04 agosto 2013

Nem tudo que reluz é ouro


Numa sociedade tão apegada às aparências como o nossa, é indiscutível o apreço pela vaidade. Isto é perceptível de várias formas, seja através das academias de ginásticas, das indústrias de cosméticos e de cirurgias plásticas, seja na imposição midiática, a qual dita padrões de beleza, muitas vezes inalcançáveis. Então, parece que ninguém está imune das armadilhas da vaidade, mesmo que alguns discordem disso. Na verdade, em menor ou maior grau, somos todos vaidosos, mas de formas e maneiras diferentes. Essa máxima, num primeiro olhar, parece óbvia, porém há aqueles que insistem em discordar disso dizendo que não fazem parte desse mundo onde a busca pela beleza dita as suas regras. De fato, concordo que nem todos são adeptos das excentricidades exigidas para se tornar “belo”, nessa cultura que discrimina o “feio”. Entretanto, consigo enxergar em muitos desses indivíduos uma vaidade mascarada, a qual se apresenta discreta, mas ao mesmo tempo marcante. 

Para sustentar a minha tese, analisei um senhor que trabalha nas proximidades do meu trabalho. Sua função é guardar carros no estacionamento privativo no centro da cidade de Recife. Ao olhar para ele, percebi um homem como muitos outros. Suas vestes, para a função que ele exerce, estavam superapropriadas para o clima recifense que ora está muito quente, ora com chuva e até certo frio. Ele vestia, como todos os dias, uma bermuda e uma camiseta regata bem vagabundas, um boné meio envelhecido e uma sandalinha de dedo na mesma condição. Roupas simples, para mais um cidadão simples que estava ganhando o seu sustento honestamente. Acontece que quando prestei mais atenção nele, percebi que possuía alguns adornos que contrastavam com a simplicidade da sua roupa. Ele tinha um grande colar de ouro no pescoço, digno dos grandes cantores de Rap americanos, pulseira, relógio, brincos e anéis também todos de ouro, com um brilho e um zelo que sobressaltavam o olhar de qualquer um mais observador. Daí, percebi que a vaidade não está restrita aos padrões ditados pelo mundo da moda, mas que se manifesta de inúmeras formas e em pessoas variadas.

A partir desse exemplo, comecei a ampliar a minha visão para outros grupos vistos e considerados socialmente fora de moda ou desprovidos de vaidade. Dentre eles, lembrei de cara dos roqueiros, hippies, e os mais badalados do momento, os “alternativos”, grupo composto por jovens largados, no que se refere ao quesito estético. No entanto, percebi que mesmo sem cuidados tradicionais com as roupas e os cabelos, estes indivíduos apresentavam outras características peculiares que poderiam sim ser tachadas de vaidade. Suas roupas geralmente trazem a estampa de alguma banda ou grupo favorito de tais comunidades. A maquiagem, no caso das meninas, é leve ou mais enegrecida, não apresentando muitas cores. Alguns meninos se maquiam também, mas isso vai depender da tribo da qual façam parte. Neste sentido, os “Emos” dão maior liberdade aos meninos de maquiar suas faces. Além do corpo e rosto, o cabelo também merece uma atenção especial. São cabeleiras volumosas, tanto entre eles quanto entre elas, com cachos assimétricos que podem ter uma pequena presilha ou simplesmente algumas sacodidas com a mão. Esse visual desleixado, aparentemente simplório, esconde uma grande vaidade, a qual serve de instrumento para que cada membro faça parte de determinados mundos.

