se vai querer adotar, se pensa em inseminação ou numa barriga de aluguel. Pergunte se ele gosta daquelas camisas brancas que você compra para ele ou se preferia que elas fossem floridas. Pergunte à sua filha se ela se protege no sexo, ainda que saiba que o tipo de relação que ela mantém não resulta em gravidez. Mostre que você se importa e que o espaço de diálogo entre vocês pode ser cada vez maior. 
Mostre ao seu filho que ele é muito mais importante do que seus amigos conservadores. Mostre que você está disposto a abrir mão destes seus “amigos” que ficam escandalizados com a homossexualidade, em respeito a ele. Mostre que este tipo de gente não te interessa mais, porque quem julga que seu filho não é bom o bastante por amar pessoas do mesmo sexo, merece todo o seu desprezo.
Faça com que eles percebam que, por você, tudo bem se a Tia Loló ficar chocada com o fato do sobrinho neto ser gay. Tia Loló deu sorte de estar viva em 2016 e ela precisa conviver com isso. Mostre ao seu filho que você não está mais preocupado em poupar a Tia Loló, o Tio Tonico, a prima Rosângela e seus trigêmeos, do que em fazer com que ele se sinta bem e livre na festa de família pela primeira vez. Quando a Tia Loló perguntar “como vão as namoradinhas do Rafael?” responda tranquilamente “é namoradinho, Tia Loló, ele se chama Mateus, é engenheiro, um rapaz ótimo.”. Se a Tia Loló engasgar com o amendoim, bata nas costas dela. Mas não bata no ego do seu filho, trancafiando-o num eterno armário de vidro.
Você nunca deixou seu filho chorar sozinho quando era criança. Você nunca se envergonhou do nariz escorrendo, nem da roupa suja no fim do dia. Você sempre se orgulhou daquela criança e dizia para quem quisesse ouvir “Sim! É meu filho!”. Por que isso haveria de mudar agora? Quais os olhares que passaram a ser mais importantes do que os olhares de amor dele para você e de você para ele? A quem você confere a legitimidade de julgar o seu filho a ponto de te tornar omisso na vida dele? A quem você se rende para não abraçá-lo da forma mais sincera e entregue?
Já é hora, mãe. Já é hora, pai. Acolham seus filhos de forma integral antes que seja tarde demais. Não compactuem com mais choro no banho, mais segredos, mais mentiras. Não abram mão de ouvir histórias boas, histórias alegres, histórias de amor. Nem abram mão da convivência com seus novos genros e noras.
Acima de tudo, não permitam que a noção de “amor incondicional” torne-se uma farsa na relação de vocês. Mostre ao seu filho todo dia que seu amor por ele é infinitamente maior do que a miséria humana que julga, aponta e condena determinadas formas de amar. Mostre ao seu filho que o mundo pode virar-se contra ele, mas que seus braços serão sempre um lugar seguro onde ele é bem-vindo por ser exatamente quem ele é.


Visto no: Estadão


Não podemos muitas vezes escolher o perfil das pessoas que nos rodeiam. Caso isso fosse possível, muitos dos atritos diários dos quais somos praticamente obrigados a nos engalfinhar seriam evitados. Então, como não nos é facultado o direito de escolha, resta-nos suportar os desafetos das personas non gratas ao nosso redor. Para os mais tolerantes, porém, há a opção complexa de tentar entender determinados comportamentos do outro antes de sentenciá-lo a completa exclusão de nossas vidas. Falo daquelas pessoas briguentas, chatas, aparentemente insuportáveis, que por coisas mínimas criam confusões máximas, atordoando todos ao redor com o seu despautério. Infelizmente, esse tipo de pessoa existe aos montes: em casa, no trabalho, na vizinhança, na Igreja, etc. Então, quando conviver torna-se inevitável, por que não tentar encontrar nesses próprios indivíduos as respostas capazes de justificar tamanho descontrole emocional?

De fato, não é simples dividir o mesmo espaço como seres irritadiços. No geral, são pessoas que perdem as estribeiras facilmente, falam alto, quando não vociferam, são adeptas de gestos exagerados e gostam de chamar atenção. Essas características, sobretudo a elevação no tom da voz, me fizeram refletir a respeito dessa questão. Isto porque, faço parte do time das pessoas que odeia falar alto, tão pouco ouvir uma entonação que soe como balbúrdia. Então, quando alguém se dirige a mim fazendo zoada ao invés de se comunicar civilizadamente, perco instantaneamente o raciocínio, e acabo correspondendo da mesma forma. Pronto, está formado o ruído. Se o outro gesticula em demasia, só é mais um agravo para o elevo da voz. Acho deselegante, grosseiro, e costumo responder com uma frieza hitleriana até que o outro busque seu próprio equilíbrio na linguagem. Porém, de tão rotineiro, parei para analisar essas pessoas com mais afinco.

