Eu só peço 5 minutinho da atenção de vocês
Um dia encontrei uma amiga da minha mãe chorando de
forma tão desesperada que tive certeza que um de seus filhos havia morrido. Meu
coração foi à boca. Sabendo que todos estavam vivos, comecei a perguntar-me
qual deles teria descoberto que sofria de uma grave doença. Nenhum. O choro da
mãe era porque um dos filhos tinha revelado ser homossexual naquela manhã.
Eu não vou dizer que vocês, pais de filhos gays, não
tenham razão para se preocupar. Têm sim. Todos os pais têm. Preocupar-se é a
mais natural das características dos pais. Preocupam-se com a nossa
alimentação, com os nossos agasalhos, com nossos estudos e, sobretudo com a
forma como as pessoas que povoarão nosso caminho nos tratarão. E, sim, nesse
ponto eu entendo a preocupação dos pais de um filho gay. Porque tem muito
imbecil por aí. Mas o mais importante é que os primeiros imbecis desse caminho
não sejam os próprios pais dessa pessoa.
Não escrevo este texto para os pais que acham que ser
gay é uma ofensa a Deus, uma vergonha, uma aberração ou uma simples opção de um
filho. Neste nível de ignorância eu acredito que seja inútil tentar penetrar.
Escrevo esta carta, de coração, aos pais que não sabem bem como agir. Aos que
teoricamente aceitam-nos, ou pelo menos pensam aceitar. Escrevo também aos pais
que suspeitam ter um filho homossexual e não sabem por onde ir. Escrevo aos
bons pais, que se esforçam para apoiá-los e que estão dispostos a fazer o
melhor que podem.
O fato é que existem muitas léguas de distância entre o
ato de aceitar e o ato de acolher. Entre a mera tolerância e a necessária
compreensão. Entre o mero olhar sem censura e o tão esperado abraço que diz “eu
te aceito, te acolho, te amo e me orgulho de você, independentemente de
qualquer coisa”. Aceitar não é tudo. É só um primeiro passo.
Lembro-me bem da madrugada na qual um namorado terminou
um relacionamento de 7 anos comigo. Destruída, fechei a porta para ele ir
embora pela última vez e corri para o quarto dos meus pais, às 3 da manhã. Eu
sabia que não estava sozinha e que a minha dor seria suportada por eles. Eu
sabia ter rede. Já um amigo, gay, quando sofreu a mesma dor, foi chorar no
banho. Saiu do banho olhando para baixo, fechou-se no quarto, esperando que
seus pais- que aceitam sua homossexualidade- não perguntassem nada. Porque eles
nem sabiam que ele vivia um relacionamento estável que já durava cerca de 3
anos.
A questão é: até quando tantos pais esconderão a poeira
debaixo do tapete? “Seja gay, a gente tolera, mas saiba que nunca trataremos
isso com naturalidade”. Esse é o discurso que ninguém diz e que segue velado em
tantas famílias. É preciso abrir este caminho, mostrar aos seus filhos que
vocês se interessam pela vida afetiva deles tanto quanto se interessariam pela
de um filho hétero. É preciso sair da zona de conforto, que foca as conversas
no trabalho, no dinheiro e nas amenidades, buscando fugir de tudo o que diz
respeito à homossexualidade em si.
Não tenha medo de perguntar quais são os lugares que
ele frequenta. Nem com quem ele vai, nem qual música toca. A vida de um gay não
é mais nem menos promíscua que a de um hétero. Não é a orientação sexual que
determina se a pessoa vai dormir com uma pessoa a vida inteira ou com 3 na
mesma semana. Isso não tem nada a ver com ser gay ou não. Tenho amigos gays
super caretas e amigas solteiras super liberais. Ninguém é melhor nem pior por
isso. Livrem-se destes dogmas.
Participe da vida do seu filho gay. Pergunte sobre seus
sonhos. Se ele quer casar, se vai querer festa, se vai querer um buquê, seja
ele homem ou mulher. Pergunte se ele sonha com filhos. Se vai querer adotar, se
pensa em inseminação ou numa barriga de aluguel. Pergunte se ele gosta daquelas
camisas brancas que você compra para ele ou se preferia que elas fossem
floridas. Pergunte à sua filha se ela se protege no sexo, ainda que saiba que o
tipo de relação que ela mantém não resulta em gravidez. Mostre que você se
importa e que o espaço de diálogo entre vocês pode ser cada vez maior.
Mostre ao seu filho que ele é muito mais importante do
que seus amigos conservadores. Mostre que você está disposto a abrir mão destes
seus “amigos” que ficam escandalizados com a homossexualidade, em respeito a
ele. Mostre que este tipo de gente não te interessa mais, porque quem julga que
seu filho não é bom o bastante por amar pessoas do mesmo sexo, merece todo o
seu desprezo.
Faça com que eles percebam que, por você, tudo bem se a
Tia Loló ficar chocada com o fato do sobrinho neto ser gay. Tia Loló deu sorte
de estar viva em 2016 e ela precisa conviver com isso. Mostre ao seu filho que
você não está mais preocupado em poupar a Tia Loló, o Tio Tonico, a prima
Rosângela e seus trigêmeos, do que em fazer com que ele se sinta bem e livre na
festa de família pela primeira vez. Quando a Tia Loló perguntar “como vão as
namoradinhas do Rafael?” responda tranquilamente “é namoradinho, Tia Loló, ele
se chama Mateus, é engenheiro, um rapaz ótimo.”. Se a Tia Loló engasgar com o
amendoim, bata nas costas dela. Mas não bata no ego do seu filho,
trancafiando-o num eterno armário de vidro.
Você nunca deixou seu filho chorar sozinho quando era
criança. Você nunca se envergonhou do nariz escorrendo, nem da roupa suja no
fim do dia. Você sempre se orgulhou daquela criança e dizia para quem quisesse
ouvir “Sim! É meu filho!”. Por que isso haveria de mudar agora? Quais os
olhares que passaram a ser mais importantes do que os olhares de amor dele para
você e de você para ele? A quem você confere a legitimidade de julgar o seu filho
a ponto de te tornar omisso na vida dele? A quem você se rende para não
abraçá-lo da forma mais sincera e entregue?
Já é hora, mãe. Já é hora, pai. Acolham seus filhos de
forma integral antes que seja tarde demais. Não compactuem com mais choro no
banho, mais segredos, mais mentiras. Não abram mão de ouvir histórias boas,
histórias alegres, histórias de amor. Nem abram mão da convivência com seus
novos genros e noras.
Acima
de tudo, não permitam que a noção de “amor incondicional” torne-se uma farsa na
relação de vocês. Mostre ao seu filho todo dia que seu amor por ele é
infinitamente maior do que a miséria humana que julga, aponta e condena
determinadas formas de amar. Mostre ao seu filho que o mundo pode virar-se
contra ele, mas que seus braços serão sempre um lugar seguro onde ele é
bem-vindo por ser exatamente quem ele é.
Visto no: Estadão
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