26 janeiro 2016


O preconceito não escolhe hora, lugar, classe social e, pelo visto, nem cerimônia para se manifestar. A listagem do Oscar 2016 comprova essa máxima. Ao divulgar uma lista com seus concorrentes todos de pele clara, aquele evento anuncia para todo mundo ver que o racismo não está limitado as baixas classes econômicas, ou a um assombramento histórico, visto por muitos como ontológico. A diferenciação racial encontra terreno fértil, sobretudo nas camadas mais favorecidas, das quais o acesso a bens de consumo, inclusive a arte, são restringidos aos majoritariamente favorecidos: os brancos. Embora seja uma verdade quase que incontestável, há sempre aqueles contrários a existência do racismo, como tentativa de deslegitima-lo e/ou silenciá-lo. Muito embora seja impossível extirpar o preconceito da sociedade, e por essa razão o preconceituoso, é sempre pertinente resgatar a temática racial na esperança de desconstruir futuros preconceitos em torno desse assunto. Foi o que talvez despretensiosamente a polêmica do Oscar tenha feito.

Curiosamente, quando li sobre a hashtag #OscarsSoWhite, não culpei, a priori, os organizadores da cerimônia por não colocarem em sua listagem deste ano algum ator negro como possível concorrente a estatueta. Pensei que a banca não tivesse encontrado candidatos de cor a altura de competirem com atores de pele mais clara. Entretanto, por outro lado, conjecturei: por que isso ocorreu pelo segundo ano consecutivo? Será que por falta de atores competentes de pele negra? Não. Numa segregação racial menos velada do que a Brasileira, da qual negros e brancos não se homogeneízam, acharam por bem deixar isso ainda mais evidente ao excluírem atores e atrizes negros de sequer comporem o quadro dos seletos escolhidos da premiação 2016 do Oscar. O problema é que com essa atitude, o próprio Oscar ingenuamente deixa claro o que no Brasil já é uma realidade há tempos: a cultura erudita, bem como as consideradas “boas artes”, não estão abertas aos negros, muito menos em premiá-los. 


Evidentemente que essa demonstração de preconceito não passaria despercebida por outros artistas. O boicote foi a arma utilizada por atores, cantores e diretores de protestar nas redes sociais contra a soberania branca no Oscar. Achei a alternativa válida, sobretudo porque é no levante que nasce a discussão e, geralmente, a problematização do tema. É preciso falar sobre o racismo que corrompe vidas nos espaços público, privado e agora midiático internacional, já que aqui no Brasil isso já vem ocorrendo há anos em nossas telenovelas. Muita falação veio à tona, ao passo que muito preconceito foi jogado no ventilador até mesmo por algumas celebridades que classificaram o boicote como “racismo contra brancos”, alegando que a premiação do Oscar se dá por merecimento e não por melanina. Ora, é indubitável que os mais talentosos devem ser agraciados por seus méritos. Porém, é inquestionável o erro que há nos critérios de avaliação desse prêmio, dentre tantos outros, que há anos vem prestigiando, em sua maioria, celebridades brancas e quase ninguém questiona o porquê disso.

Fiquei pensando também nas implicações desse acontecimento por aqui onde o racismo é ensinado, naturalizado, midiatizado e institucionalizado. Lembrei imediatamente em filmes nacionais como Cidade de Deus e Tropa de Elite, dentre outros, cujo pano de fundo é a marginalização negra na periferia simplesmente mostrada e não aprofundada, colocando o espectador na posição de perpetuador dos discursos de sempre em torno dos negros. O reflexo disso é toda uma herança negra deturpada e obscurecida. É por isso que não se destaca a cultura desse grupo na mídia como se deveria. Quando o faz é com chacota, geralmente atingindo sua religião ou atribuindo-lhe o estereótipo do malandro. Falta também representatividade para romper esse discurso. Atores como Lázaro Ramos precisam suar muito a camisa para fugir desse padrão e conseguir algum destaque midiático que não se restrinja a novelas de época, tendo o negro interpretando mais uma vez o papel exaustivo de escravo. Casos como o dele, porém, são minúsculos se comparados com a quantidade imensurável de negros subalternizados dentro e fora da mídia. Fica claro que o que é de negro não merece ser reproduzido, tampouco premiado.


Ao segregar o negro ao patamar sempre de coadjuvante, isso quando este não é obscurecido totalmente, Hollywood, e porque não o mundo, impuseram a ele a criação de uma subcultura, nascida da revolta de um grupo desprovido de oportunidade de fazer e mostrar sua arte. No Brasil, não faltam exemplos nesse sentido. Da capoeira, ao Candomblé, do samba ao maracatu, do funk ao hip hop, os negros foram limitados a expressar sua arte em guetos e, a partir da intervenção branca, é que algo poderia ser alçado ao limiar de cultura de qualidade, como é o caso do samba. Ou seja, o que a cerimônia do Oscar fez não foi apenas limitar a presença negra em sua premiação, mas sim ratificar a limitação da mídia como um todo em retratar esse negro em sua tela, respeitando entre outras coisas a sua ancestralidade e herança cultural. Digo isso porque todas as vezes que uma minoria ganha espaço na grande mídia, surgi também as causas de um grupo, suas conquistas e demandas. É como se aquele indivíduo representasse mesmo que silenciosamente uma massa. Agora entendemos por que a ausência de negros entre os candidatos ao Oscar incomodou tanto nas redes sociais, pois muitos não se viram pertencendo ao padrão exposto pela premiação.