São indivíduos que encontram rapidamente um motivo para iniciar uma discussão. Em casa, costumam ser perfeccionistas, controladores, exageradamente metódicos. Logo, quando algo está em desalinho, seja um copo fora do lugar, demorar alguns minutos a mais embaixo do chuveiro, ou tardar a levantar da cama, tudo é combustível para brigas infindáveis, falação desnecessária que culmina em bate-boca. Essas situações são típicas em casa. Já no trabalho, os brigões oscilam entre os bajuladores do chefe aos insanamente competitivos. São capazes das artimanhas mais sórdidas para minar nosso equilíbrio emocional. Parece nos testar, nesse sentido. São vaidosos, gostam de estar em destaque em detrimento da humilhação do outro, considerado por ele como inimigo. Na verdade, são pessoas movidas pela hostilidade, como se esse tipo de violência verbalizada alimentasse sua existência. Não são adeptas do diálogo. Pelo contrário, repudiam qualquer forma de conversação cuja emissão dos decibéis esteja dentro do suportável pelos nossos tímpanos.

Há os irascíveis temporários. São pessoas geralmente taciturnas, mas que se transformam em determinadas ocasiões. Quem nunca se chocou com um amigo aparentemente calmo, que após tomar algumas cervejas além da conta, mostrou ser completamente descontrolado, procurando briga até com aqueles que lhe são caros? Quem nunca presenciou uma pessoa perder a razão, alcoolizada ou não, depois de ser contrariada em seu ponto de vista, mostrando ser assumidamente intransigente a opiniões opostas as suas? Quem nunca viu uma pessoa próxima, considerada equilibrada, apta ao diálogo, se deixar levar por um gracejo alheio, entrando em barracos vexatórios, daqueles em que os passantes torcem para que culmine na própria violência física? São incontáveis as possibilidades de acessos raivosos em nossa vida. Muitos deles limitam-se ao mero falatório ofensivo, mas podem desembocar em desenlaces mais duradouros ou até a brutalidades mais graves.

De tanto conviver com pessoas assim, resolvi ir além, ampliando o meu olhar para a minha vizinhança. Por azar, tenho diversos vizinhos que se encaixam nos padrões acima. Os que são casados, dividem os dissabores de suas traições e desavenças com todos ao redor. É um espetáculo cômico de horror. Além disso, brigam com um carro mal estacionado do vizinho, xingam o lixo mal posicionado, reclamam do som alto do cara ao lado, mas não se policiam para falar baixo ou baixar o próprio volume do som nos inúmeros finais de semana de farra. Maldizem a vida alheia como ninguém, mas se descobrem que alguém ousou fazer fofoca de suas particularidades, o barraco está formado. Vivem uma realidade hipócrita, repleta de contradições, mas se blindam por trás de uma couraça carrancuda, da qual usam para hostilizar o outro, porém se julgam imunes ao revide. É curioso perceber, no entanto, que em muitos deles a valentia de suas posturas é mais um mecanismo de defesa, do que propriamente dito uma arma de agressão.

Dessa paupérrima análise feita por mim sobre esses tipos, percebi que, de perto, são pessoas extremamente machucadas pela vida. Seres que tiveram perdas imensuráveis e se empedraram em si mesmos. Por essa razão, não conversam para não terem suas dores reveladas. Mais difícil do que viver com elas é desmascarar suas essências. Se aproximar já é um obstáculo enorme. As pessoas briguentas são fechadas em seu mundo, partilham de poucas ou quase nenhuma amizade. São avessas ao contato íntimo com o outro. Geralmente, afastam até parentes e familiares. Personificam o chato como se alertassem “não se aproximem de mim.” Funciona. Muitas pessoas abandonam esses indivíduos por considerarem impróprios para o convívio social. Nos tempos de exaltação dos egocentrismos, onde o eu é alçado ao patamar de máxima importância, se o outro não vale a pena o esforço, é rapidamente descartado. Daí, ao invés de atenuar o perfil da pessoa difícil, estamos ainda mais dificultando as chances dela de se reintegrar entre os “bons”.

Confesso que ainda tenho pavor de pessoas assim. Todavia, nos casos em que é preciso manter uma relação de convivência com elas, me esforço para entende-las e busco o porquê de tamanha cólera em situações da qual a sensatez poderia entrar em cena. Quanto mais vou derrubando suas resistências, descubro as razões de tanta violência: é o medo. Tememos parecer frágeis nessa selva humana onde, para sobreviver, precisamos nos atacar mutualmente para nos defender e aos nossos. Uns usam da elegância como artifício. Outros, por razões diversas, encontram literalmente no grito as ferramentas para se resguardar. Acredito que a psicologia deve ter uma explicação mais aprofundada sobre esse perfil, do que essa pormenorizada reflexão feita por mim até aqui. De qualquer forma, caso não haja jeito, permita-se vasculhar a pedra bruta que reveste a personalidade dessas pessoas e se surpreenda ao revelar seus lindos diamantes escondidos. Não será fácil. É trabalho de ourives mesmo. Mas, se o convívio com elas for inevitável, valerá o esforço. Você perceberá que dividir a rotina como pessoas difíceis é uma tarefa complexa, mas, antes de tudo, é um convite à evolução, dela e nosso.



