A mulher sempre foi o
principal tema de muitas canções que ouvimos constantemente. Seja no samba
carioca, ao xaxado de “Paraíba masculina, muié
macho, sim sinhô”, cantado
pelo saudoso Luiz Gonzaga, a mulherada é usada como elemento principal, muitas
vezes de forma poética. Nesse sentido, elas costumavam aparecer sempre como
algo precioso a ser conquistado, como uma joia rara escondida nos mais
recônditos cantos da terra. Ou como musas inimagináveis que mais pareciam seres
incorpóreos, cobiçadas por galantes trovadores apaixonados. Isso ainda há, mas
em escala menor. Atualmente, o que prevalece são as canções onde as mulheres
são destacadas cada vez mais pelos seus atributos sexuais, onde o amor deu lugar
ao corpo e a paixão foi substituída pelo “quadradinho
de oito”. Seja como for, o que merece destaque nesse momento é a perene
presença delas na música brasileira, para bem ou para mal.
Desde sempre, a presença
do “sexo frágil” se faz comum nos diversos ritmos que embalam tantos
brasileiros quanto estrangeiros. Por essa razão, poderíamos dizer que havia uma
valorização da mulher nas tantas letras das quais elas são cantadas e
encantadas. De fato, a mulher “fonte de
mel nos olhos de gueixa”, da lindíssima canção de Caetano Veloso, deu lugar
a outra mais ousada e mesmo assim linda. Falo daquela mulher que se deixou, ou
vem deixando de ser cantada apenas como se fosse uma peça de um poema
romântico. Isto porque, por mais que alguns críticos musicais e os artistas e a
sociedade mais conservadora ignore ou diga que a música X ou Y é de baixa
qualidade, porque denigre a imagem mulher, seu corpo, etc., na verdade, tais
músicas só existem porque elas gostam e enxergam nelas uma referência. Tudo bem
que é inegável o poder exercido pelas mídias, sobretudo a televisiva, na
difusão de uma determinada música, porém isso por si só não é suficiente. Basta
ver o sucesso da música “show das poderosas”.
Prepara! É com essa palavra
num tom de evocação que se inicia o mais novo hit do momento cantado e dançado
pela atual musa do verão Anita. O sucesso dessa canção que conta, como todas as
outras do gênero, com versos simples e uma coreografia provocante, ganhou o
gosto do grande público brasileiro, ao ponto de se tornar febre em festas e
outras tantas baladas pelo país. Em seus versos, uma mulher poderosa se
apresenta de forma firme, dominadora e independente, marcas essas que não eram
comuns nas tantas outras músicas populares que tiveram as mulheres como pano de
fundo. Na verdade, esse funk traz à tona algo que já está sendo sentido em
várias partes do mundo e, sobretudo no Brasil: a reviravolta feminina numa
cultura que, em outrora, era completamente controlada pela ala masculina. E a
música é apenas o começo. E nestas músicas ainda prevalece uma mulher que não é
mais definível, mas que se auto define, da forma que quiser, por mais agressivo
que pareça para alguns.
No entanto, até chegar
a esse ponto, elas tiveram que rebolar muito, literalmente falando. Não consigo,
nem sou capaz de pontuar todas as canções que já ouvi das quais as mulheres
apresentam-se de forma sensual ou, muitas vezes, vulgarizando-se. Quem não se
lembra, por exemplo, do grupo Cia do Pagode? Para refrescar a memória de todos,
uma das canções mais conhecidas (talvez a única) dizia a seguinte frase: “vai ralando na boquinha da garrafa”. Tal
enunciado ganhava forma na dança da bailarina desse grupo, a qual descia
remexendo o corpo em cima de uma garrafa. A mesma canção ficou famosa no grupo
É o Tchan, que por sinal, fez muito sucesso também com outro hit do qual pedia
para que o Brasil todo segurasse “o tchan”.
Em todas elas há como destaque a mulher, mas ainda passiva aos desejos de uma
sociedade machista, onde a ala feminina sempre foi utilizada como objeto sexual
para atender aos fetiches normativos dos milhões de machos alfas existentes
pelo país.