Esse foi o tiro pela culatra dado pela premiação. Acredito que eles pensaram que ao anular a presença negra da premiação, pela segunda vez consecutiva, não iria ser notada por aqueles que vivem o preconceito na prática. Depois de evidenciada a inescrupulosa ação do Oscar, o próprio evento se prontificou em fazer ajustes na premiação ao longo dos próximos anos, agregando com mais cuidado negros e latinos à premiação. Ora, com tal atitude, o maior prêmio cinematográfico do planeta assume para a grande mídia o equívoco cometido em selecionar apenas atores em uma indústria fílmica claramente heterogênea? Será que abrir uma “cota” para negros, dentre outras etnias, é a ideia mais acertada nesse sentido, do que reconhecer a cultura desse grupo, seus talentos, bem como a sua influência para formação cultural do mundo, trazendo tamanho legado para dentro da grande tela sem vitimismos nem pieguismos? Ou será que tudo isso não passou de mais uma estratégia de marketing para atrair mais holofotes para àquela celebração, da qual a vaidade é a única protagonista? Certamente, não é possível mensurar as reais intensões do Oscar diante ao espetáculo que se criou em meio a essa polêmica, mas é pertinente especular.


O cinema hollywoodiano é, sem dúvidas, uma grande indústria de arrecadação monetária. A festa do Oscar configura-se como o ápice dessa celebração. Toda publicidade a mais é bem vinda para atrair a atenção da mídia internacional para tal evento, cada vez mais previsível e repleto de clichês. Foi o que talvez toda essa polêmica tenha proporcionado ao Oscar: mais publicidade gratuita, dando visibilidade a festa que a cada ano tenta surpreender, mas peca pela previsibilidade nas premiações. Além disso, ao proporcionar, depois de protestos, uma fissura para que artistas negros tenham maior presença entre os futuros indicados a tal festa, não pense que estão fazendo isso para agregar valor ao Oscar. Pelo contrário, é mais uma tentativa fracassada da academia de não entender que não é preciso “facilitar” a entrada de qualquer grupo étnico no seio das mais aclamadas celebridades mundiais. Não é isso que os atores e atrizes negros estão buscando. Eles precisam de roteiros que os protagonizem cinematograficamente frente ao mundo externo, onde eles são figurantes de suas próprias realidades. Os artistas negros precisam ser premiados não pelo o que são, mas pelo que estão fazendo e vivendo em suas realidades, dentro ou fora da tela, bem como mulheres, gays, judeus, índios, pobres, dentre outras minorias, vivem suas mazelas e não as veem sendo devidamente representadas pelo próprio cinema.

Se não há uma representação real para esses grupos, nos quais o negro se tornou protagonista em 2016, o que será dos anos seguintes. Percebam que a mesma lista que cunhou a polêmica atual não contém nenhum artista pobre, gay, nem de descendência claramente indígena. Ou seja, o cinema que deveria ser responsável por prestar um serviço à sociedade - ao retratar a realidade além das metáforas existentes, contradições e exclusões-, com os recursos linguísticos/literários/artísticos capazes de repaginar aquelas realidades, numa outra mais possível, subversiva e transgressora, caminha à marcha ré disso ao impedir que tais dicotomias invadam as fronteiras do cinema afim de ressignificá-las. Em outras palavras, o Oscar deixa claro o desserviço das artes para com aqueles que historicamente foram, e ainda são, invisibilizados pela grande massa a partir de preconceitos históricos pré-concebidos, em um panorama educacional que não inclui, mas sim reproduz os estamentos de sempre sobre quem pode ou não fazer parte da seleta lista dos majoritários; assim como dos que podem ou não ser premiados com a estatueta brilhante.


A despretensiosa atitude do Oscar 2016 trouxe ao jugo popular a necessidade urgentíssima de se validar a cultura e herança dos negros no cinema, e nas artes em geral. É preciso resgatar o diálogo de que se precisa para entender melhor o que é o racismo, sua manifestação em públicos diversos, a participação dele nas mais diversas esferas sociais, para enfim lidar com esse problema da melhor forma possível no cinema. Mesmo que muito chorume tenha sido derramado em forma de palavra – já que não é possível impor limites para a ignorância alheia -, é na discussão entre mentes distintas que se encontram as armas para a construção de um debate mais salutar sobre esse e tantos outros temas. Talvez essa tenha sido a principal lição deixada por tudo isso: o empoderamento de diversas pessoas em prol de uma causa tão antiga, quiçá ultrapassada, mas que insiste em ressurgir para deixar bem claro como o ser humano é regredido no que se refere à questão racial. Também é válido mencionar o papel da grande rede em propagar os discursos que viralizam na internet causando uma grande repercussão e, com isso, possibilitando novos diálogos. Obviamente, tais discursos devem ser antes filtrandos, separando as impurezas da intolerância a qual infelizmente domina o meio virtual.

Ainda há muito a ser feito para que “falhas” como a do Oscar não voltem a se repetir. Como disse Viola Davis “a culpa não é do Oscar”. Concordo plenamente com ela. Porém, vejo esse evento como possível modificador dessa realidade e, ao invés disso, ele prefere reproduzir os mesmos dilemas da realidade. Por quê? Porque o preconceito insurge no desconhecimento. A academia não sabe o que é ser negro. Não conhece suas lutas e dissabores diários. Não vê a realidade com os olhos dessa minoria. Nem sequer sabe o que é ser minoria. Por isso é difícil reproduzir fidedignamente os negros, da mesma forma que presenteá-los. Como premiar a quem cujo talento não foi dado espaço? Sem essa avaliação, coube ao cinema Americano a triste ideia de reproduzir a sua realidade branca nas milhões de salas de cinema espalhadas pelo planeta, esquecendo-se das inúmeras demandas vivenciadas pelo seu público heterogêneo. Por isso, quando anunciarem: E Oscar vai para?! Nem se entusiasme, pois levará tempo até que o cinema, e as artes no geral, protagonizem aqueles que estão penando como figurantes na sociedade.



