Revista Veja, 28 de março de 2001.
Como tornar o Brasil uma nação letrada? É o título de um documento de
Ottaviano Carlo De Fiore, secretário do Livro e Leitura. Honestamente, eu nem
sabia que o Ministério da Cultura tinha um secretário do Livro e Leitura. Mas
tem. Sua principal tarefa é “acompanhar, avaliar e sugerir alternativas para as
políticas do livro, da leitura e da biblioteca”. Foi exatamente o que Ottaviano
Carlo De Fiore tentou fazer em seu documento, estudando maneiras de aumentar o
interesse por livros no Brasil. Cito um trecho: “É fundamental que nos meios de
massa, políticos, estrelas, sindicalistas, professores, religiosos, jornalistas
(através de depoimentos, conselhos, testemunhos) propaguem contínua e
perenemente a necessidade, a importância e o prazer da leitura, assim como a
ascensão social e o poder pessoal que o hábito de ler confere às pessoas”.
Não pertenço a nenhuma das categorias mencionadas por Ottaviano Carlo
de Fiore. A rigor, portanto, meu depoimento não foi solicitado. Dou-o mesmo
assim, ainda que tenha plena consciência de minha falta de prestígio e
incapacidade de influenciar as pessoas. Se digo que meu escritor preferido é
Rabelais, por exemplo, ninguém sente o irrefreável impulso de entrar numa
livraria e comprá-lo. Se, por outro lado, Rubens Barrichello recomenda os
relatos de reencarnação de Muitas Vidas, Muitos Mestres, do americano Brian
Weiss (”depois que o li, o medo que tinha da morte foi embora”), é bastante
provável que consiga vender quatro ou cinco exemplares a mais.
Minha experiência, ao contrário do que afirma o documento de Ottaviano
Carlo De Fiore, é que o hábito da leitura constitui o maior obstáculo para a
ascensão social e o poder pessoal no Brasil. Não é um acaso que aqueles que
vivem de livros — os escritores — se encontrem no patamar mais baixo de nossa
escala social. Muito mais baixo do que políticos, estrelas, sindicalistas,
professores, religiosos ou jornalistas. De fato, basta entrar no Congresso, num
estúdio de TV, numa universidade ou numa redação de jornal para ver que todos
os presentes têm verdadeira aversão por livros.
Eles sabem que livros não ajudam a conquistar poder, dinheiro,
respeitabilidade. Livros só atrapalham. Criam espíritos perdedores. Provocam
isolamento, frustração, resignação. Desde que comecei a ler, virei um frouxo,
um molenga. Com o passar dos anos, foram-se embora todas as minhas ambições.
Tudo porque os livros me colocaram no devido lugar. Nada disso, claro, tem a
ver com o temperamento nacional, tão afirmativo, tão voraz, tão animal. É
contraproducente tentar convencer os poderosos a prestar depoimentos sobre a
importância dos livros em suas carreiras, simplesmente porque é mentira, e todo
mundo sabe que é mentira. Dê uma olhada nas pessoas de sucesso que aparecem nas
páginas desta revista. É fácil perceber que nenhuma delas precisou ler para
subir na vida. A melhor receita para o sucesso, no Brasil, é o analfabetismo.
Por mais bem intencionado que seja Ottaviano Carlo De Fiore, duvido que
um dia o Brasil venha a se tornar uma nação letrada. Se por acaso isso acontecer,
certamente lerá os livros errados. Se calhar de ler os livros certos, só dirá
bobagens sobre o que leu.
Diogo Mainardi
MAINARDI, Diogo. Ler não serve para nada.
Veja, São Paulo, n.1.693, 2001.”
É um ponto de vista...
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