"Estude para ser alguém na vida, disseram. Estude para ter sucesso na vida, disseram. Estude para dar certo na vida, disseram. Mas era tudo mentira!", desabafou a moça estudiosa na sua rede social favorita. Fiquei me perguntando por quanto tempo eu também admiti esse pensamento na minha vida de estudante; desde quando ainda nem sabia o que era vestibular, bem naquela época em que a escola começava a nos servir na colher de chá a ideia de que só um caminho era possível - o do sucesso. Um pouco mais adiante, as colheres de chá foram substituídas por colheres de sopa, que foram trocadas por xícaras, e copos, e garrafas, e baldes... até que nos víamos - todos - mergulhados em livros, cadernos, anotações, regras, padrões, provas, exames e cobranças, mas nem sabíamos direito para quê. Ah, sim: o sucesso!
E o que é sucesso para um jovem da classe média brasileira? Ou melhor: o que é possível se admitir como sucesso aqui na nossa bolha dos privilegiados por uma educação de base tão arcaica quanto as celas carcerárias deste novo século?
Sucesso é ter conforto, papai. Sucesso é ter dinheiro o suficiente para viajar ao exterior pelo menos uma vez por ano. Sucesso é poder pagar empregada doméstica, ter portaria 24 horas, manter um carro por membro da família, frequentar restaurantes agradáveis, ter uma câmera bacana para tirar fotos ainda mais bacanas e filtrá-las no Instagram. Sucesso é pagar uma escola boa para os filhos poderem trilhar um caminho bem parecido com o nosso, mas talvez com um pouquinho mais de privilégios, afinal de contas, é por isso que trabalhamos por tantos anos, não é mesmo? Para que meus filhos possam gozar mais do que eu pude.
Daí, nós, que não nascemos em berço de ouro, vemo-nos obrigados a suar em cima de livros para 'correr atrás do privilégio perdido'. "Você não nasceu rico, tem que estudar!". Mas... por quê? Para ser alguém na vida? Oi? Sério mesmo que eu não sou alguém ainda? Mesmo, mesmo? Jura, juradinho? Verdade que a luz que brilha dentro do meu coração desde o momento em que fui concebida não é o suficiente para fazer de mim alguém? Então, tenho de ser alguém na vida... estudar para ser alguém na vida... mas, na vida de quem?
Queremos dar certo, queremos orgulhar nossos pais, precisamos prestar contas à sociedade, e não tem nada de errado nisso. O problema é depositar em agentes externos - como o estudo - a solução para objetivos de vida que moram dentro dos nossos corações. Nós crescemos acreditando que o sucesso está lá fora, longe, bem no alto de uma montanha muito difícil de se escalar - e, se você não nasceu rico, tem de se esforçar muito para chegar lá. O problema é sermos adestrados a acreditarmos que ainda não somos alguém e que nunca seremos se não passarmos no vestibular e termos um "bom" emprego. O problema é chegarmos à fase adulta tão perdidos, tão distante de nós mesmos, tão sem identidade, que mesmo diante de conquistas materiais, olhamo-nos no espelho e não sabemos quem somos. Nossa autoestima está abalada, não sabemos o que nos faz brilhar os olhos, não queremos tomar decisões. Estamos dançando descompassadamente entre o acúmulo de troféus e a lembrança de que há milhões de pessoas passando fome por aí. Não sabemos equilibrar nossas forças; encontramos o 'lá fora', mas perdemos o 'aqui dentro'. E, de repente, tudo dói muito: porque tudo ainda precisa ser um passo para chegar ao sucesso, para ser alguém, para dar certo na vida, enfim.
A notícia boa é que você já é alguém na vida, talvez você só tenha perdido o caminho de volta a si mesma(o). Pode ser que você esteja tentando encontrar aquela luz que brilhava na tenra infância, mas há tantos troncos e galhos e entulhos jogados pelo caminho que parece não haver nada do outro lado, do lado de dentro; mas há. Há alguém com o coração cheio de respostas, precisando ser esvaziado um pouco para caber mais amor. Há uma alma dourada pulsando por debaixo do barro seco por meio do qual você permitiu que te moldassem até agora. E se este texto está fazendo sentido, feche os olhos e sinta: a primeira rachadura deste barro acabou de se abrir dentro de você.
A notícia ruim é que a moça estudiosa do início da nossa história tem toda razão. Era tudo mentira: estudar não leva ninguém a lugar nenhum. Estudar não leva ao sucesso, que não leva ao dinheiro, que não leva ao conforto, que não leva a dar certo na vida, que não leva você a ser alguém. Você já é alguém, e é exatamente por isso que estudar não vai te levar a lugar nenhum: o que vai te levar - seja fora, seja dentro, seja em frente - são suas pequenas decisões do dia-a-dia.
Isso não significa que não vale a pena estudar, nem ganhar dinheiro, nem querer conforto e todos esses etecéteras com os quais você já está acostumada(o). Mas é preciso, sim, sabedoria para perceber que o estudo é mais do que a ponte de acesso ao pote de ouro no fim do arco-íris. Estudar é dedicar seu tempo, bem como seus corpos físico e espiritual para aprender algo que vai transformar a sua vida quando você colocar esse algo em prática. Estudar é ler com prazer, é observar-se sem julgamento, é analisar com parcimônia, é modificar com amor. Estudar é despertar neste alguém que já existe aí dentro a força da revolução interna que vai beneficiar todos os seres à sua volta assim que seu coração sentir que está pronto para revolucionar.
Por isso, o que vai levar você a algum lugar não é o estudo. O que vai te levar a todos os lugares - de todos os mundos - é você


