08 setembro 2013

Para além de masculino e feminino - por Regina Navarro Lins*

Dois homens desconfiados na cama
Ilustração: Lumi Mae

Sharon Stone estava numa festa em Hollywood quando desapareceu acompanhada de uma atraente mulher. As duas só voltaram muito depois… a sobremesa já estava sendo servida. Mas ela também adora fazer sexo com homens. Sua secretária se encarregava de marcar os encontros amorosos. Essas indiscrições foram divulgadas pelo jornal Sunday Mirror e fazem parte da biografia não autorizada da atriz.
 
Outra estrela americana, Jodie Foster, teve seu desejo sexual por mulheres revelado num livro escrito por seu próprio irmão. Entrevistada pelos jornais declarou: “Tive uma ótima educação, que nunca me fez diferenciar homens e mulheres.” Esses são apenas alguns exemplos dos incontáveis casos de bissexualidade famosos.
 
Apesar de haver estudos mostrando que muitas pessoas já sentiram, de alguma forma, desejo por ambos os sexos, o resultado da pesquisa me surpreendeu. Das quase 18 mil que responderam à enquete da semana, a maioria transaria com alguém do mesmo sexo. É inegável a mudança das mentalidades.
 
Na Idade Média a atividade homossexual era considerada crime e nunca pôde ser exercida sem punição. Nos séculos 12 e 13, desenvolveu-se uma política rigorosa para lidar com a homossexualidade. O Concílio de Nablus em 1120 estabeleceu que o adulto sodomita do sexo masculino seria queimado pelas autoridades civis.
 
O rei Eduardo I da Inglaterra e o rei Luís IX da França também decretaram a morte pelo fogo para os homossexuais e Afonso X de Castela determinou que os homossexuais fossem castrados e pendurados pelas pernas até a morte. Assim, os homossexuais foram colocados no mesmo nível dos assassinos, hereges e traidores.
 
Antes da Revolução Francesa, a homossexualidade era vista como pecado, mas não havia clareza no conceito desse termo. No começo do século 19, o discurso sobre a homossexualidade oscila entre duas hipóteses: para os conservadores é preciso condenar; para os liberais é uma doença que se deve compreender e tratar.
 
No final do século, surgem novas concepções sobre a homossexualidade, que passa a caracterizar uma espécie em particular. O médico húngaro Benkert cria, em 1869, o termo “homossexualidade”. A palavra homossexual vem do grego homo e significa “o mesmo”, designando aqueles que sentem atração pelo mesmo sexo. A invenção de novas palavras como “homossexual” e “invertido”, altera a ideia que se tinha dessas pessoas, que passam a ser vistas como doentes.
 
O Relatório Kinsey publicado em 1948 contribuiu para a tese da bissexualidade humana. Nele é apresentado o continuum hetero-homossexual e a fluidez dos desejos sexuais. Numa escala de zero a seis, a tendência heterossexual e homossexual existiria na maioria das pessoas. A inclinação heterossexual exclusiva teria o grau zero, variando até a inclinação homossexual exclusiva no grau seis da escala.
 
Cada grau intermediário corresponde a uma proporção mais ou menos forte de inclinação homossexual ou heterossexual. Foram pesquisados por Kinsey e seus colaboradores 16 mil americanos e os resultados mostraram que, embora apenas 4% da população masculina fosse exclusivamente homossexual desde a puberdade, 37% dos homens e 19% das mulheres tiveram, entre a puberdade e a idade adulta, pelo menos uma experiência homossexual culminando em orgasmo. Pouco tempo depois, Masters e Johnson confirmaram em suas pesquisas as teses de Kinsey.
 
Embora a homossexualidade seja, até hoje, considerada por muitos heterossexuais como uma perversão, um comportamento antinatural e passível de condenação moral, a aversão que provoca não recebe mais apoio substancial dos médicos. Em 1973, a Associação Médica Americana retirou-o da categoria de doença e atualmente o próprio termo perversão desapareceu quase completamente da psiquiatria.
 
Nas últimas décadas, enquanto o movimento feminista reconsiderava as identidades e papéis sexuais, a homossexualidade era afetada por mudanças tão profundas quanto aquelas que influenciaram a conduta heterossexual. Mas apesar de toda a liberação dos costumes, os gays ainda são hostilizados pela maior parte da sociedade.
 
Nada melhor para ilustrar a homofobia e a hipocrisia da sociedade em que vivemos — na qual a maioria das pessoas defende os direitos humanos — do que a frase de Leonardo Matlovich, soldado da Força Aérea Americana condecorado por sua atuação na Guerra do Vietnã e expulso da corporação em 1975 por homossexualidade: “A Força Aérea me condecorou por matar dois homens no Vietnã e me expulsou por amar um.”
 
Marjorie Garber, professora da Universidade de Harvard, que elaborou um profundo estudo sobre a bissexualidade, compara a afirmação de que os seres humanos são heterossexuais ou homossexuais às crenças de antigamente, como: o mundo é plano, o sol gira ao redor da terra. Acreditando que a bissexualidade tem algo fundamental a nos ensinar sobre a natureza do erotismo humano, ela sugere que em vez de hétero, homo, auto, pan e bissexualidade, digamos simplesmente “sexualidade”.
 
Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda” e “O Livro do Amor”. Atende em consultório particular há 39 anos, realiza palestras por todo o Brasil e é consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.
 
Visto no: UOL

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