Agora, a sociedade fica
“ba-ban-do...” quando veem essas mesmas
mulheres na posição de liderança. Dessa análise, porém, não cabe a questão do
talento musical, nem de rimas ricas ou qualquer outro elemento que enalteça a
música ao patamar de “qualidade”. Nesse momento, a palavra que mais se encaixa
é “representação”. A canção de Anita, bem como outras do gênero, denota um
fenômeno novo no país: a transgressão sexual da mulher na música. Por que
sexual? Muito simples. Nossas garotas são educadas desde cedo a não sentirem
prazer. A ficarem em segundo plano no ato sexual, onde o homem ainda domina. Por
isso, elas ficaram cansadas dessa vida musical a qual elas são cantadas e não
podem ser representadas por elas mesmas. Cantadas por homens que muitas vezes
as tratam como “Cachorras”, “Potrancas”, “Tchutchucas” e outros neologismos do gênero, geralmente diminuindo
o poder feminino das relações com os seus parceiros. Elas, entretanto, preferem
agora serem representadas como “Poderosas”, que de fato são.
Ai muitos vão se
questionar: “e o Bonde Das maravilhas?!
Aquilo é música que se preste? Um monte de garotas fazendo posições
aerodinâmicas, mais parecendo dançarinas de Pole dance em casas eróticas?! E
eu vou responder que sim, aquilo é música sim, mesmo que, inquestionavelmente
apresente um lado danoso para a sociedade. Sem tentar me contradizer, sei bem
como é periculoso, para uma sociedade com tantos problemas com o sexo como a
nossa, propagar músicas desse teor. Não desconsidero isso. Porém, fazendo outra
análise, é perceptível que o que elas fazem nessa e em outras canções do mesmo
grupo, é subverter um sistema sexual onde elas eram condicionadas a se
sensualizar para os homens. Ou seja, elas eram reproduzidas a partir de um
enfoque masculino, que geralmente observam as mulheres como pedaços de carne. E
isso mudou? Não, em parte, mas agora elas dominam a questão e se expõe da
maneira que elas quiserem e os homens ficaram em segundo plano. Cabe, então,
dizer que o “cara” não é mais eu, e sim elas.
Tudo isso numa época de
bastante ascensão feminina na sociedade. No Brasil, por exemplo, elas estão em
destaque em várias áreas e assumem até a liderança política do país. Todos esses
avanços eram impossíveis de se imaginar, numa nação que ficou em choque com o
aparecimento da minissaia e do biquíni, em outrora, onde até o voto era
restrito a atmosfera masculina. Por essa razão, consigo fazer uma singela
comparação entre Anita e a polêmica cantora internacional Madonna, (claro
guardando as devidas proporções entre elas). Explicando melhor, Madonna ficou
conhecida mundialmente por subverter um sistema onde a mulher sempre foi
colocada em segundo, quiçá terceiro plano. Então, o que esta cantora fez? Mexeu
com o tema, do qual a sociedade proibia (e ainda proíbe) as mulheres de se
manifestarem: o sexo. Exacerbadamente, com danças sensuais, dúbias e
provocativas, Madonna disse não a toda essa imposição e enfrentou a fúria da
sociedade por isso. Mesmo assim não se abateu e acabou se consolidando como uma
das maiores artistas do mundo. E Anita? Ela está fazendo isso a nível nacional,
porém numa época onde a liberdade feminina e social não é tão fechada como há
20 ou 30 anos atrás. E avisa: “se não
está mais a vontade, sai por onde tem...”
Até onde isso tudo vai,
ninguém sabe. O que se sabe, e se vê, são meninas-mulheres rompendo um sistema
de conduta sexual e expondo suas vontades para essa sociedade recalcada no
tocante ao sexo e suas variantes. Pode não ser a maneira mais correta, digna e
salutar de falar de si mesmas, mas foi uma das poucas que elas encontraram para
ecoar o que sentiam e sentem sobre esse assunto. Na verdade, o problema todo não
está na música, no rebolado dessas canções, nem tão pouco no perigo que elas
podem vir representar. O real problema se encontra na educação sexual ensinada
e perpetuada pela nossa sociedade. Enquanto o povo não encarar o sexo como algo
comum entre as pessoas, vamos continuar vendo homens e mulheres expondo suas
fantasias, ou criando essas, da forma que acharem mais convenientes. E nada
melhor do que a música para fixar isso, já que ela gruda em nossa mente e
acabamos nos deixando levar por ela. Então, diante de tudo isso, só nos resta
nos render as ameaças positivas de Anita, pois ela avisa “meu exército é pesado e a gente tem poder” e eu não quero correr o
risco de me ferir nessa batalha. Você quer?
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