Visto no: Obvious


Como podeis comprar ou vender o céu ou o calor da terra? Tal ideia é-nos estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou da refulgência da água, como podeis então comprá-los? Cada quinhão desta terra é sagrado para o meu povo; cada folha radiosa de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do pele-vermelha.
            O homem branco esquece a sua terra natal, quando, depois de morrer, vagueia por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta terra formosa, pois ela é a mãe do pele-vermelha. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os cumes rochosos, os eflúvios da planície, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem, todos pertencem à mesma família. 
            Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar a nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar onde possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a vossa oferta de comprar a nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.
            Esta água cristalina que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas também o sangue dos nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de vos lembrar que ela é sagrada e tereis de ensinar aos vossos filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os feitos e as recordações da vida do meu povo. O rumorejar da água é a voz do pai do meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam a nossa sede. Os rios transportam as nossas canoas e alimentam os nossos filhos. Se vos vendermos a nossa terra, tereis de vos lembrar e ensinar aos vossos filhos que os rios são irmãos nossos e vossos, e tereis de conceder aos rios o afeto que daríeis a um irmão.
            Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um quinhão de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é vossa irmã, mas sim vossa inimiga, e depois de a conquistar, partis, indiferentes, deixando para trás os túmulos dos vossos antepassados. Arrebatais a terra das mãos dos vossos filhos e não vos importais. Esquecidos ficam as sepulturas dos vossos antepassados e o direito dos vossos filhos à herança. Vós tratais a vossa mãe (a terra) e o vosso irmão (o céu) como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelhas ou missangas resplandecentes. A vossa voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.
            Não sei. Os nossos costumes diferem dos vossos. A visão das vossas cidades causa tormento aos olhos do pele-vermelha. Mas talvez tal aconteça por ser o pele-vermelha um selvagem, que nada compreende. 
            Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há um lugar onde possa ouvir-se o desabrochar da folhagem na Primavera ou o vibrar das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por eu ser um selvagem que nada compreende; o ruído parece apenas insultar os ouvidos. E que vida será a de um homem que não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, à noite, a conversa dos sapos em volta de um pantanal? Sou um pele-vermelha e nada compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento a pairar sobre uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou rescendendo a pinheiro.
            O ar é precioso para o pele-vermelha, porque todas as criaturas o partilham: os animais, as árvores, o homem.
            O homem branco parece não compreender o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se vos vendermos a nossa terra, tereis de vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha o seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se vos vendermos a nossa terra, devereis mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, cingido pela fragrância das flores campestres.
            Desse modo, vamos, pois, considerar a vossa oferta para comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, colocarei uma condição: o homem branco deverá tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
            Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de búfalos apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco, que os abate a tiros disparados do comboio em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o búfalo que nós, os índios, matamos apenas para nos alimentarmos.
            O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.
            Deveis ensinar aos vossos filhos que o chão que pisamos são as cinzas dos nossos antepassados. Para que tenham respeito pelo país, contai aos vossos filhos que a riqueza da terra é a vida da nossa família. Ensinai aos vossos filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é a nossa mãe. Tudo quanto fere a terra, fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.
            De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a teia da vida: ele é meramente um fio dessa mesma teia. Tudo o que ele fizer à teia, a si próprio o fará.
            Os nossos filhos viram os seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo ociosamente, envenenando o corpo com alimentos adocicados e bebidas embriagantes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias, eles não serão muitos. Mais algumas horas, menos uns Invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
            Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos os sonhos do homem branco; se soubéssemos quais as esperanças que transmite aos seus filhos, nas longas noites de Inverno; quais as visões do futuro que oferece às suas mentes, para que possam formular desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós um enigma, e por serem um enigma, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez possamos viver os nossos últimos dias conforme os nossos desejos. Depois que o último pele-vermelha tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar sobre as pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe.
            Se vos vendermos a nossa terra, amai-a como nós a amamos. Protegei-a como nós a protegemos. Nunca esqueçais de como era esta terra quando dela tomastes posse. E com toda a vossa força, o vosso poder e todo o vosso coração, conservai-a para os vossos filhos, e amai-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, e esta terra é por Ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar este nosso destino comum.
            Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode evitar este destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver. De uma coisa sabemos, e talvez o homem branco venha, um dia, a descobrir também: o nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgueis, agora, que O podeis possuir do mesmo modo que desejais possuir a nossa terra. Mas não podeis. Ele é Deus da Humanidade inteira, e a Sua piedade é igual para com o pele-vermelha como para o homem branco. Esta terra é amada por Ele, e causar dano à terra é desprezar o Seu criador. Os brancos vão também acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuais a poluir a vossa cama e haveis de morrer uma noite, sufocados pelos vossos próprios desejos. 
            Porém, ao perecerem, vós outros caminhais para a vossa destruição rodeados de glória, inspirados pela força de Deus que vos trouxe a esta terra e que, por algum especial desígnio, vos deu o domínio sobre ela e sobre o pele-vermelha. Esse desígnio é para nós um mistério, pois não entendemos por que exterminam os búfalos, domam os cavalos selvagens, enchem os locais recônditos das florestas com a respiração de tantos homens, e mancham a paisagem exuberante das colinas com fios falantes. Onde está o matagal? Destruído. Onde está a água? A desaparecer. Restará dizer adeus às andorinhas e aos animais da floresta.
            Este é o fim da vida e o começo da luta pela sobrevivência.



