28 maio 2010

Inicia fazendo uma pergunta: “Para que se dá aulas de uma língua para seus falantes?”, em seguida restringi à pergunta para os falantes de língua Portuguesa: “Para que se dá aulas de Português para quem já fala Português?.Posteriormente, apresenta quatro respostas para esse pergunta

Na primeira resposta, propõe que o ensino de língua materna se justifica, pois tem como objetivo desenvolver a comunicação entre seus usuários, empregando-a corretamente em diversas situações. Divide esse bloco em duas competências: a gramática ou a linguística e a textual. Está última define-se como a capacidade de todo usuário da língua, gerar sequências gramaticais típicas da língua em questão.

A outra competência, a textual, diz respeito à capacidade de, em situações de interação, produzir e compreender textos bem formados que, segundo Charolles (1979), seriam as três seguintes: a capacidade formativa, que possibilita aos usuários da língua produzir e compreender um número ilimitado de texto, identificando se é ou não um texto; a capacidade transformativa, que possibilita aos usuários da língua modificar, parafraseando o texto de acordo com as suas conveniências; a capacidade qualificativa, que possibilita aos usuários da língua classificar certas tipologias textuais.

Esse primeiro objetivo, contudo, só poderão confirmar-se quando o aluno estiver em contato com várias situações de interação comunicativa. Propiciando o contato e o trabalho com textos diversos, em situações comunicativas diversas, desenvolvendo sua competência.

A importância de ensinar uma teoria de texto resulta na interação entre sujeitos e sua atuação no momento da comunicação. A linguística tem contribuído significativamente para isso.

A segunda resposta engloba o ensino da norma culta e o ensino da variedade escrita da língua. Ressaltam que as duas formas de língua se justificam, pois o aluno já possui a variedade coloquial, faltando apenas o ensino da norma padrão.

A terceira resposta tem como objetivo principal o ensino da língua materna, levando o aluno ao conhecimento da língua como instituição linguística, como forma e função. Esse tipo de conhecimento torna-se primordial como todas as outras formas de aprendizado necessárias do nosso cotidiano

A quarta resposta está ligada à metalinguagem, ou seja, se debruça no estudo na língua, sem necessariamente ser a de origem.





2- CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Trabalha a importância do ensino de língua materna e a forma como o professor concebe a linguagem e a língua em sala de aula. Levanta três possibilidades de conceber a linguagem.

A primeira concepção vê a linguagem como expressão do pensamento. Explica que as pessoas não se expressam bem porque não raciocinam, pois a enunciação é a exteriorização do pensamento, sendo assim um ato monológico. Para que isso aconteça, será necessário obedecer a regras de pensamento lógico, encontradas nas gramáticas normativas.


A segunda concepção vê a língua como instrumento de comunicação. A língua é vista como código, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor. Esse código deve ser dominado pelos falantes da língua, para que ocorra a comunicação, utilizando o código de forma condicionada a fim de efetivar a comunicação.

A terceira concepção vê a linguagem como processo de interação. Nessa concepção o indivíduo não só exterioriza, ou transmiti informação, mas realiza sobre o interlocutor uma determinada ação.



3- CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA

3.1. Conceito de gramática

Estudo sistemático de uma língua, no intuito de estabelecer as formas corretas de fale e escrita que, geralmente são chamadas de norma culta ou padrão. O indivíduo que a domina, em teoria e na prática, é considerado possuidor de gramática, ao contrário de quem não domina a noção e as práticas gramaticais.

Nesse primeiro sentido afirma-se que a língua é aquela variedade dita padrão e que todas as outras formas de uso são deformações da língua; cabe a cada cidadão aprender essa variação evitando desvios. A gramática trata da variedade considerada culta da língua fazendo sua descrição, e repudiando todas as outras formas. Isso se firmou com o uso de grandes escritores, ignorando a forma oral, criando em seguida toda espécie de preconceitos, baseados em parâmetros equivocados.