“O enfrentamento do preconceito deve começar ampliando essa visão do outro, preferencialmente nesse caso com óculos 3D, para não restar nenhuma dúvida de sua existência”. 
Frieke Janssens, uma fotógrafa belga, ficou chocada quando assistiu um vídeo onde uma criança da Indonésia, aos dois anos de idade, fumava compulsivamente.
Isso a inspirou na criação de uma série fotográfica chamada Smoking Kids (Crianças Fumantes, em tradução livre), onde os modelos mirins se vestem como adultos e posam com cigarros nas mãos, fumando-o ou apenas ostentando o objeto.
O propósito de Frieke é fazer com que o espectador avalie o significado do hábito de fumar e como isso causa impacto nas crianças. A artista indaga: “Se nós não podemos escapar desse malefício, as crianças teriam alguma chance de conseguir?”.
A fotógrafa traz uma variedade de imagens, sendo algumas pessoais e outras usadas na publicidade. As crianças que fizeram parte do projeto variam de idade entre 4 e 9 anos e nenhum dos cigarros utilizados de fato continha tabaco. As crianças usaram queijo e pedaços de giz ao invés de cigarros e para a fumaça foram usados incensos.
Confira este belíssimo trabalho, abaixo, e depois dê uma olhadinha nos outros projetos dela, acessando o site ou o Facebook.
13 (4)1 (7)2 (7)3 (7)4 (7)5 (6)7 (7)8 (7)9 (6)10 (6)11 (6)12 (5)
6 (7)
Todos nós somos leigos num assunto até entendê-lo, e uma lista dessas ajuda a compreender um pouco mais o universo da arte. Não tenho a ilusão de encontrar um consenso, apesar de adotar um critério razoável. O mais “importante” nem sempre é o mais “famoso”, muito menos o mais “bonito”. “Importante” é sinônimo de originalidade; uma obra capaz de influenciar gerações e até mesmo mudar os rumos da história. Estou bastante seguro quanto à metade dessas obras. A outra metade certamente rivaliza com qualquer outra não mencionada.

VÊNUS DE MILO (século II a.C., autor desconhecido)

VÊNUS DE MILO
A arte grega clássica é tida por muitos como a mais perfeita realização estética de todos os tempos. E nenhuma delas é mais simbólica do que esta escultura, atribuída por alguns a Alexandros de Antioquia. Temos aqui o padrão de excelência da arte helênica, imitado por toda parte até reduzir-se a adorno kitsch. (Onde: Museu do Louvre)

MONALISA (1503-06), de Leonardo da Vinci

MONALISA
Embora seja admirada pela fama, temos outro motivo para cultivar a Monalisa: a técnica inovadora do chiaroscuro, uma sobreposição de camadas de mesmo tom até alcançar efeitos de luz e sombra (o sorriso da dama deriva desta ilusão). O grau de virtuosismo e perícia pictórica de Da Vinci alcança aqui os limites da arte, em qualquer época. (Onde: Museu do Louvre)

O JUÍZO FINAL (1535-41), de Michelangelo

O JUÍZO FINAL
Com o aparecimento deste afresco a arte renascentista foi definitivamente condenada. Todos os elementos de “O juízo final” opõem-se de maneira consciente e vigorosa contra os ideais vigentes. Por isso a obra é considerada o marco de superação do classicismo, na Itália. De quebra, inaugura o maneirismo e abre caminho para o barroco. (Onde: Capela Sistina, Vaticano)

A RONDA NOTURNA (1642), de Rembrandt

A RONDA NOTURNAA arte de Rembrandt é originalíssima, sendo esta tela considerada a mais perfeita de sua produção de retratos e cenas religiosas. Como a música de Bach, é uma manifestação sublime do gênio protestante. A técnica utilizada é uma verdadeira escola de composição e iluminação, antecipando a sensibilidade fotográfica. (Onde: Rijksmuseum, Amsterdã)

A LIBERDADE GUIANDO O POVO (1830), de Delacroix

A LIBERDADE GUIANDO O POVO
As principais referências do realismo é a pintura de Gericault e depois, Courbet. Eugène Delacroix situa-se entre os dois mestres: contudo, supera o passadismo do primeiro e abre caminho para o segundo. Com esta tela (retrato da revolução francesa) a arte passa a representar o tempo presente e seus próprios mitos. (Onde: Museu d’Orsay, Paris)

ALMOÇO NA RELVA (1863), de Manet

ALMOÇO NA RELVA
Obra inaugural do impressionismo, esta tela foi exposta e ridicularizada no famoso Salão de Paris. Em contraste com a arte oficial e acadêmica (representada por David e seus discípulos), enxergamos aqui o que, na época, julgavam ser uma pintura inacabada, um mero esboço. Além, é claro, de representar um tema afrontoso. (Onde: Museu d’Orsay, Paris)

A CASA DO ENFORCADO (1873), de Cézanne

A CASA DO ENFORCADO
Um dos germes da pintura como a conhecemos a partir do século 20 — isto é, como um problema de composição numa superfície plana, bidimensional — é esta modesta pintura. Podemos citar outras telas de Cézanne (“Jogadores de Cartas” e o “Monte Sainte-Victoire” são imprescindíveis para o cubismo), mas é a esta que cabe a precedência cronológica (Onde: Museu d’Orsay, Paris)

SENHORAS DE AVIGNON (1907), de Picasso

SENHORAS DE AVIGNON
Esta obra, que mais parece uma caricatura, viola as convenções clássicas e acadêmicas ainda prevalecentes, da arte figurativa. Picasso havia sido influenciado por Cézanne e pelas máscaras negras africanas. “Senhoras de Avignon” abre caminho para a revolução cubista, sendo um passo fundamental (e intermediário) entre dois extremos: o impressionismo e o abstracionismo. (Onde: Museu de Arte Moderna de Nova York)