Trabalhar é inversamente proporcional ao prazer e diretamente proporcional à necessidade. Porém, esta equação pode ser revista quando conseguimos destrinchar o porquê de algumas atividades trabalhistas serem tão maçantes, enquanto outras parecem se encaixar perfeitamente naquilo que sonhamos. De fato, em algum estágio de nossas vidas, questionamos se certas tarefas se enquadram com o nosso perfil, ou se estamos exercendo-as meramente levados pela ausência de outras oportunidades melhores. Enquanto não batemos o martelo, investimos tempo, dinheiro e energias em carreiras desprazerosas, aprisionando-nos às vezes a vida toda em um emprego que não necessariamente valoriza as nossas reais potencialidades. Então, sem perceber, aquela paixão pelo trabalho se transforma em ódio, quando, na verdade, o odioso era o emprego.  

Em algum momento das nossas carreiras muitos de nós faz ou passa por essa inversão. Eu sou uma prova disso. Desde quando decidi entrar para a área da licenciatura, fui bem orientado do quão difícil seria me tornar professor numa sociedade que não privilegia a educação. Ciente dos riscos, resolvi arriscar. Deu certo. Continua dando. Mas, há pouco mais de um ano, uma série de projetos, entrada e saída de colégios/cursinhos, colocaram à prova a minha vocação. Tamanho desestímulo me fez conjecturar abandonar a área abruptamente. Não consegui. Após um período sabático de intensa saturação, percebi que o meu problema não estava necessariamente no meu trabalho, mas nos empregos onde eu o exercia. Ou seja, eu passei a odiar o que fazia motivado pelo descrédito dado ao meu fazer, por pessoas que nem eram habilitadas para opinar a respeito do que é ou não adequado de se realizar dentro de uma sala de aula.

Quando a ficha caiu, notei que não era o único. Há muitas pessoas que passam por essa espécie de crise existencial trabalhista. São indivíduos que se veem desmotivados a continuar a exercer o ofício do qual foram preparados a ocupar. Evidentemente que as razões para isso são inúmeras. A principal delas, sem dúvidas, é a falta de reconhecimento financeiro. Por mais amor embutido numa determinada área, é preciso prestigiar o profissional a continuar produzindo e, para isso, valorizar suas potencialidades através de uma bonificação ajudaria a manter aquele funcionário em destaque e cada vez mais apto a por a empresa à frente. Em tese isso é lindo, mas na prática não acontece. Muitos de nós, por mais empenhados e qualificados que sejamos, ficamos insatisfeitos com o invisibilidade direcionada pelos nossos superiores ao trabalho que estamos exercendo.

Então, rebaixado ao patamar de insignificância, nossos talentos passam a se personificar naquele emprego. Logo, quando menos imaginamos, estamos odiando fazer o que antes era de extremo prazer realizar. Em tempos de crise política/econômica, reformas trabalhistas e da previdência, desemprego, suspeito que esse panorama tenda a crescer. Soma-se a isso a enorme competividade, os constantes desvios de função, o crescimento de atividades informais, os longos processos trabalhistas aglomerados na justiça, práticas neoescravistas, tem-se mais ingredientes para frustrar qualquer profissional. Por essas razões, a Geração Z é a mais dinâmica, no que se refere a criação e inserção de novos trabalhos, mas, ao mesmo tempo, é a mais despreocupada com a necessidade de criar uma carreira, da qual fincar raízes durante décadas numa empresa seja o seu ideal de vida. O que esses jovens querem é levar seu amor pelo que fazem ao extremo, não se limitarem a um ramo cuja função pode transformar esse sentimento em ódio.

Eles estão certos. Infelizmente, porém, nem todos possuem essa flexibilidade. A massa trabalhadora, alicerçada em um modelo educacional despreparado para o mercado de trabalho, é lançada a funções degradantes, de parcial ou total subserviência. São empregos com longas horas de labor, com pouco descanso, muita competitividade, em precárias condições de saúde e baixíssimos honorários. Sem muita qualificação, muitos se agarram a essas oportunidades inconscientes dos ônus psicológicos que elas trarão num certo prazo, quando a frustração bater à porta. Os mais destemidos ainda se aventuram em concursos públicos, em busca de uma estabilidade de vida. Não vejo nada de errado nisso, mas não é uma garantia de satisfação trabalhista plena. Significa apenas ter um dinheiro certo todo mês na conta, porém, não impede que dissabores diários venham perturbar nosso sono.