Nessa primeira concepção estão embutidos vários argumentos para execução do papel prescritivo da norma culta da língua:
a) estética: imposição da língua por falantes aristocratas em contraposição das línguas ditas populares;
b) política: busca do purismo e da vernaculidade, renegando todo tipo de estrangeirismos, pois há a preocupação com a ameaça à nacionalidade;
c) comunicacional: refere-se a facilidade de compreensão dos falantes da língua;
d) histórica: língua como organismo vivo, que se desenvolve e pode entrar em decadência.

A segunda concepção de gramática, chamada de gramática descritiva, pois faz uma descrição de sua forma e função. É o estudo das descrições que dizem respeito ao uso da língua, separando o que é gramatical do que não é gramatical. Gramatical será tudo o que atende as regras funcionais da língua; saber gramática significa descrever a estrutura interna da língua, avaliando sua gramaticalidade.

A terceira concepção de gramática, diz respeito ao aprendizado do individuo com a língua independente, a princípio, de escolarização. Nessa concepção não há erro lingüístico, mas inadequação da variedade no ato da interação comunicativa.



3.2. TIPOS DE GRAMÁTICA

Afirma a existência de vários tipos de gramáticas e que estas podem ser trabalhadas de formas distintas em sala de aula. Entre as mais conhecidas destacam-se:

1) A gramática normativa, que é aquela que estudo a norma dita culta ou padrão da língua. Baseia-se geralmente na forma escrita ignorando a forma oral. Essa gramática dita regra de como se falar e escrever bem e considera apenas uma variedade de língua como válida;

2) A gramática descritiva é a que descreve uma determinada variedade da língua em um dado momento de sua existência. Trabalho com qualquer variedade de língua e dá preferência a forma oral;

3) A gramática internalizada é o próprio conjunto de regras dominado pelos falantes.


Metodologia da pesquisa científica Existem também mais três tipos de gramática ligados a explicitação da estrutura e funcionamento da língua:

4) Gramática implícita, pois os falantes não têm consciência se estão usando corretamente as regras impostas pelas gramáticas no momento de interação comunicativa;

5) A gramática explícita é o estudo metalingüístico que procura explicar o funcionamento da língua e sua estrutura;

6) A gramática reflexiva, representa os trabalhos de observação e reflexão da língua e tenta detectar a sua constituição em funcionamento.

Esses três tipos de gramática (implícita, explícita e reflexiva) apresentam uma distinção relacionado à atividades linguísticas, atividades epilinguísticas e atividades metalinguíticas.

As atividades lingüísticas são aquelas que o usuário da língua estabelece uma interação comunicativa por meio da língua permitindo construir textos de acordo com seus objetivos cominucacionais. Essas atividades são de construção do texto no ato da comunicação.

As atividades epilinguísticas são aquelas que suspendem o desenvolvimento do tópico discursivo, para, no curso da interação comunicativa, tratar dos recursos linguísticos, ou dos aspectos da interação.

As atividades metalingüísticas é a análise da própria língua, construindo o que se chama de metalinguagem. Há a busca consciente em analisar a língua e como ela funciona no momento da interação comunicativa.

Também existem outros tipos de gramática:

7) Gramática contrastiva é a descrição de duas línguas mostrando os padrões que uma pode esperar na outra. E muito utilizado no ensino de línguas diminuindo e selecionando suas dificuldades. No ensino de língua materna ela se torna útil por mostrar as variedades existes;

8) Gramática geral, trabalha com o maior número de línguas possíveis e as suas condições de realização. Com isso, busca formular princípios ao qual obedecem todas as línguas;

9) Gramática universal, investiga as características comuns de várias línguas com relação a sua estrutura;

10) Gramática histórica, estuda a origem e a evolução de uma determinada língua;

11) Gramática comparada, estuda a sequência de fases evolutivas de cada língua procurando algo em comum.



4- TIPOS DE ENSINO DE LÍNGUA


São três os tipos de ensino de língua: o prescritivo, o descritivo e o produtivo.

O ensino prescritivo objetiva levar os alunos a substituir seus padrões linguísticos considerados errôneos, por outros considerados corretos. Esse tipo de ensino está ligado à primeira concepção de linguagem e a gramática normativa, objetivando a correção formal da linguagem.