PRIMEIRA AQUARELA ABSTRATA (1910), de Kandinsky

PRIMEIRA AQUARELA ABSTRATA
Já esta pequena aquarela divide a história da arte em dois períodos: antes e depois da arte abstrata. Antes dela tem-se a impressão de que a pintura retrata o mundo exterior (é mimética, figurativa, mesmo com Picasso). A partir dela, contudo, adquire autonomia absoluta, tornando-se um universo intuitivo de sensações. É o nascimento da pintura em estado puro. (Onde: Paris, coleção particular)

FONTE (1917), de Duchamp

FONTE
Típica da era industrial, esta obra traduz a impessoalidade que caracteriza a vida moderna. Quintessência do dadaísmo, ela questiona o que é arte e não é, dando origem à chamada arte conceitual. Paradoxalmente é a mais radical afirmação da subjetividade. O sentido de uma obra passa a ser uma “atribuição” (pessoal, crítica e institucional) e não um dado que lhe supostamente imanente. (Onde: Museu de Arte da Filadélfia)
Visto: Revista Bula
Eles são heterossexuais. Muitos deles casados, com família e tudo. Mas para as lentes do fotógrafo e artista francês Olivier Ciappa, posaram ao lado de pessoas do mesmo como se fossem um casal. Os cliques mostram cenas de amor e carinho entre os casais para mostrar que amor é amor, seja ele gay, hétero ou lésbico.
A série de fotos é chamada Imaginary Couples (Casais Imaginários). Autoexplicativo. São celebridades, como atletas e atores, que toparam embarcar na ideia de Ciappa de formar casais imaginários do mesmo sexo para tentar acabar com estereótipos.
A atriz Eva Longoria, por exemplo, fez par com a cantora Lara Fabian. Já o diretor de Sicario, Denis Villeneuve, apareceu nas fotos com o diretor de Dallas Buyers Club, Jean-Marc Vallée. Dois campeões olímpicos franceses de natação posaram juntos, em uma cena sensual embaixo do chuveiro.
Qual a inspiração de Ciappa? As várias atitudes homofóbicas ao redor do mundo. “As celebridades que eu entrevistei são heterossexuais, mas o essencial é que você enxergue esses casais e famílias imaginárias como reais”, disse o artista ao Huffington Post. “Se você não se identificar com esses casais ou não achar que é real, então eu falhei”. Que responsabilidade, né?
A exposição já passou por países europeus e daqui da América do Sul. Até o fim do ano deve chegar aos EUA. E por que não vir ao Brasil também?

