Numa sociedade tão
apegada às aparências como o nossa, é indiscutível o apreço pela vaidade. Isto
é perceptível de várias formas, seja através das academias de ginásticas, das
indústrias de cosméticos e de cirurgias plásticas, seja na imposição midiática,
a qual dita padrões de beleza, muitas vezes inalcançáveis. Então, parece que
ninguém está imune das armadilhas da vaidade, mesmo que alguns discordem disso.
Na verdade, em menor ou maior grau, somos todos vaidosos, mas de formas e
maneiras diferentes. Essa máxima, num primeiro olhar, parece óbvia, porém há
aqueles que insistem em discordar disso dizendo que não fazem parte desse mundo
onde a busca pela beleza dita as suas regras. De fato, concordo que nem todos
são adeptos das excentricidades exigidas para se tornar “belo”, nessa cultura
que discrimina o “feio”. Entretanto, consigo enxergar em muitos desses
indivíduos uma vaidade mascarada, a qual se apresenta discreta, mas ao mesmo
tempo marcante.
Para sustentar a minha
tese, analisei um senhor que trabalha nas proximidades do meu trabalho. Sua
função é guardar carros no estacionamento privativo no centro da cidade de
Recife. Ao olhar para ele, percebi um homem como muitos outros. Suas vestes,
para a função que ele exerce, estavam superapropriadas para o clima recifense
que ora está muito quente, ora com chuva e até certo frio. Ele vestia, como todos
os dias, uma bermuda e uma camiseta regata bem vagabundas, um boné meio
envelhecido e uma sandalinha de dedo na mesma condição. Roupas simples, para mais
um cidadão simples que estava ganhando o seu sustento honestamente. Acontece que
quando prestei mais atenção nele, percebi que possuía alguns adornos que
contrastavam com a simplicidade da sua roupa. Ele tinha um grande colar de ouro
no pescoço, digno dos grandes cantores de Rap americanos, pulseira, relógio,
brincos e anéis também todos de ouro, com um brilho e um zelo que
sobressaltavam o olhar de qualquer um mais observador. Daí, percebi que a
vaidade não está restrita aos padrões ditados pelo mundo da moda, mas que se
manifesta de inúmeras formas e em pessoas variadas.
A partir desse exemplo,
comecei a ampliar a minha visão para outros grupos vistos e considerados
socialmente fora de moda ou desprovidos de vaidade. Dentre eles, lembrei de
cara dos roqueiros, hippies, e os mais badalados do momento, os “alternativos”,
grupo composto por jovens largados, no que se refere ao quesito estético. No entanto,
percebi que mesmo sem cuidados tradicionais com as roupas e os cabelos, estes indivíduos
apresentavam outras características peculiares que poderiam sim ser tachadas de
vaidade. Suas roupas geralmente trazem a estampa de alguma banda ou grupo
favorito de tais comunidades. A maquiagem, no caso das meninas, é leve ou mais
enegrecida, não apresentando muitas cores. Alguns meninos se maquiam também,
mas isso vai depender da tribo da qual façam parte. Neste sentido, os “Emos” dão
maior liberdade aos meninos de maquiar suas faces. Além do corpo e rosto, o
cabelo também merece uma atenção especial. São cabeleiras volumosas, tanto
entre eles quanto entre elas, com cachos assimétricos que podem ter uma pequena
presilha ou simplesmente algumas sacodidas com a mão. Esse visual desleixado,
aparentemente simplório, esconde uma grande vaidade, a qual serve de
instrumento para que cada membro faça parte de determinados mundos.