O ensino descritivo mostra como funciona a linguagem e como determinada língua funciona. A língua materna tem papel fundamental nessa concepção, pois é a que o individuo conhece desde cedo. Trabalha em conjunto com a norma culta da língua, entretanto não restringi seu universo, trabalhando com todas as variedades da língua;

O ensino produtivo objetiva ensinar novas habilidades linguísticas aos alunos, sem, contudo, retirar padrões já adquiridos por ele, e sim, aumentar a sua potencialidade linguística em várias situações de comunicação. Esse ensino é considerado mais adequado, pois desenvolve as habilidades comunicativas do aluno.

Inicialmente, esses tipos de ensino de língua não têm a intenção de excluir, podendo ser abdicado de acordo com nossos objetivos. Em contrapartida, existe um consenso entre estudiosos sobre a aplicação desse tipo de ensino, sobretudo o produtivo, que gera maiores benefícios para os alunos. Lamentavelmente o mais utilizado é o prescritivo devido a sua supervalorização, causando sérios prejuízos na formação educacional e no aprendizado da língua.






Antes de conceituar a relação existente entre a diegese e o discurso narrativo é preciso entender o conceito de ambas separadamente. O discurso narrativo é o elemento responsável pela inteligibilidade dos diálogos entre os personagens de uma narrativa. Esse recurso acontece de diversas formas, podendo ser direto, indireto ou indireto livre. Entretanto, não é do âmbito desse trabalho fazer uma distinção de cada um desses discursos. A fragmentação primária deles servirá apenas de arcabouço para a compreensão do conteúdo literário impregando nas obras de Memórias Póstumas e a Moreninha, obras respectivas de Machado de Assis e Joaquim Manoel de Macedo.

No discurso narrativo são analisadas as sequências de eventos que vão construir o enredo da obra. Assim, Tzvetan Todorov menciona a diferença que deve ser feita entre discurso narrativo de historia. Nas palavras dele, o discurso narrativo compreende uma cadeia de acontecimentos que serão moldados pelo personagem no desenrolar de uma obra. Já na história apenas são relatados os fatos, mas sem uma preocupação maior com a narrativa propriamente dita. Ainda na história, segundo esse estudioso, é apenas um coadjuvante no palco onde o discurso narrativo impera.

O outro elemento essencial para a construção de uma obra literaria é a diegese. Esse mecanismo literário está intimamente ligado aos estudos da narratologia e das ciências que estudam os fenômenos que estão imbricados aos acontecimentos de uma obra literária. Na diegese ocorre o que se pode chamar de analise externa de uma obra, ou seja, a visão que o leitor vai ter a partir da codificação do texto lido. Em outras palavras, seria a realidade externa de quem lê a obra, determinando o espaço e tempo diegético das personagens. Muitas vezes essa liberdade de entendimento acaba dando ao leitor uma gama polissemica imensa, prejudicando a interpretabilidade de um texto.

É importante, nesse sentido, destacar a independência de cada uma dessas estruturas literárias. Tanto o dicuscurso narrativo quanto a diegese podem operar dentro de uma obra de forma paralela. Entretanto, a junção de ambas dá ao texto uma maior possibilidade de compreensão e inteligibilidade. Pode-se dizer que existe uma relação de hipônimo e hiperônimo literário, na qual o discurso seria o todo e a diegese exerce uma pequena parcela desse todo.

Na obra a Moreninha, encontra-se um discurso tipico de uma época na qual as convenções sociais imperavam, num Brasil onde a moralidade e os bons constumes esbarravam em escândalos, conflitos amorosos e diversos outros temas que eram tabus na época em que o livro foi escrito. É perceptivel que o discurso utilizado pelo autor para retratar a realidade da sociedade tinha que estar pautado no dialogismo utilizado também pela sociedade daquele tempo. Christian Metz atribui a isso o nome de discurso social. O discurso narrativo ganha um ar de social a partir do momento que retrata uma vivência de acontecimentos que interfere na estrutura de um grupo de pessoas, o que fielmente Joaquim Manoel de Macedo retratou na sua obra A Moreninha. Nos estudos diegéticos dessa obra, merece destacar o cuidado que o autor teve em transfigurar para o papel a realidade da sociedade da época. Fielmente, o autor de A Moreninha, retrata os tipos humanos que circulavam pelas casas e festas burguesas do Rio de Janeiro: o estudante conquistador, a moça namoradeira, o velhote metido a galã. Todos esses personagens fazem parte da inferência diegética que o leitor faz no momento que entra em contato com a atmosfera da obra de Joaquim Manoel de Macedo.