Visto: Universo A
O agricultor José Patrocínio de Oliveira, o Zezinho, de 86 anos, teve apenas cinco minutos para decidir. Por volta das 18 horas do dia 5, um grupo de policiais chegou de moto a Paracatu de Baixo (Minas Gerais), gritando para os moradores deixarem as casas rapidamente. Zezinho pegou apenas os documentos e subiu à parte alta do local com os filhos. Na quinta-feira, dia 12, uma semana após orompimento das barragens, Zezinho sentou-se em um tronco de árvore na parte alta de Paracatu. Poucos metros à frente via casas soterradas na lama. Na sua ficaram suas economias – R$ 3 mil – dentro de um guarda-roupa e seus bens mais preciosos: os instrumentos musicais e as fantasias da Folia de Reis, que realiza há 50 anos em Paracatu, onde nasceu e teve 24 filhos. “O que vou fazer? Perdi tudo”, diz. Elias, um de seus filhos, circula entre as ruínas inventariando as perdas. Sua moto está dentro de um bloco de barro, ao lado de um galinheiro. “Tem 50 galinhas enterradas aí dentro”, diz. “Suspeito que pode haver gente morta também. Tenho sentido um cheiro diferente.”
José Patrocinio de Oliveira em frente a sua casa que foi destruida. (Foto: ALEXANDRE C. MOTA/Nitro/ÉPOCA)
Carro da Samarco que impedia o acesso à instalação de antenas (Foto: Hudson Corrêa)
Zezinho pode dizer que teve sorte. Poderia ter sido um dos engolidos por cerca de 62 milhões de toneladas de lama, rejeito da exploração de minério de ferro, que vazaram após o rompimento das barragens de Fundão e Santarém, mantidas pela mineradora Samarco, uma sociedade entre a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. As toneladas de lama tomaram Bento Rodrigues de assalto, caíram no Rio Doce e vão chegar ao mar, no litoral do Espírito Santo, a mais de 100 quilômetros de distância. Bento Rodrigues se transformou em ruínas. Até o final da semana passada, dez mortos haviam sido encontrados, 18 pessoas estavam desaparecidas e 612 (inclusive Zezinho) desabrigadas. Ainda é cedo para dizer se algum dia será possível recuperar o solo de Bento Rodrigues. A água do Rio Doce, que abastece mais de 500 mil pessoas, está ameaçada. Trata-se de um dos maiores desastres ambientais do país. O desastre é resultado de uma combinação de negligência e descaso, que torna tais tragédias tristemente comuns no país.
Vista do que sobrou de Paracatu de Baixo Minas gerais (Foto: Daniel Marenco / Ag. O Globo)
O acidente poderia ter sido evitado?
Sim. Há no país 401 barragens de rejeito enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens, 317 delas em Minas Gerais. AComissão de Segurança de Barragens classificava a do Fundão como de “baixo risco” de rompimento, mas de “dano potencial alto”. A classificação considera o risco estrutural, a documentação, o volume de rejeitos acumulado, se há habitações próximas e infraestrutura voltada para onde correm as águas do rio. Grandes barragens, como a do Fundão, da Samarco, devem ser monitoradas em tempo integral. Barragens devem ter sensores para identificar pressões ou deformações. Inspeções visuais devem ser feitas para identificar trincas, infiltrações e crescimento de vegetação. A Samarco não informa se fazia monitoramento nem se percebeu sinais de falha da barragem.
Vítimas da tragédia estão provisoriamente em um ginásio da cidade de Mariana, a Arena Mariana (Foto: Daniel Marenco / Ag. O Globo)
Autor de uma dissertação de mestrado para a qual analisou 125 barragens em Minas Gerais, o professor de engenharia Anderson Pires Duarte afirma ser impossível a Samarco não saber o que estava prestes a acontecer. “Uma barragem não se rompe de um dia para o outro. Dá avisos, sinais. A questão é se havia monitoramento para captar esses sinais”, afirma. “É como uma pessoa que adoece: percebem-se os sintomas. Não sei por que rompeu, mas garanto que a Samarco tem esse monitoramento.” 
Morador  de Barra Longa tenta limpar a sujeira dentro de sua casa, dois dias depois do rompimento de duas barragens de rejeitos de mineração, de Fundão e de Santarém, ocorrido na tarde da quinta-feira (Foto: Daniel Marenco / Ag. O Globo)
A Samarco teve culpa?
Esse tipo de rompimento de barragem pode ser causado por fatores extremos, como um abalo sísmico grande. Um dos motivos levantados inicialmente é que houve um pequeno tremor de 2,3 graus na escala Richter na região, mas especialistas avaliam que um abalo desses não seria suficiente. Resta a possibilidade de falha técnica. Apenas uma investigação poderá dar uma resposta definitiva. Entretanto, o Ministério Público de Minas Gerais afirma que a empresa, sim, tem culpa. A subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, coordenadora da Câmara do Meio Ambiente do Ministério Público Federal, afirma que a punição aos representantes da Samarco deve ser “exemplar” porque houve “negligência” e “omissão”. O Ministério Público mineiro abriu um inquérito para investigar o caso. Uma força-tarefa, composta de 15 promotores e dez técnicos ambientais, deverá concluir o trabalho em 30 dias. Uma equipe de peritos que não prestaram serviço antes para a Samarco ou suas donas, a Vale e a BHP Billiton, foi contratada. “Ainda é cedo para dizer qual foi a negligência, imprudência ou imperícia. Mas houve alguma, com certeza”, diz o promotor Mauro Ellovitch, do Ministério Público mineiro.
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Barragens como as da Samarco são construídas aproveitando-se o vale e as montanhas que o formam como paredes. A frente é fechada com o próprio rejeito mais sólido e granulado, que retém a parte mais líquida e fina. Desde maio, duas empresas faziam para a Samarco obras de elevação da altura da barragem, chamada de alteamento. “Isso evidentemente tornou o rompimento da barragem mais provável”, diz Sandra Cureau. “Uma obra de alteamento não é um puxadinho. É uma obra complexa, precisa de uma análise rigorosa”, afirma Geraldo de Abreu, da Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais. A Samarco fazia também uma obra para fundir a barragem do Fundão à de Germano, muito maior.
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Em 2013, quando a Samarco pediu novo licenciamento para a barragem do Fundão, um laudo técnico do Instituto Prístino, encomendado pelo Ministério Público de Minas Gerais, apontou um risco de “colapso da estrutura”. O licenciamento foi concedido pela Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. Em 2014, a Samarco aumentou a produção na unidade de Mariana em 33%. A Samarco será responsabilizada mesmo que o acidente tenha causas naturais, segundo o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, do Ministério Público de Minas Gerais. “A Samarco será obrigada legalmente a reparar todos os danos e compensar os estragos irreversíveis ao patrimônio cultural e ao meio ambiente.” Nos últimos 14 anos, quatro barragens romperam-se em Minas Gerais.
Bombeiros fazem buscas por desaparecidos no distrito de Bento Rodrigues, tres dias depois do rompimento de duas barragens de rejeitos de mineracao, de Fundao e de Santarem (Foto: Daniel Marenco / Ag. O Globo)
A Samarco cumpriu as regras de segurança?
A investigação do Ministério Público vai determinar como foram os procedimentos da Samarco. A lei de segurança para as barragens determina que a empresa tenha um plano de ação emergencial para lidar com desastres. Parte desse planejamento consiste numa “estratégia e meio de divulgação e alerta para as comunidades afetadas”. Depois da ruptura das barragens em Bento Rodrigues, a Samarco afirma ter feito o aviso por telefone. “Não houve sirene, houve contato via telefone com a Defesa Civil, prefeitura e alguns moradores”, afirmou o engenheiro Germano Lopes, gerente-geral de projetos da Samarco, sem especificar o número de moradores comunicados. Todas as testemunhas ouvidas pelo Ministério Público negam ter havido comunicação. Na tarde da quarta-feira, dia 11, funcionários de uma empresa de telefonia contaram a ÉPOCA ter instalado sirenes na área afetada naquela tarde, seis dias após o acidente. O sistema permitiria à Samarco alertar a população em caso de risco. ÉPOCA foi ao local onde foi colocada uma antena, que emitirá sinais para disparar as sirenes, mas uma caminhonete da Samarco bloqueava a entrada. “Se houvesse um bom plano para evacuar a área, não haveria tantos desaparecidos”, afirma Jefferson Oliveira, professor de engenharia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
A lei brasileira sobre barragens é boa?
Especialistas afirmam que a legislação brasileira está dentro dos padrões internacionais, mas é muito recente e não foi regulamentada. A lei não exige, por exemplo, o uso de mecanismos modernos de aviso, como sirenes e envio de mensagens pelo telefone celular para avisar em casos de acidente, comuns em países como o Canadá. O papel da regulamentação seria justamente determinar detalhes como esse. Monica Zuffo, doutora em segurança de barragens pela Universidade de Campinas (Unicamp), diz que a lei não é falha ao definir o que deve ser feito, mas sim em especificar quem deve fiscalizar. “Não há interesse em atribuir responsabilidades claras”, diz. O texto não regulamenta que órgão é responsável por fiscalizar o quê; nem define uma instância máxima de fiscalização federal. “Fica subentendido que os incidentes com barragens no Brasil são ‘culpa da ira divina’, pelo excesso de chuva, por exemplo”, diz Monica.
Infográfico sobre a tragédia na cidade de Mariana  (Foto: Época )
Falta fiscalização de barragens no Brasil?
Sim. Fazia três anos que um técnico do governo federal não comparecia a Bento Rodrigues para vistoriar as barragens que se romperam. A última vez que um fiscal do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) visitou a área atingida foi em 2012. Depois disso, as barragens já passaram por reformas significativas, como o alteamento, sem nunca terem sido monitoradas. A fiscalização é falha por falta de organização e recursos. Quatro órgãos, subordinados a ministérios diferentes, fiscalizam todo tipo de barragem no Brasil. As mais de 660 barragens de minério, como as da Samarco, ficam sob a guarida do DNPM. Contudo, o DNPM não exige que as empresas emitam relatórios anuais sobre a segurança de suas barragens. O DNPM tem 220 fiscais para cuidar de 27.293 empreendimentos.

