Quando se fala em
homossexualidade, a nossa cultura trata logo que projetar nas mentes das
pessoas vários estereótipos do que é ser gay, geralmente apelando para o
caricato. Tal emblema recai, sobretudo, nos homossexuais masculinos, com arquétipos
ora masculinizados demais ora excessivamente afeminados. O problema é que nos esquecemos
de que existem tanto homens quanto mulheres gays, estas mais conhecidas como
lésbicas. Diferente deles, que já são um pouco mais “bem vistos” socialmente,
elas, pelo contrário, amargam um preconceito dobrado por assumirem a sua
sexualidade. Isso acontece porque a nossa sociedade educa as mulheres para serem
boas donas de casa, boas esposas e, consequentemente boas genitoras. O peso da
maternidade e a secundarização da mulher na esfera sexual são fatores
contundentes para a opressão vivida por muitas lésbicas no Brasil.
A mulher brasileira historicamente
sofreu muito para vencer as barreiras impostas pelo machismo. Durante muito
tempo viveram à sombra de seus maridos, sem direitos expressivos que lhes
pudessem dar voz e vez de comando nas suas próprias vidas. Tamanho impedimento
afetou profundamente a liberdade sexual delas, a qual só foi conquistada depois
de muita luta. No entanto, a discriminação contra elas ainda existe e é
matematicamente multiplicada quando está relacionada à lesbianidade. Ser lésbica,
ou assumir publicamente essa condição é algo que polariza a sociedade em dois
grupos: os que repudiam tal prática, geralmente indivíduos educados de forma
preconceituosa por famílias moralistas, fanáticas ou indiscutivelmente
ignorantes; e o grupo dos fetichistas, que enxergam na relação entre duas
mulheres à chance de dar vazão as suas fantasias mais lascivas.
O primeiro grupo já é bem
conhecido por todos, mas sempre vale a pena ressaltá-lo. As religiões de cunho
Católico/Cristã, mais uma vez, são as principais representantes dessa educação
discriminatória da qual a nossa sociedade se baseia. Com discursos seculares em
torno da sexualidade humana, esta instituição usa dos artifícios bíblicos para
semear o preconceito contra os homossexuais. Sempre pautada numa concepção de
vida, ela desconsidera a existência de afeto entre pessoas do mesmo sexo, tachando
aqueles que praticam como anormais ou satanistas. Por causa dessas
nomenclaturas, os gays não conseguem enfrentar os obstáculos sociais que
dizimam suas vidas e os impedem de conquistar determinados direitos. Entre as
lésbicas, a influência da Igreja é bem mais danosa, pois sobre seus ombros está
o peso da procriação, como se elas só existissem para gerar uma nova vida.
O segundo grupo é
gerenciado por muitos membros dessa nossa sociedade recalcada quanto ao sexo.
São os fetichistas, aqueles que se deleitam com as carícias delicadas da
atmosfera lésbica. Ver duas mulheres se beijando, para estes indivíduos, é
objeto de desejo que não passou despercebido pela nossa indústria do prazer. Filmes,
revistas e até os meios midiáticos providenciam um arsenal de produtos, vídeos
e encenações do gênero para atender esses fornicadores. Nesse sentido, ser
lésbica ser tornou um produto, algo que pode ser consumível e render um bom
dinheiro para esses abutres que se aproveitam das limitações sexuais humanas
para enriquecimento próprio. O problema é que a lesbianidade não é um objeto de
fetiche, mas sim, uma manifestação de carinho entre duas pessoas que se gostam
e sentem necessidade de estar juntas. Então, usurpar esses sentimentos deveria
ser passível de pena, no dúbio sentido da palavra.
Além desses grupos
ainda há aqueles que de fato se incomodam com a homossexualidade feminina ao
ponto de praticar atos homofóbicos contra elas. Cresce pelo país casos de
familiares que espancam e matam jovens mulheres que assumem sua sexualidade. Muitas
sofrem torturas, são estupradas e mortas por pessoas que não compreendem a
lesbianidade. Em alguns países elas passam por certos “corretivos” para
voltarem a uma condição heterossexual da qual nunca fizeram parte. Por aqui
ainda não se chegou a esse ponto, porém, em muitos lares elas penam para
viverem plenamente a sua condição e mulher lésbica, principalmente quando são
masculinizadas. Este último, sem dúvidas, ainda é um dos principais entraves
contra as lésbicas, visto que a caricatura masculina no corpo delas é hostilizada
por aqueles que preferem “aceitar” o perfil lésbico-feminina, para atender aos
moldes sociais do que deve ser politicamente tolerável.
Todo esse mar de preconceito
em torno da lesbianidade ocorre porque as mulheres resolveram ser autônomas
quanto as suas manifestações sexuais. A partir do momento que elas ditam as
regras e decidem com quem irão ter relações mais íntimas, a sociedade trata
logo de reprimi-las e isso acontece tanto no ambiente gay quanto no hétero. Muitas
mulheres mais “ousadas” escolhem com quem e como querem transar, se querem ter filhos,
se vão trabalhar e etc., assim, quando essa mesma mulher faz tudo isso e ainda
assume uma conduta sexual desconforme com os padrões pré-estabelecidos, elas
acabam transgredindo a ordem natural, ou imposta por essa sociedade patriarcal,
e são inevitavelmente tratadas como rebeldes. É por isso que a discriminação em
torno delas é maior, visto que sobre a sexualidade das mulheres existem vários casulos
que precisam ser rompidos um a um.
Para muita gente a
homossexualidade é um tema difícil de ser debatido e, principalmente
compreendido. Isto porque ainda há muita coisa sobre a sexualidade humana a ser
descoberta, mas certos tabus impedem que isso aconteça. Bloqueios esses que têm
oprimido os gays de se mostrarem e assumirem sua condição sexual sem o crivo da
repressão que causa discriminação, dor e medo. Por essa razão é que muitas
pessoas vivem infelizes, a margem da sociedade, recuadas em guetos e subgrupos
como se existisse na sexualidade uma classificação entre aqueles que são
superiores, os héteros, e os inferiores/inferiorizados, os homossexuais. Acabar,
então, com esse esquema deve estar na pauta de todos aqueles que buscam uma
sociedade mais justa e humana, uma vez que cada pessoa é muito mais do que gay
ou hétero. Somos antes de tudo seres pensantes e devemos usar nossas
ferramentas cognitivas para criar um mundo melhor, mais tolerável e com maior
respeito às diferenças, que no final das contas nem é tão diferente assim.
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