Memórias Póstumas de Brás Cubas também merece um imenso destaque na analise da estrutura discursiva do seu enredo. Machado de Assis inovou na produção de um discurso no qual o personagem principal da trama é um defunto que começa a narrar as suas peripércias durante a obra. Diferente de muitas outras obras, Memorias Póstumas quebra com o tradicionalismo dos textos produzidos até então pelo romantismo, dando inicio a uma era discursiva inovadora na literatura brasileira. O ponto alto dessa obra é a liberdade que o defunto autor tem em se impor diante da realidade social da época, na qual ele retrata a hipocrisia das relações humanas. As reflexões sarcásticas de Brás cubas vão tomando conta do texto com um pessimismo radical. Nada resiste a essa analise impiedosa, e suas ultimas palavras resulmem bem essa concepção amarga da vida: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Esse último trecho da obra machadiana revela a questão diegética do texto. A partir do momento que o leitor se depara com essa mensagem, ele acaba se perguntando o que levou o autor a um pessimismo tão extremista. A resposta, no entanto, é intermitente, já que opera de forma conjunta com os fenômenos socias que contribuiram para a sua construção. De certa forma a macroestrutura do texto machadiano não permite uma clara decodificação, sem haver uma prévia analise das suas estruturas textuais. A diegese, nesse âmbito, servirá de suporte para que o leitor obtenha uma maior compreensão da obra em toda a sua estrutura. Em suma, para ler Memórias Póstumas é preciso haver um mecanismo que vai além dos conhecimentos diegétios e de narrativa discursiva. É necessário que o leitor entenda a sistematicidade e, sobretudo, a complexidade que Machado de Assis passou para essa obra, que tem como foco a atemporalidade de temas que envolvem a temática do ser.





Tempo Cronológico e Tempo Pscológico

A definição espacial de uma obra é representada pelo tempo em que são encadeados os acontecimentos dos personagens. Em épocas e obras distintas esse tempo pode apresentar multiplas vertentes que servirão de mote para o entendimento da narrativa. Na maioria das vezes, centralizam-se em dois tempos especificos: o cronológico e o psicológico. Ambos podem aparecer simultaneamente numa obra ou apenas um deles. Como se sabe, o tempo cronológico representa o andamento dos eventos que ocorrem numa obra literaria. Esse cronomêtro, por assim dizer, é o que delimita o tempo real, ou seja, aquele que é contado em dias, meses e anos em que a obra narrada. Já o tempo psicológico envolve algo bem mais complexo, pois se encontra no interior de cada individuo/personagem de forma subjetiva. Em outras palavras, seria o desenrolar de um personagem independente da linearidade do texto.

Esses conceitos, no entanto, não podem ser vistos como algo definitivo para analisar profundamente os textos literarios. Parâmetros como esses servem apenas para ilustrar didaticamente como se deve identificar o andamento do personagem no texto. Para os estudos diegéticos, vistos a pouco, é necessário compreender que o tempo narrativo é inconcebível fora do fluxo do tempo. Com isso a diegese quer dizer que, sendo cronologico ou psicologico, o tempo da narração tem que ser estudado levando em consideração os fatores estruturais que formam a base de cada personagem. Para Thomas Mann a identificação dos tempos da narração é fundamental para o leitor, pois este acaba ingressando de forma direta no universo elaborado pelo autor da obra.

Para o melhor entendimento da distinção entre o tempo cronoçogico e o pscologico, faz-se prudente analisar como ambas se manifestam nas obras estudadas nesse artigo: A Moreninha e Memorias Póstumas de Brás Cubas. Na primeira obra, a linearidade temporal é facilmente identificada, visto que os eventos ou ações dos personagens acontencem seguindo uma linha tênue, não deixando margem para dubialidade por parte do leitor. Nessa obra, a narração é contada durante um período de três semanas e meia, de forma que o leitor percebe claramente o desenrolar cronológico dos personagens. Mesmo tratanto de temas ligados a essencia humana, Joaquim Manuel de Macedo não dá tanta ênfase a personagens com um fundo psicologico aprofundado. Na sua obra, encontra-se resquicios que até poderiam evidenciar o grau psicologico de certos personagens, mas para um estudo mais aprofundado seria preciso fazer um levantamento completo de toda a obra, algo que infelizmente não será feito nesse trabalho.