Na semana passada, o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, admitiu que o DNPM gastou neste ano apenas 13% do orçamento destinado à fiscalização. “Como as punições em caso de acidente demoram a ser aplicadas, já que as empresas recorrem das decisões, não há um efeito pedagógico”, afirma o procurador da República Eduardo Santos de Oliveira, responsável pelo caso de Cataguases, de 2003, vazamento de barragem que contaminou a água de 600 mil pessoas, ainda sem punição dos responsáveis. Há também falta de estrutura estadual. No caso de Minas Gerais, há oito fiscais para fiscalizar 735 barragens. “Os técnicos avaliam dentro de sua sala de trabalho”, afirma o advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA).
As leis lá fora são mais duras que a brasileira?
Quando comparada com a de outros países, a legislação brasileira é falha no aspecto de atribuição de responsabilidades. Nos Estados Unidos, a Federal Emergency Management Agency (Fema) é claramente o órgão máximo de fiscalização. No Canadá, essa figura não existe, mas as províncias monitoram as barragens com extrema seriedade. Desde 1995, existe um Guia de Segurança em Barragens, que descreve tudo o que deve ser feito. No Brasil, muitos Estados nem sequer aprovaram legislação sobre o tema. “Esse é o paradoxo brasileiro: nossa legislação sobre águas é das mais exigentes do mundo. Mas a aplicação das leis não é”, diz Monica Zuffo, da Unicamp.

Nos Estados Unidos, os governos estaduais são responsáveis por regular 95% das barragens do país, mas cabe à Fema liderar a fiscalização, através do Programa Nacional de Segurança em Barragens. A tarefa da Fema é garantir que os Estados tenham condições, recursos e treinamento no monitoramento de acidentes com barragens e que cada Estado siga rigorosamente as diretrizes definidas no programa nacional. Isso inclui compilar em um banco de dados na Universidade Stanford, na Califórnia,  todos os relatos de incidentes nas quase 80 mil barragens do país. A Austrália começou a regular a segurança em suas barragens em 1978. Em 2000, o governo aprovou um código que prevê que toda barragem tenha um relatório anual de segurança e um programa de fiscalização elaborado por um engenheiro de segurança. O Reino Unido começou ainda mais cedo a regular suas barragens: o primeiro conjunto de leis é de 1930. Esse decreto foi aperfeiçoado em 1975 e está vigente até hoje. A lei obriga que dois técnicos nomeados pelo governo façam a medição diária do nível dos reservatórios e produzam um relatório anual.  
As empresas multinacionais que atuam no brasil seguem os mesmos procedimentos de segurança que adotam no exterior?
Não. As empresas seguem as leis locais, de acordo com seu rigor. Além do Brasil, a BHP explora minério de ferro na Austrália. Lá, em 2012, o departamento público de Meio Ambiente australiano obrigou a BHP a fazer uma avaliação ambiental detalhada da região onde atuaria e de áreas próximas. Teve de divulgar seu relatório para o público, com um texto simples e claro, e com as fontes de informação, de forma que pudessem ser checadas. Esse tipo de acompanhamento pode até ser sugerido pela lei, mas não é prática no Brasil. A Vale não informou se adota os mesmos padrões em todas as suas operações e disse cumprir as legislações específicas de cada país onde atua.
Quais as consequências ambientais do acidente?
A lama que vazou da barragem em Mariana contém elementos considerados pouco tóxicos. Mesmo assim, o distrito de Bento Rodrigues pode nunca mais ser recuperado, pois a lama secará, impermeabilizará o solo e impedirá a vegetação de ressurgir. Embora não contamine o solo, o material pode assorear rios, nascentes e margens. “Os rejeitos podem alterar o hábitat aquático e as terras aráveis”, afirmou o consultor americano David Chambers. O assoreamento muda a profundidade e a largura dos rios, afetando a reprodução e a alimentação dos peixes. “Se não limpar, não tem material orgânico nenhum para plantas. Nada se desenvolve por dezenas de anos. Se deixar por conta da natureza, essa área toda vai ser estéril”, diz o professor Maurício Ehrlich, do Coppe, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O abastecimento de água nas cidades do Vale do Rio Doce será um problema por enquanto. Especialistas ainda não sabem dizer se o impacto no rio será permanente. Na quinta-feira, dia 12, o Ministério Público Federal e o MP do Espírito Santo, junto a entidades ambientais e a uma associação de pescadores, iniciaram a Operação Arca de Noé para retirar espécies de peixes do Rio Doce antes da chegada da lama. Os peixes irão para duas lagoas.
Quais punições poderão ser aplicadas aos responsáveis pelo acidente?
Na semana passada, o Ibama aplicou duas multas à Samarco, que somam R$ 250 milhões – uma pelo despejo de dejetos no rio e outra por danos à biodiversidade. A Samarco foi autuada por cinco crimes ambientais. O Ministério Público deverá propor uma ação civil pública exigindo pagamento de indenização. O Deutsche Bank calculou em US$ 1 bilhão os custos para eliminar o passivo ambiental causado pela tragédia. De acordo com a subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, as pessoas físicas responsáveis podem ser punidas com multas ou com até quatro anos de cadeia. “Me parece impossível que a empresa e seus responsáveis não venham a ser condenados pela prática do crime, pelo menos na modalidade culposa”, afirma.
Houve acidentes similares no brasil e no exterior?
Em outubro de 2010, o vazamento de lamas vermelhas de um reservatório de uma fábrica de alumínio na cidade de Ajka, na Hungria, atingiu duas aldeias: Devecser e Kolontar. Cerca de 1 milhão de metros cúbicos de lama cáustica vazaram, matando dez pessoas, ferindo 120, devastando plantações e a fauna local. Os resíduos chegaram ao Rio Danúbio. A operadora da fábrica era a MAL Hungarian Aluminum, que recebeu uma multa de € 470 milhões pelos danos ambientais.

