03 fevereiro 2013

Porque eu gosto é de rosas



Quando se fala em homossexualidade, a nossa cultura trata logo que projetar nas mentes das pessoas vários estereótipos do que é ser gay, geralmente apelando para o caricato. Tal emblema recai, sobretudo, nos homossexuais masculinos, com arquétipos ora masculinizados demais ora excessivamente afeminados. O problema é que nos esquecemos de que existem tanto homens quanto mulheres gays, estas mais conhecidas como lésbicas. Diferente deles, que já são um pouco mais “bem vistos” socialmente, elas, pelo contrário, amargam um preconceito dobrado por assumirem a sua sexualidade. Isso acontece porque a nossa sociedade educa as mulheres para serem boas donas de casa, boas esposas e, consequentemente boas genitoras. O peso da maternidade e a secundarização da mulher na esfera sexual são fatores contundentes para a opressão vivida por muitas lésbicas no Brasil.


A mulher brasileira historicamente sofreu muito para vencer as barreiras impostas pelo machismo. Durante muito tempo viveram à sombra de seus maridos, sem direitos expressivos que lhes pudessem dar voz e vez de comando nas suas próprias vidas. Tamanho impedimento afetou profundamente a liberdade sexual delas, a qual só foi conquistada depois de muita luta. No entanto, a discriminação contra elas ainda existe e é matematicamente multiplicada quando está relacionada à lesbianidade. Ser lésbica, ou assumir publicamente essa condição é algo que polariza a sociedade em dois grupos: os que repudiam tal prática, geralmente indivíduos educados de forma preconceituosa por famílias moralistas, fanáticas ou indiscutivelmente ignorantes; e o grupo dos fetichistas, que enxergam na relação entre duas mulheres à chance de dar vazão as suas fantasias mais lascivas.



O primeiro grupo já é bem conhecido por todos, mas sempre vale a pena ressaltá-lo. As religiões de cunho Católico/Cristã, mais uma vez, são as principais representantes dessa educação discriminatória da qual a nossa sociedade se baseia. Com discursos seculares em torno da sexualidade humana, esta instituição usa dos artifícios bíblicos para semear o preconceito contra os homossexuais. Sempre pautada numa concepção de vida, ela desconsidera a existência de afeto entre pessoas do mesmo sexo, tachando aqueles que praticam como anormais ou satanistas. Por causa dessas nomenclaturas, os gays não conseguem enfrentar os obstáculos sociais que dizimam suas vidas e os impedem de conquistar determinados direitos. Entre as lésbicas, a influência da Igreja é bem mais danosa, pois sobre seus ombros está o peso da procriação, como se elas só existissem para gerar uma nova vida.



O segundo grupo é gerenciado por muitos membros dessa nossa sociedade recalcada quanto ao sexo. São os fetichistas, aqueles que se deleitam com as carícias delicadas da atmosfera lésbica. Ver duas mulheres se beijando, para estes indivíduos, é objeto de desejo que não passou despercebido pela nossa indústria do prazer. Filmes, revistas e até os meios midiáticos providenciam um arsenal de produtos, vídeos e encenações do gênero para atender esses fornicadores. Nesse sentido, ser lésbica ser tornou um produto, algo que pode ser consumível e render um bom dinheiro para esses abutres que se aproveitam das limitações sexuais humanas para enriquecimento próprio. O problema é que a lesbianidade não é um objeto de fetiche, mas sim, uma manifestação de carinho entre duas pessoas que se gostam e sentem necessidade de estar juntas. Então, usurpar esses sentimentos deveria ser passível de pena, no dúbio sentido da palavra.



Além desses grupos ainda há aqueles que de fato se incomodam com a homossexualidade feminina ao ponto de praticar atos homofóbicos contra elas. Cresce pelo país casos de familiares que espancam e matam jovens mulheres que assumem sua sexualidade. Muitas sofrem torturas, são estupradas e mortas por pessoas que não compreendem a lesbianidade. Em alguns países elas passam por certos “corretivos” para voltarem a uma condição heterossexual da qual nunca fizeram parte. Por aqui ainda não se chegou a esse ponto, porém, em muitos lares elas penam para viverem plenamente a sua condição e mulher lésbica, principalmente quando são masculinizadas. Este último, sem dúvidas, ainda é um dos principais entraves contra as lésbicas, visto que a caricatura masculina no corpo delas é hostilizada por aqueles que preferem “aceitar” o perfil lésbico-feminina, para atender aos moldes sociais do que deve ser politicamente tolerável.



Todo esse mar de preconceito em torno da lesbianidade ocorre porque as mulheres resolveram ser autônomas quanto as suas manifestações sexuais. A partir do momento que elas ditam as regras e decidem com quem irão ter relações mais íntimas, a sociedade trata logo de reprimi-las e isso acontece tanto no ambiente gay quanto no hétero. Muitas mulheres mais “ousadas” escolhem com quem e como querem transar, se querem ter filhos, se vão trabalhar e etc., assim, quando essa mesma mulher faz tudo isso e ainda assume uma conduta sexual desconforme com os padrões pré-estabelecidos, elas acabam transgredindo a ordem natural, ou imposta por essa sociedade patriarcal, e são inevitavelmente tratadas como rebeldes. É por isso que a discriminação em torno delas é maior, visto que sobre a sexualidade das mulheres existem vários casulos que precisam ser rompidos um a um.



Para muita gente a homossexualidade é um tema difícil de ser debatido e, principalmente compreendido. Isto porque ainda há muita coisa sobre a sexualidade humana a ser descoberta, mas certos tabus impedem que isso aconteça. Bloqueios esses que têm oprimido os gays de se mostrarem e assumirem sua condição sexual sem o crivo da repressão que causa discriminação, dor e medo. Por essa razão é que muitas pessoas vivem infelizes, a margem da sociedade, recuadas em guetos e subgrupos como se existisse na sexualidade uma classificação entre aqueles que são superiores, os héteros, e os inferiores/inferiorizados, os homossexuais. Acabar, então, com esse esquema deve estar na pauta de todos aqueles que buscam uma sociedade mais justa e humana, uma vez que cada pessoa é muito mais do que gay ou hétero. Somos antes de tudo seres pensantes e devemos usar nossas ferramentas cognitivas para criar um mundo melhor, mais tolerável e com maior respeito às diferenças, que no final das contas nem é tão diferente assim.

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