Em Machado de Assis, porém, encontra-se uma imensa riqueza no quesito personagem com fundo psicológico. Trabalhando com as facetas que a mente humana pode produzir, ele cria um personagem incomum em toda a literatura da época. Um personagem que, após a morte começa a narrar os acontecimentos vividos durante sua passagem pela terra. Essa caracteristica, de certa forma, dá ao leitor o primeiro aspecto psicologico da obra. Com isso, o tempo psicologico nessa obra é então inevitavel, visto que a complexidade em que a narrativa machadiana é constituida contribui para formar na mente dos leitores uma maneira de entender como um defunto pode ser autor de sua propria história. Nesse sentido a diegese participa ativamente, pois, como fora conceituado antes, a diegese é a parte dos elementos que estão no texto, no qual o leitor terá que encontrar, entender e decodificar a mensagem da literariedade proposta pelo autor.

A obra é apoiada em dois tempos: um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever. O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação. E é essa quebra da linearidade que faz com que Machado de Assis se consagre como um dos maiores escritores de todos os tempos.

Considerar a importância da temporalidade litarária é de suma relevância para a compreensão de obras literárias. Em se tratando de dois grandes nomes como Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis, a necessidade de estudar cada personagem aumenta ainda mais, de modo que sejam considerados os feitos que ambos realizaram (um inaugurando o romantismo no Brasil, enquanto o outro o realismo). Fazer uma obra que retrate com o máximo de fidelidade possivel os costumes vividos pela sociedade brasileira foi o principal legado desses dois autores. Trabalhando com a temática do ser, cada um deles, do seu modo, tentou explicar como certos valores eram vistos pelas pessoas da época em que lançaram seus respectivos livros. Joaquim, mais nacionalistas, fala de uma sociedade mais galante, escrevendo o que o povo realemente queria ler. Machado, no entanto, prefere trabalhar com a universalidade do ser: a mentira, inveja, cobiça e todos esses sentimentos atemporais que fundamentam a estrutura do homen social.


25 maio 2010


DIOGO E VICTOR - Graduandos em Letras - UPE

RESUMO

Esse artigo tem como objetivo entender, analisar e aplicar os conceitos de argumentação à produção textual jornalística, especificamente a que se processa nos editoriais midiáticos. Desta forma, nosso corpus contempla, por um lado, a interação entre texto e sociedade e também elucida, por outro, teorias e abordagens científicas acerca dos pormenores quem constroem a eloquência em cada texto. Foi-nos balizar as contribuições de Perelman, Koch, Plantin e Ribeiro. Portanto, está intrínseca a nossa pesquisa a tentativa de conscientização dos processos a que interlocutores leigos são submetidos em um primeiro contato com tais gêneros persuasivos, isto é, ter acesso à intencionalidade textual em jornais.

INTRODUÇÃO

Construir um sentido a partir de uma leitura, ao ponto de descobrir qual é a intenção passada pelo texto, é criar um elo de interação entre autor-leitor-texto (KOCH, 2008). A argumentação, nesse sentido, se dá a partir da decodificação feita pelo leitor no momento em que este tem o seu primeiro contato com o texto. É nesse instante em que serão estabelecidas as avaliações, julgamentos, criticas, isto é, todo um juízo de valor que será evidenciado pelo leitor. Todo esse processo interacional constitui o próprio ato da argumentatividade, este, crucial e muito presente em editoriais jornalísticos, devido, sobretudo, ao alto teor persuasivo pregado por esse gênero textual.