No Brasil, um dos casos mais notórios foi o rompimento da barragem da Indústria Cataguases de Papel, em 2003, em Cataguases, também em Minas Gerais. Embora não tenha havido mortos, foram liberados 1,4 bilhão de litros de licor negro (lixívia) que atingiu o Rio Paraíba do Sul e deixou 600 mil pessoas sem água. O consórcio responsável pela barragem foi condenado a pagar R$ 177 milhões, mas recorreu da decisão.
A mineradora Samarco não respondeu aos pedidos de informação feitos por ÉPOCA. Em comunicados que divulgou, afirma ter colocado em ação, poucas horas após o desastre, seu “plano de ação emergencial de barragens, validado pelos órgãos competentes”. A empresa afirma também que o rejeito que vazou das barragens é inerte. “Não apresenta nenhum elemento químico que seja danoso à saúde”, diz o texto. A mineradora diz que está tomando as medidas apontadas pelo governo do Espírito Santo para corrigir as consequências do avanço da lama no Rio Doce e que está fornecendo caminhões pipa e água potável para as cidades afetadas pela falta de água. As mineradoras Vale e BHP prometem criar um fundo para recuperar as cidades.
Vazamento da barragem do Rio Pomba, em Cataguases (MG) (Foto: Patrícia Santos/Folhapress)
Vista de Ajka, na Hungria, onde um vazamento de rejeitos  de alumínio contaminou o Rio Danúbio (Foto: Gyoergy Varga/MTI/AP)
Colaborou: Graziele Oliveira