Não raro, muitas pessoas abandonam carreiras promissoras para se arriscar abrindo um negócio próprio, ou simplesmente mudam de emprego, e para surpresa, descobrem que não odiavam o último trabalho, mas a falta de condições oferecidas pelo emprego para exercê-lo. São advogados que resolvem virar chefes de cozinha; executivos que trocam salas de ar condicionado pela liberdade de ter a própria empresa em casa; mais comum ainda são casais inverterem os papeis, com mulheres trabalhando fora e os maridos em casa cuidando dos afazeres domésticos, e tudo bem com isso para ambas as partes; pessoas que conciliam seus cargos públicos com projetos paralelos ligados à arte, cultura e entretenimento em geral, atividades que aliam satisfação pessoal e remuneração extra. São muitas as probabilidades. Pelo visto, porém, em todos os casos, vale mais a satisfação de estar bem com a atividade destinada a ser feita, do que apenas estar assegurado financeiramente nesse sentido. Todavia, quando uma coisa está aliada outra é um atrativo a mais.

Por isso, é tão pertinente saber escolher bem o que se quer fazer. Diante do leque de opções existente, parece que a escolha se torna ainda mais complexa, sobretudo entre os jovens. Entretanto, esse mesmo grupo tem nos ensinado que através da dúvida é possível chegar ao denominador comum, encontrando um trabalho que dignifique nossas potencialidades, e não apenas focado no quesito financeiro. O dinheiro é o resultado do nosso empenho, quando nos dedicamos com afinco a exercer uma determinada função sem focar necessariamente no que receberemos, mas na satisfação de ver nosso talento ser reconhecido. Então, quando isso ocorre, naturalmente seremos bem recompensados. Todavia, para isso, precisamos encontrar o que nos motiva a trabalhar e, em seguida, achar um emprego onde essa motivação será valorizada. Em meio a tanta oferta, bateremos em portas erradas. Mas não podemos sucumbir. Qualquer frustração poderá desacreditar aquilo que acreditamos sermos capazes de fazer. Então, caso o erro seja inevitável, odeie o seu emprego mas não destine o mesmo sentimento ao seu trabalho.

Não desqualifique aquilo que pertence unicamente a você diferenciando-o dos demais, seu talento.



Gostar é muito relativo.

Gostar de alguém é sentir um frio na barriga, mas manter os pés no chão. Gostar é querer estar junto, mas sem descartar outras oportunidades. Gostar é beijar, mas de vez em quando, abrir os olhos discretamente para conferir o ambiente. Gostar é abraçar forte, mas não por muito tempo. Gostar é se dedicar, mas com limites impostos. Gostar é querer ter, mas não ser seu. Gostar é querer dormir junto, mas acordar cedo no dia seguinte para outros compromissos.
Gostar é sair, mas voltar para o trabalho pontualmente. Gostar é admirar as qualidades, mas ainda reparar nos poucos ou pequenos defeitos. Gostar é andar de mãos dadas, mas não sentir segurança. Gostar é dividir o chocolate preferido, mas ainda assim, ficar com a maior parte.
Gostar é passar o domingo juntos, mas fazer planos mirabolantes na segunda-feira. Gostar é tirar do sério, mas com finalidade de testar o ponto fraco do outro. Gostar é frequentar a sua casa, mas com o status de estarem se conhecendo. Gostar é fazer planos, mas não ultrapassar mais de três dias. Gostar é viajar, mas sentir saudade do que ainda não acabou.
Gostar de alguém é como ter o jogo ganho, mas faltar uma carta. O verbo gostar traz consigo muitas incertezas e, ao mesmo tempo, muitas descobertas. Gostar de alguém é um risco do desconhecido.

Ao se apaixonar, você enlouquece.

Depois de conhecer um pouco esse alguém, as atitudes e as vontades acabam ficando completamente incontroláveis. A paixão é um sentimento que descontrola qualquer racionalidade. As emoções explícitas são a principal marca dessa sensação.
Se apaixonar por alguém é sinônimo de entrega absoluta. Os erros se tornam acertos, o longe se torna perto, o tarde se torna cedo, a noite se torna dia, a pobreza se torna riqueza, o frio se torna calor, o ruim se torna bom, a fome se torna saudade, o sono se torna pensamentos.
Se apaixonar por alguém é se perder, ou se encontrar por alguém.
Se apaixonar é sentir o sangue correr nas veias e sentir arrepios com simples toques. Se apaixonar é descobrir qualquer tipo de alegria na dor, é expressar através do olhar o que as palavras não são capazes de traduzir. Se apaixonar é perder prazos, horários e tarefas importantes. Se apaixonar é se doar, é correr contra o tempo, é se permitir e sem restrições, deixar transparecer o melhor que você possa ser.
Se apaixonar é tirar a roupa sem pensar duas vezes. Se apaixonar é curtir todos os momentos, e em cada brecha, encontrar uma chance para satisfazer os desejos. Se apaixonar é agir por impulso e depois arcar com as consequências, boas ou ruins. Se apaixonar é sentir um tesão incontrolável, é deixar a vontade carnal sobressair ao seu juízo. Se apaixonar é suar, tremer, gritar, gemer, arranhar, morder.
Se apaixonar é ficar cego. E só depois de incendiar todas as labaredas, tentar se acalmar e fazer de tudo para manter todas as chamas acesas.

Amar alguém é ter todas as certezas de uma só vez.