1. POR UMA ARGUMENTAÇÃO HISTÓRICA

Pode-se comparar as primeiras especulações acerca do fenômeno argumentativo aos primeiros surtos de estudos da própria linguagem, pois, embora haja entre esses fenômenos uma relação de hierarquia organizacional, em ambos há tentativa de explicar fenômenos inatos e intrínsecos ao próprio homem. Nesse sentido, assim como as capacidades biológicas e sociais que permitem ao homem a comunicação, o expoente argumentativo está atrelado mesmo à sobrevivência, seja natural ou sociológica, de cada indivíduo. Este utiliza-se desde muito cedo, por exemplo, do choro, precedente à fala, a fim de realizar vontades através de um processo que passará a aperfeiçoar ao longo de toda vida no meio social.
Desde a retórica, de Aristóteles, os estudos da argumentação têm sido produzidos e reformulados hipoteticamente, devido a fatores e necessidades sociais de cada época em que determinadas teorias foram criadas, já que a argumentação pode ser vista como produto da interação social, portanto, proveniente de processos discursivos. A partir dos estudos clássicos, como os do filósofo, o fato de argumentar era visto através da lógica, o que constituía uma técnica pedagógica usada para compreender certos saberes, valores, estudos já estabelecidos. Desta forma, essa fase é caracterizada pelo uso de um procedimento através do qual se chega a uma verdade, que seria passada a um auditório (GUIMARÃES, 1995). Entende-se aqui auditório como destinatário a quem se pretende influenciar com a argumentação. Vale ressaltar, também, o fato dessas teorias terem sido criadas em uma época em que a arte de argumentar (retórica) era de extrema importância na cidadania dos indivíduos, pois calorosos debates sobre política, filosofia e lógica eram travados cotidianamente, por exemplo, pelos gregos. No entanto, sob uma reflexão mais ampla sobre tais contribuições Collinot & Mazière afirmam que
na medida em que estavam ligados aos estudos de retórica, os estudos de argumentação estavam claramente situados no lado errado, [...] em outros termos, em algo como a explicação de texto, a imitação e amplificação, uma forma de eloquência que não estava voltada para convencer pela prova e pelo debate, mas para subjugar pelo esplendor verbal. (COLLINOT & MAZIÈRE, 1987)
Uma vez exposta a esses tipos de crítica, a visão lógica da argumentação entra em um processo deslegitimação, sobretudo no século XIX e XX. Na virada desses séculos a situação é basicamente a seguinte: a retórica está cientificamente invalida como método por ser incapaz de produzir o saber positivo, enquanto que a lógica não se define mais como arte, mas sim como um ramo da matemática. Com isso, novos estilos argumentativos surgem tendo como base o método crítico. Nessa esfera de novas contribuições estão inseridas correntes como Linguística Textual, método crítico-dialogal e até mesmo os estudos bakhtinianos.
No entanto, é no pós-1945 que os estudos de argumentação passam por um notável desenvolvimento. Com a segunda guerra mundial, a guerra fria e todos os contextos conflituosos que circundaram as concepções anteriores acerca do fenômeno argumentativo, estes foram expostos a um processo de abertura à notação da persuasão, da indução através da linguagem. Tome-se como exemplo o fato de um dos maiores líderes do nazismo alemão, Adolf Hitler, ter transformado toda ideologia de um país através do discurso. Nesse sentido, analises, releituras e críticas foram necessariamente estimuladas por tais fatores históricos. Assim, no dizer de Plantin,
esse projeto de constituição de uma nova reflexão do logos, sobre a racionalidade do discurso, com uma especificação política, por meio de um conceito autônomo de argumentação, não está assim tão longe da visão de Curtius, que vê na retórica uma das bases da cultura européia. (PLANTIN, 2008)