Nessa linha de
raciocínio, outro grupo tolhido de exercer a vaidade é o dos evangélicos. O protestantismo,
como se sabe, é um dos segmentos religiosos que mais cresce no país. Tal amplitude
requer inevitavelmente mais e mais templos para receber seus fiéis. Nesse sentido,
o discurso de algumas igrejas sustenta a ideia de que seus membros devem se
portar formalmente no tocante as vestes. São ternos e gravatas para os homens e
saias e vestidos para as mulheres. Os “modelitos”, geralmente os delas, no
passado, eram cafonas, com cortes rentes e sem muito trabalho estético. Os
calçados seguiam a mesma linha. Sapatos que de tão idênticos pareciam que tinham
sidos padronizados para serem usados na igreja. E os cabelos? Cortes neutros
nos rapazes e as moças com os seus tradicionais coques. Maquiagem, nem pensar! Caso
usassem, era algo bem singelo, apenas para tirar a palidez do rosto. Contudo, o
que se vê hoje é outra realidade. O tradicionalismo ainda resiste, claro, mas muitos
evangélicos já ousam quebra-lo. São lindos vestidos, saltos e penteados nas
meninas. E, entre eles, a elegância vem aproximando esse público da vaidade,
tão criticada e vista por muitos como “pecado”.
Todos esses casos
demonstram que há entre nós um cuidado cada vez maior com a aparência, a qual
pode não ser aquela clássica ou aceita pelo excludente mundo da moda, mas que é
tão legitima quanto às outras. Na verdade,
isso é o resultado de uma cultura da beleza que indiretamente atinge as
pessoas, sobretudo aquelas que se acham mais distantes os “desantenadas” das
tendências da moda. Impossível não estar antenado aos modismos que a todo o
momento surgem na sociedade. Para isso, a mídia entra mais uma vez como potencializadora
desse assunto. Refletindo tudo o que acontece nas suas telas, ela nos
bombardeia com seus corpos perfeitos, seus penteados e roupas do momento,
cortes de cabelo, perfumes, joias entre tantos outros objetos e utensílios
capazes de embelezar o público em geral. O resultado disso é uma sociedade refém
da moda, o que de modo geral não é ruim, visto que manter uma boa aparência, ou
estar bem do jeito que se desejar, é algo salutar, pois revigora a autoestima,
mantém o corpo e mente bem cuidado e, em alguns casos, proporciona ganhos no
trabalho e na vida.
O que não pode é
exceder determinados limites, porque os exageros permitem a perda da identidade
humana. Ou seja, muitos, de tão cirurgiados, fotoshopados e excessivamente
malhados, mais parecem protótipos de beleza, verdadeiros manequins de carne e
osso, do que seres humanos. Também não se pode desconsiderar a importância da
vaidade, moderada, e dizer que ela não faz parte da nossa vida. Reiterando,
entendo que nem todos sejam fãs da cultura pop da beleza, a qual valoriza mais
o corpo do que o cérebro. Sei também que muitos preferem ignorar a existência
desses mundos, como se fosse uma rota de fuga, a qual subverte e critica essa
imposição padronizada impelida pela beleza na atualidade. Porém, isso não é argumento
suficiente para desvalorizar a vaidade. Acredito que seria muito mais fácil
dizer que há múltiplas vaidades e que elas devem ser vistas sem os olhares
“especializados” dos grandes estilistas, pois estar na moda é usar o que te faz
bem e, como diz o dito popular: estilo, cada um tem o seu.
Diogo:
ResponderExcluirNada contra a vaidade, apenas acredito que ela precisa vir acompanhada de intelecto porque se não fica algo cansativo e oco.
Detesto gente oca..rs
Linda semana e mais um maravilhoso post.
Abraços.
Somos a única espécie de bicho que enfeita a comida, o lugar que mora, e as roupas desdes os primórdios servem mais do que para proteger do frio. Até mesmo os povos que andavam nus usavam algum tipo de adorno. A vaidade faz parte de nós. Concordo com você, existe uma superficialidade e uma padronização da vaidade, o que é muito ruim. No caso dos grupos alternativos, a roupa diz o que há dentro deles, no caso de quem veste-se apenas porque a tendência diz que é pra vestir assim, também demonstra um pouco menos de profundidade, talvez.
ResponderExcluirMais uma vez um excelente post.
Bjs!