Amar alguém é viver o presente, absorver o melhor do passado e planejar o futuro. Amar alguém é transformar os sonhos em realidade. Amar alguém é cuidar, zelar e proteger. Amar alguém é não ter dúvidas. Amar alguém é transformar uma briga em um ensinamento. Amar alguém é criar laços, ter filhos, envelhecer lado a lado. Amar alguém é resistir a todas as tentações, desavenças, crises, ciúmes, egoísmo. Amar alguém é surpreender, é presentear. Amar alguém é deixar claro o quanto essa pessoa é essencial, é dizer o quanto tudo mudou desde que ela se fez notável, é não ter vergonha de demonstrar qualquer afeto.
Amar alguém é se libertar, compartilhar e somar. Amar alguém é oferecermos toda a nossa bagagem de experiências, para conhecer e compreender o outro. Amar alguém é fazer essa pessoa feliz, proporcionar noites de sono tranquilas, é suprir todas as necessidades. Amar alguém é estender as mãos, apoiar, contrariar, mas nunca abandonar.
Amar alguém é trabalhar a paciência. É ressaltar a persistência e provar toda a sua determinação. Amar alguém não é um sacrifício, é sentir-se leve. Amar alguém não é se prender, é ter muitas opções e ainda assim, escolher ficar.
Amar alguém é abrir mão do seu amor. Amar alguém, às vezes, pode ser a sua pior dor. Amar alguém é uma ferida que nunca vai cicatrizar ou deixar de existir. Amar alguém é carregar consigo a pessoa, por onde quer que você esteja. Amar alguém é, em alguns casos, uma renúncia. Amar alguém é querer esquecer, e não conseguir. Amar alguém é decisão do seu coração, e não uma opção indicada pelo seu dedo. Amar alguém não é responsabilidade do cupido, é a sentença que precisa ser cumprida. Amar alguém é confiar, transmitir segurança e não medir esforços.
Amar alguém é deixar a pessoa partir, e ainda assim, fazer de tudo para ela voltar. Amar alguém é sofrer calado ao ver que esse amor, não é mais seu. Amar alguém é ser repetitivo, tanto nas lágrimas que insistem em escorrer, quanto nos assuntos recorrentes. Amar alguém é perdoar e ceder.
Amar é precisar desistir, é perder todas as forças, mas continuar insistindo.
Em todos os casos mencionados acima, eu não prometo um final feliz. Afinal, os sentimentos são como o mar: seduzem e depois podem afogar. De qualquer forma, a regra é clara: o que me oferecerem, eu ofereço três vezes mais.
Visto no: Jéssica Pellegrini


“Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui”