Visto: Época

A vida de Espinosa não foi muito fácil. Sua família era judia e fugiu de Portugal para escapar da inquisição. Chegando na Holanda, ele cresceu dentro da comunidade judaica; era muito inteligente, mas não pode continuar seus estudos devido à morte de seu irmão mais velho. Foi então forçado a ajudar seu pai nos negócios da família.
Sua inteligência e ousadia lhe deram um amargo caminho: foi excomungado aos 24 anos, sendo completamente isolado da comunidade judaica. Tal acontecimento, apesar de traumatizante, permitiu a Espinosa concentrar-se nos estudos de filosofia e latim, suas verdadeiras paixões, mas sem nunca subestimar novamente a arrogância e o poder do pensamento religioso.
Em todos os momentos, até o resto da vida, Espinosa esforçou-se para livrar a si e aos outros da superstição religiosa, dos medos irracionais que brotam das inseguranças do homem e da ignorância que os mantêm escravos. Por não conhecerem como o mundo funciona, por não entenderem, os homens caem vítimas das explicações sagradas onde Deus tem todas as respostas e devemos apenas aceitar e obedecer o que os profetas nos dizem.
Nesta busca para livrar a si e aos homens de sua própria servidão, Espinosa trilhou o único caminho seguro que conhecia: a filosofia. Em seu mais importante livro, Ética, publicado depois de morto, o filósofo traça uma linha reta através de axiomas e proposições que levam do conhecimento à liberdade. Começando por Deus, passando pelos afetos, Espinosa ensina como transformar a servidão em liberdade. Para ele, a filosofia e o conhecimento têm essa capacidade, retirar as algemas que prendem o ser humano em medos irracionais e opressões políticas e religiosas.
Abrindo o livro, Espinosa explica que Deus não é um legislador, nem um ditador e muito menos um soberano sentado em um trono mandando e desmandando, escolhendo quem vai para o céu e quem é condenado ao inferno. Não, para Espinosa, Deus é a própria natureza, nem mais nem menos. Deus é todas as coisas e não há nada fora dele. Então, ele não está separado de sua criação, ele próprio é a sua criação e todas as coisas estão nele, nós também.
Já em seu Tratado Teológico Político, anterior à Ética, Espinosa alertara para os perigos da religião que começa oferecendo explicações do mundo mas termina impondo sua fé e forçando os outros a obedecerem o que suas crenças mandam. Não, Deus não quer obediência simplesmente porque é impossível desobedecê-lo, Ele é a natureza e suas leis naturais seguem de sua própria essência. Ele causou tudo, inclusive a si mesmo; divina é a substância infinita, ela é pura necessidade, essência e potência de criação. Deus é o criador eterno, pois nada está para além dele, nem pode destruí-lo.
Dentre os atributos de Deus, diz Espinosa, está a matéria e o pensamento. Nós, seres humanos, somos parte destes dois atributos. Nosso corpo é feito de várias partes, cada vez menores, que se movimentam ora mais rápida e ora mais lentamente. E nossa mente é composta de ideias. Temos a capacidade de nos mover e de pensar. Somos apenas uma pequena amostra desta potência infinita, que Espinosa chama de modo, sendo assim, estamos incluídos na cadeia de causa e efeitos tanto dos corpos quanto das ideias. Mas, mesmo que pequena, somos uma parte desta potência do ser que gerou todas as coisas e permanece imanente à sua criação; ou seja, somos capazes de, nas condições certas, criar e pensar corretamente.
As ações do corpo são diretamente sentidas pela mente, ou alma. Não há uma relação de hierarquia, os dois são a mesma coisa, dois lados de uma moeda (veja aqui). Tudo que fazemos se reflete em nossos pensamentos e tudo que pensamos se reflete em nosso corpo. Para pensar corretamente é preciso viver corretamente e o contrário também é verdade: para viver corretamente é preciso pensar corretamente. A alma é a ideia do corpo, um corpo que sofre diariamente, que sente dores, que sente-se oprimido, terminará por ter ideias horríveis da vida, do mundo e de si mesmo. Mas um corpo levado a viver cada vez mais segundo sua natureza, aumenta o número de ideias corretas de si e do mundo. Pensar é a maior virtude para Espinosa, é o caminho mais rápido para quebrar o peso dos idealismos e romper com as fáceis explicações supersticiosas.
Mas como pensar melhor e viver melhor? Nas relações, é claro (veja aqui). Nossos corpos são pequenas partes de matéria e pensamento que entram em relação com o resto do mundo. Viver é a arte dos encontros, viver bem é aprender a escolher estes encontros. Quando ocorre um bom encontro, minha potência aumenta, e eu me torno mais feliz. Contudo, quando ocorre um mau encontro eu me torno mais triste, e minha potência diminui. Nosso corpo e mente procuram sempre efetuar bons encontros para aumentar a potência de existir, Espinosa chama isso de conatus. Não queremos apenas existir, isso é muito pouco, queremos nos aproximar de Deus; ele tem a potência infinita de agir e de ser afetado pelas coisas, quando mais aumentamos esta capacidade, mais tomamos parte ativa da criação.
Espinosa quer libertar os homens do peso dos Ídolos, dos moralismos e torná-los verdadeiramente livres; para isso ele usa da principal ferramenta do ser humano: a razão. Mas o mundo é tão vasto, suas forças são tão grandes e opressoras, como é possível ser verdadeiramente livre? Somos levados de um lado a outro como folhas ao vento: temos medo, frio, fome, dor, é possível realmente ser livre? A servidão humana é a fraqueza do conatus, a impotência para regular nossos afetos internos e de resistir às afecções do mundo à nossa volta. Somos colonizados pelo mundo exterior. Desta forma, não só apenas nos deixamos dominar como passamos a desejar o que nos impõe. Mas o conatus quer não apenas existir, quer resistir e expandir-se. Com a razão somos capazes de escolher nossos encontros, a virtude do pensamento nos mostra a melhor maneira de ser afetado para aumentar nossa potência de agir.
A virtude é a força para agir segundo nossa própria natureza. Liberdade, para Espinosa, não é agir segundo possibilidades, é agir segundo nossa natureza. Somos uma parte da potência infinita de Deus, lembram-se? Não estamos fora do mundo, mas somos uma parte ativa dele. Sendo assim, basta uma pequena felicidade e nos tornamos mais parecidos com Deus (que é totalmente livre). Quanto mais somos felizes, melhor conseguimos pensar. Ninguém pensa bem quando está triste, somente a felicidade é capaz de nos levar cada vez mais longe.
A Ética de Espinosa é o caminho de reflexão no qual aprendemos a analisar nossos afetos e agir de modo a sempre contentar-se com nossos atos. O desejo de alegria do conatus é a força que nos impulsiona rumo à liberdade. Juntos, razão e emoção são capazes de fortalecerem-se e tornarem-se mais capazes de agir. É preciso que o pensamento se torne uma emoção tão forte quanto o medo que nos colocam.
Filosofar é questionar-se constantemente: é este o melhor caminho para a felicidade? O que estou sentindo? Sou realmente a causa de mim mesmo? Estou agindo segundo minha natureza ou só obedecendo ordens externas? O filósofo utiliza-se da razão para tornar-se virtuoso e feliz. Não porque haja uma recompensa após a vida para isso, mas sim porque a própria felicidade de filosofar já é uma recompensa. Espinosa foi o grande discípulo de sua própria filosofia. Vivendo feliz, trocando cartas com seus amigos, recebendo outros em sua casa para conversar. O filósofo sempre escolheu os melhores lugares para ter uma vida boa, simples em posses mas rica em pensamento e bons momentos. Soube muito bem evitar problemas com os intolerantes religiosos de seu tempo e os ignorantes que não entendiam sua filosofia e o chamava de ateu, materialista e imoralista (veja aqui).
Para que serve a filosofia? Ora, responderia Espinosa, para tornar-se livre, virtuoso, feliz, potente, autor de sua própria história, senhor de si mesmo. Tudo isso, para Espinosa, é a mesma coisa, são sinônimos. Quanto mais filosofamos, mais nos afastamos das tristezas e inseguranças da vida. Filosofar é deixar o medo e a esperança de lado para confiar na razão e em si mesmo. Claro que é difícil, mas através da Ética, podemos dar os primeiros passos para mais do que pensar filosoficamente, viver filosoficamente. Que caminho belo, quanto mais contentes, melhor agimos e mais próximos ficamos de Deus. Quanto mais filosofamos, mais queremos filosofar.
Na Ética, razão e emoção se unem para libertar o homem de todas as superstições e fazê-lo ser o mais livre que pode. O homem deixa de se submeter a qualquer poder moral e religioso, supersticioso ou autoritário, sua lógica agora é a da potência dos encontros. Tudo que causa tristeza é afastado, o filósofo não é mais alguém sisudo e taciturno, ele é aquele que age em vista de sua felicidade e dos outros, de acordo com a razão. Talvez por isso Espinosa tenha sido tão odiado, ele apostava na felicidade, na alegria, na satisfação, no prazer, no bom humor, no contentamento, na beatitude. Em um mundo tão covarde e triste, poucos ousaram filosofar como Espinosa.
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VIsto: RAZÃO INADEQUADA