Nessa linha de raciocínio, outro grupo tolhido de exercer a vaidade é o dos evangélicos. O protestantismo, como se sabe, é um dos segmentos religiosos que mais cresce no país. Tal amplitude requer inevitavelmente mais e mais templos para receber seus fiéis. Nesse sentido, o discurso de algumas igrejas sustenta a ideia de que seus membros devem se portar formalmente no tocante as vestes. São ternos e gravatas para os homens e saias e vestidos para as mulheres. Os “modelitos”, geralmente os delas, no passado, eram cafonas, com cortes rentes e sem muito trabalho estético. Os calçados seguiam a mesma linha. Sapatos que de tão idênticos pareciam que tinham sidos padronizados para serem usados na igreja. E os cabelos? Cortes neutros nos rapazes e as moças com os seus tradicionais coques. Maquiagem, nem pensar! Caso usassem, era algo bem singelo, apenas para tirar a palidez do rosto. Contudo, o que se vê hoje é outra realidade. O tradicionalismo ainda resiste, claro, mas muitos evangélicos já ousam quebra-lo. São lindos vestidos, saltos e penteados nas meninas. E, entre eles, a elegância vem aproximando esse público da vaidade, tão criticada e vista por muitos como “pecado”.

Todos esses casos demonstram que há entre nós um cuidado cada vez maior com a aparência, a qual pode não ser aquela clássica ou aceita pelo excludente mundo da moda, mas que é tão legitima quanto às outras.  Na verdade, isso é o resultado de uma cultura da beleza que indiretamente atinge as pessoas, sobretudo aquelas que se acham mais distantes os “desantenadas” das tendências da moda. Impossível não estar antenado aos modismos que a todo o momento surgem na sociedade. Para isso, a mídia entra mais uma vez como potencializadora desse assunto. Refletindo tudo o que acontece nas suas telas, ela nos bombardeia com seus corpos perfeitos, seus penteados e roupas do momento, cortes de cabelo, perfumes, joias entre tantos outros objetos e utensílios capazes de embelezar o público em geral. O resultado disso é uma sociedade refém da moda, o que de modo geral não é ruim, visto que manter uma boa aparência, ou estar bem do jeito que se desejar, é algo salutar, pois revigora a autoestima, mantém o corpo e mente bem cuidado e, em alguns casos, proporciona ganhos no trabalho e na vida.

O que não pode é exceder determinados limites, porque os exageros permitem a perda da identidade humana. Ou seja, muitos, de tão cirurgiados, fotoshopados e excessivamente malhados, mais parecem protótipos de beleza, verdadeiros manequins de carne e osso, do que seres humanos. Também não se pode desconsiderar a importância da vaidade, moderada, e dizer que ela não faz parte da nossa vida. Reiterando, entendo que nem todos sejam fãs da cultura pop da beleza, a qual valoriza mais o corpo do que o cérebro. Sei também que muitos preferem ignorar a existência desses mundos, como se fosse uma rota de fuga, a qual subverte e critica essa imposição padronizada impelida pela beleza na atualidade. Porém, isso não é argumento suficiente para desvalorizar a vaidade. Acredito que seria muito mais fácil dizer que há múltiplas vaidades e que elas devem ser vistas sem os olhares “especializados” dos grandes estilistas, pois estar na moda é usar o que te faz bem e, como diz o dito popular: estilo, cada um tem o seu.

2 comentários:

  1. Diogo:

    Nada contra a vaidade, apenas acredito que ela precisa vir acompanhada de intelecto porque se não fica algo cansativo e oco.

    Detesto gente oca..rs

    Linda semana e mais um maravilhoso post.

    Abraços.

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  2. Somos a única espécie de bicho que enfeita a comida, o lugar que mora, e as roupas desdes os primórdios servem mais do que para proteger do frio. Até mesmo os povos que andavam nus usavam algum tipo de adorno. A vaidade faz parte de nós. Concordo com você, existe uma superficialidade e uma padronização da vaidade, o que é muito ruim. No caso dos grupos alternativos, a roupa diz o que há dentro deles, no caso de quem veste-se apenas porque a tendência diz que é pra vestir assim, também demonstra um pouco menos de profundidade, talvez.

    Mais uma vez um excelente post.

    Bjs!

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