            Tenho uma relação mística com a palavra, sobretudo quando ela vem elaborada através de textos. Depois que me tornei professor, esse contato se tornou cada vez mais íntimo. Sem querer e, muitas vezes nem procurar, os textos me achavam, seja por alguém que me enviava, seja eu mesmo que encontrava praticamente ao acaso. De tanto isso acontecer, confesso que parei de ir atrás deles. Prefiro que eles me achem, e sentir o prazeroso sabor daquelas palavras vindo ao meu encontro. Neste último texto do ano não seria diferente. Os versos acima são de uma canção do Legião Urbana encontrados como quem não quer nada, porque nem sequer conhecia esta canção. Porém, este trecho retrata bem o meu estado emocional vivido em sala de aula em 2017, sequelas trazidas de um ano antes e que eu achava ter sido superadas.
            Certamente eu não sou daqui e não estive aqui o ano todo, mesmo que me fizesse presente fisicamente. Minha mente, força, alma, energia, foco, vitalidade, estavam pairando em outro lugar. Sei que muitos de vocês perceberam a minha ausência e, talvez, sentiram falta do referencial antigo. Acreditem, eu também sinto. Entretanto, é complexo demais lidar com o emocional do outro, sobretudo quando este está fragilizado por dentro, mas precisa criar uma couraça, ainda que frágil, para se manter de pé dando continuidade à vida. Não espero que compreendam isso, tão pouco me arrependo do que poderia ter sido feito e não foi. Acredito que arrependimento é o escudo da covardia para não admitir nossa culpa individual. Então, me nego a usar deste artifício como justificativa. O que foi feito está aí, sob medida por quem mediocremente precisava respirar fundo para não desistir no meu do caminho.
            Não posso negar que pensei várias vezes em sucumbir neste trajeto que escolhi seguir, mas havia três coisas que me mantinham firme, diante de um propósito que ainda desconheço: as pessoas que acreditavam em mim, os alunos e meus textos. Cada um desses elementos recarregava minhas energias, acreditando em mim quando eu não era mais capaz de fazê-lo. Em muitos momentos, quando o fracasso me convidava a abandonar tudo, eis que um amigo dizia “vá em frente, eu estou contigo”; um aluno (a) me dava um abraço do nada, ou simplesmente dizia algo que me tocava profundamente ao afirmar que “tinha mudado o jeito de pensar depois das minhas aulas”. Tudo isso nutria meu eu à espera de dias melhores, na esperança que os fantasmas do passado me deixassem em paz e a vida seguisse seu rumo natural. Porém, certas dores não se dissipam facilmente e nos consomem pouco a pouco até só restar uma sombra do que fomos um dia.
            Todavia, sem querer minhas frustrações foram ampliadas por estar em descompasso com vocês alunos, num ano decisivo para suas vidas. Época desafiadora para quem mal começou a viver. Para fazer vestibular, precisamos abdicar de muita coisa. Os amigos antigos deixam de ser visitados, não há tempo para os parentes, conversas com familiares, tão pouco relacionamentos amorosos. Tudo gira em torno de livros, exercícios, redações, ler, reler e aprender o máximo que der para estar preparado no final do ano. Evidentemente que em meio a tudo isso nosso cérebro surta. Achamos que não estamos estudando o suficiente. Daí, a tristeza se apossa e pensamos em desistir de tudo. Muitas pessoas próximas, até aquelas que amamos, passam a duvidar do nosso potencial. Nós mesmos nos desacreditamos e vamos nos boicotando silenciosamente, deixando que o “será que eu vou conseguir” penetre em nossas metas. Aí vem o cansaço, o estresse, as noites de sono, os conteúdos atrasados, tudo parece convidativo ao fracasso e muitos de nós encurtam os sonhos no meio do caminho.
            Os mais valentes, porém, enfrentam tudo em prol de um propósito maior, existente dentro de cada um dos corações aqui presentes. Por mais que digam que você não vai conseguir, que o curso que você deseja não faz seu perfil ou é muito concorrido. Por mais que afirmem que você passou da hora de entrar na faculdade e insistam em te fazer pegar um caminho mais fácil, por mais que essa seja sua segunda, terceira, quarta, quinta tentativa e muitos duvidem da sua vitória, só você sabe do tamanho do sonho enjaulado em seu peito e de como este desejo alimenta sua vontade de vencer. Na verdade, realizar este sonho te ajudará a ser uma pessoa melhor, não apenas por exercer um cargo X ou Y na sociedade, mas por te fazer ser alguém frente aqueles que não acreditaram no seu potencial. É a resposta aos seus anseios mais profundos, o alívio depois de um ano inteiro investindo suas energias em se superar, a certeza de que é possível conquistar quaisquer objetivos quando se faz isso em prol de um bem maior.
            Passar no vestibular é tudo isso. É ser o orgulho dos pais, que mesmo não acompanhando o nosso progresso por causa do trabalho, ficarão orgulhosos em saber que aquele filho (a), que ele viu crescer e fez de tudo o que pode para ajudar, entrou na universidade por mérito próprio. Passar no vestibular é retribuir a esses pais todo o investimento feito por eles. É estreitar laços rompidos. É provar para eles que você pode ser rebelde, malcriado, às vezes pode parecer perdido, mas que pode ser responsável e comprometido com o futuro seu e o deles. Passar no vestibular ajuda a cicatrizar feridas familiares. Representa o cumprimento de uma etapa primordial de nossas vidas. Serve de parâmetro para uma vida melhor, em múltiplos ângulos. Você passará a ser o exemplo da família, dos amigos, vizinhos. Nunca mais será o mesmo após a universidade, pois o universo acadêmico mexe com nossas certezas e semeia ainda mais dúvidas a serem respondidas quando sua formação se concretizar.
            Até lá ainda tem o último obstáculo, o vestibular. E antes que você duvide da sua capacidade, faça uma breve reflexão do seu percurso até aqui. Relembre tudo o que você passou, todas as noites em claro, as horas sem comer, a ausência em festas e encontros com os amigos. Recorde de todas as pessoas amadas que você precisou deixar de lado para estar grudado nos livros. Não se esqueça dos gastos, dos sacrifícios feitos por você, pais e familiares, para a realização deste sonho. Lembre-se das aulas assistidas, de todo o aprendizado, daqueles conteúdos que marcaram sua mente e desconstruíram suas certezas, dando lugar a uma mente mais aberta e dinâmica. Olhe para o lado e veja cada pessoa incrível que você conheceu esse ano, algumas estarão presentes para além do pré-vestibular. Relembre os sorrisos, as conversas na cantina, dos desabafos nos corredores, das dicas trocadas e de quão positiva foi esta sintonia durante um ano inteiro de aula. Ao fazer isso, energize-se e vá confiante arrasar no Enem, sabendo que cada fragmento vivido este ano será de grande valia para esta prova.
            A mim, meu muito obrigado por estarem comigo este ano quando eu mesmo não estava. Obrigado por acreditar neste projeto, cuja forma ainda está em construção. Obrigado por confiarem seus destinos a nós. Lamento muito minha ausência nesse processo, mas, sem arrependimentos, pois minha parte humana precisava falhar para reconhecer o quão frágeis somos quando perdemos aquilo que acreditamos. E eu perdi muita coisa, contudo estou, semelhante a vocês, em busca de outras. O que me conforta é saber que compartilhamos dessa energia e temos o porquê, o para que e por quem continuar lutando. Sinto-me como no verso da canção que começou este texto, que “quase não sou daqui”, e o que é meu, o meu lugar, o meu destino, a minha vida será transformada para melhor logo ali na frente. Isso não será diferente com nenhum de vocês. E o que me tranquiliza é saber que, apesar das minhas lacunas esse ano, no dia 5 de novembro, quando a ansiedade dominar a pulsação dos seus corações, só respire fundo, feche os olhos e abra a prova, que eu estarei lá nas suas mãos. Você sentirá a minha presença em cada palavra. Então, apenas escreva a sua história.

            É o máximo que te desejo do mínimo que te ofereci.


Do ser errante, Diogo Didier