Na mitologia grega,
Narciso, ou o autoadmirador, ficou conhecido pela sua beleza e também pela
impossibilidade de se contemplar, pois segundo o mito, isso lhe renderia vida
longa. Se ele estivesse vivo hoje, talvez o mito grego o levasse a morte
instantânea. Isto porque, com a tecnologia, as pessoas buscaram outras formas
de se autoadimirarem, sobretudo com a explosão das redes sociais. A moda agora
é o selfie, palavra substantivada do Self “eu” em inglês, mais o sufixo ie, uma espécie de autorretrato feito com câmeras ou celulares.
Tal prática, porém, denota a que ponto a superficialidade humana tem chegado,
com pessoas extremamente preocupadas em sair bem na foto, enquanto outras
questões humanas são esquecidas por essa sociedade cibernética e fotoshopada.
Antes de qualquer
coisa, é crucial destacar a importância da fotografia na história. Foi a partir
dela que grandes momentos da humanidade foram eternizados e até hoje podem ser
cultuados por outras gerações. O problema não reside ai, mas sim nos rumos que
a fotografia vem tomando. Se antes se registrava grandes feitos, agora os
feitos são registrados no fundo do quintal, no banheiro, dentro do elevador, na
escola, ou em qualquer lugar que se considere importante. O modismo é tão
grande que há até redes sociais específicas para esse tipo de prática, onde
pessoas agrupadas, alegres e sorridentes, posam para as lentes de um dado
aparelho.
A priori, o primeiro
ponto negativista dessa questão é a necessidade de se estar sempre bem na foto.
Cabelos posicionados no lugar certo, maquiagem e olhar #SensualSemSerVulgar,
para as meninas. Entre os meninos, ocorre à mesma coisa: a exibição dos
atributos físicos em espelhos, geralmente sem camisa, em poses às vezes
discretas, mas com a intenção similar a das meninas, se autorretratar. Acontece
que esses modelos vivos apenas perpetuam a mensagem perversa das indústrias da
moda e da mídia, as quais impelem a todo instante o ideal de beleza a ser
seguido e, claro, fotografado. Logo, muitas vezes induzidos por esse contexto,
muitos cedem aos encantos desse mundo, sem perceber os perigos que circundam
tal problemática.
Com isso, vem à segunda
questão, o público alvo. Inevitavelmente, os jovens são os mais atingidos por
isso tudo, principalmente numa era como esta da qual eles são inseridos nas
redes sociais antes mesmo de virem ao mundo. Incipiente, a juventude é o alvo
e, ao mesmo tempo, o propagador dessa escravidão da moda ditada pela indústria
cultural. Então, sem terem o domínio sobre suas escolhas, adolescentes de
várias idades se introduzem na net em fotos provocantes, mostrando suas
intimidades corporais para quem quiser ver, curtir e compartilhar. O perigo
disso mora na precoce iniciação da sexualidade sem a orientação devida de um
adulto. Ou seja, inconscientemente, muitos servem de modelos nessa vitrine
chamada de internet, porém nem sempre os ganhos com isso se limitam apenas a
curtidas e compartilhadas.
Tão recente quanto o Selfie é o Sexting, anglicismo que se caracteriza pelo envio de imagens
sensuais e/ou sexuais de pessoas através de celulares ou pelas redes sociais.
Entre as vítimas mais comuns dessa prática estão também os adolescentes.
Rapazes e moças que se autofotografam e publicam suas fotos nas muitas páginas
virtuais existentes estão suscetíveis aos ataques de aproveitadores, que
aliciam jovens para o mundo da prostituição, ou pior, se apropriam de suas
imagens para utilizá-las em sites pornográficos. Diante disso, percebe-se que,
sem saberem, muitos desses indivíduos são prostituídos pelo convidativo mundo
virtual.
Entregues as curtições,
pessoas de várias idades e classes sociais, se fotografam e expõe seu corpo e
intimidades para quem quiser ver. Na verdade, as palavras curtir e compartilhar
são dignas de análise, visto que hipnoticamente exercem um poder sobre o
internauta. Quando se fala em curtir, lembra-se logo de algo alegre, de
diversão, curtição enfim. Por isso, quando se expõe algo na net, principalmente
em fotos, os indivíduos não enxergam isso com periculosidade, mas como mais uma
curtição dessa atmosfera feliz e plastificada. Pior ainda é quando é
compartilhada, pois tal ato traz implicitamente a mensagem de que foi
partilhado com outro algo que é bom ou digno de ser revisto. Ora, nem tudo o
que é curtido e compartilhado na net é ruim, mas será que curtir fotos sensuais
e compartilhá-las é legal? Melhor ainda, será que é bacana tirar tais fotos.
Claro que o Selfie não tem a intenção de incitar
práticas promíscuas entre as pessoas. Em tese, a ideia é moldurar momentos
marcantes entre aqueles que são considerados importantes. Esse fenômeno virtual
não pode ser crucificado pela promiscuidade do nosso país, pois esta tem outras
raízes. Entretanto, por traz dessa inocente atividade há mensagens subliminares
que merecem ser analisadas com cautela, sobretudo numa sociedade envolta em
cirurgias plásticas, implantes disso e daquilo, anabolizantes cada vez mais
potentes e encarceradas em academias. Ou seja, se o usuário não tiver ciência
de que publicar fotos fazendo caras e bocas pode ser algo perigoso, tanto para
quem faz como para quem ver do outro lado, ele estará assumindo o risco de
perpetuar uma sexualidade doentia nesses meios virtuais.
Além disso, há a
superficialidade em torno dessa questão. Enquanto no passado buscava-se o
interior do ser humano, seus dilemas e frustrações, agora é o externo que
importa. A busca pela imagem perfeita, pelo ângulo exato, fez do homem moderno um
manequim de si mesmo, inexpressivo, apenas refletindo uma couraça sem falhas
estéticas, mas carente, sem rumo, nem direção. É quando fica nítida a frase de
Caetano Veloso, quando este diz “é que
Narciso acha feio o que não é espelho”. O ser humano da modernidade tem
medo de se ver de verdade, preferindo se esconder em sorrisos fingidos, poses
forçadas e belezas cirúrgicas ao invés de encarar quem ele realmente é. E esse
autoengano tem resultado em perfis lotados nas redes sociais, mas relações
vazias, contatos vagos e humanos cada vez mais desorientados.
Talvez isso tudo seja
apenas um fenômeno passageiro, igual a muitos outros que surgem e desaparecem
nas redes sociais. Seja como for, enquanto estiver latente, o Selfie, ou qualquer outro modismo,
merece uma acurada reflexão. Pois, nem tudo na rede social deve ser encarado
como brincadeira. Há coisas que, mesmo divertidas, escondem práticas perversas.
Também não se devem criar pânicos desnecessários sobre tal fenômeno. Como dito,
ele não é o principal responsável pela doentia sexualidade social dos
indivíduos. Ele é apenas mais um vírus diante de tantos neste contexto. Cabe,
então, a cada um fazer o uso consciente desse meio e não se entregar a
superficialidade existente nele. Há muitas coisas que devem ser fotografadas e
eternizadas e, nem sempre são belas, pois a vida só tem sentido porque suas
belezas nem sempre são agradáveis aos olhos.