2. A NOVA RETÓRICA: A INTENSIFICAÇÃO DAS TESES

A Nova Retórica, segundo Perelam, é "o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou a intensificar a adesão de certo auditório às teses apresentadas”. Desta forma, é uma retomada dos termos elaborados pelos Antigos filósofos:
"A Retórica, que foi elaborada pelos Antigos e à qual foram consagradas as obras de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, é uma disciplina que, após ter sido considerada o coroamento da educação greco-romana, degenerou-se a partir século XVI, quando foi reduzida ao estudo das figuras de estilo, e depois desapareceu inteiramente dos programas de ensino secundário. Esta retórica foi definida por Aristóteles como a arte de procurar, em qualquer situação, os meios de persuasão disponíveis. Prolongando e desenvolvendo a definição de Aristóteles, diremos que seu objeto é o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento [...]."(PERELAM)
Seguindo, podemos afirmar que a teoria de Perelman é suportada por pilares e dogmas por ele descritos. Vejamos.
a) A retórica procura persuadir por meio do discurso. Com esse primeiro enunciado o autor nos coloca a impossibilidade de uma discussão retórica dar-se quando recorrermos à experiência para obter adesão à uma informação, portanto, não existe retórica quando o diálogo baseia-se apenas no empírico. Segundo o autor, é insuficiente a utilização da experiência para um diálogo sem um prévio acordo sobre o significado das palavras utilizadas no enunciado.
b) A demonstração e as relações da lógica formal com a retórica. Só existirá uma conclusão verdadeira, se, no processo silogístico, forem reconhecidas como verdadeiras as premissas utilizadas. A prova demonstrativa, como Perelman nos relata, é convincente e persuasiva, porém, deve-se admitir como verdadeiros os antecedentes desta.


3. A ESTRUTURA DOS EDITORIAIS

“Os editoriais são textos de um jornal em que o conteúdo expressa a opinião da empresa, da direção ou da equipe de redação, sem a obrigação de ter alguma imparcialidade ou objetividade. Geralmente, grandes jornais reservam um espaço predeterminado para os editoriais em duas ou mais colunas logo nas primeiras páginas internas. Os boxes (quadros) dos editoriais são normalmente demarcados com uma borda ou tipografia diferente para marcar claramente que aquele texto é opinativo, e não informativo. Editoriais maiores e mais analíticos são chamados de artigos de fundo (Wikipédia)”.
Assim como qualquer outro gênero, os editoriais jornalísticos, por sua vez, seguem uma estrutura que, geralmente, está respaldado em um ponto de vista e na argumentação em sua defesa. Esse tipo de texto é encontrado facilmente nas colunas dos jornais ou em revistas, veiculando um conteúdo voltado para temas e/os acontecimentos de ordem política, econômica, social e cultural. No entanto, é perceptível em alguns artigos a presença de temas ligados à vivência do autor acerca de posicionamentos pessoais. Isso vem se tornando comum, sobretudo com temas que envolvem assuntos pouco comentados pela mídia televisiva, por exemplo, os que dizem respeito às relações interpessoais nos ambientes de trabalho.
A livre divulgação de determinados textos nos editoriais jornalísticos se dá, geralmente para responder aos anseios da sociedade que, muitas vezes, busca encontrar uma resposta para as inquietações dos problemas vividos no cotidiano. Para preencher essa lacuna, o autor desse texto deve, antes de tudo, está inteirado do tema que irá defender/discutir, para levar ao leitor argumentos incontestáveis, levando esse mesmo leitor a refletir sobre o que está sendo discutido. Nessa relação, o autor imprime a sua marca individual na estruturação desse texto, no entanto, ele não está inteiramente livre para expor o seu ponto de vista, nem tampouco está aprisionado, submisso, que nada pode dizer. Existe um limite implícito que delimita a intenção desse autor na hora de construir a pauta da sua argumentação.
Essa relação paradoxal tem certo fundamento, justamente porque os textos veiculados nesses editoriais são muitas vezes, construídos com uma linguagem indireta, fazendo com que o leitor decodifique a mensagem passada pelo autor. Evidentemente na atualidade essa maneira de formular os textos midiáticos está ganhando outro viés. Muitas vezes, esses textos são bastante explícitos, carregado da pessoalidade do autor e escrito numa linguagem muito esmiuçada, favorecendo a leitura de qualquer leitor.


4. EDITORIAIS E TEOR ARGUMENTATIVO

Encontrado facilmente em jornais e revistas, os editoriais jornalísticos contribuem para a construção de debates acerca de vários temas de ordem social. Isto por que, ele é estruturado em torno de uma argumentação, capaz de levar o leitor a refletir sobre diversos assuntos, ou até mesmo, convencê-lo, dependendo do grau persuasivo empregado no texto. É esse jogo de convencimento “implícito” entre texto/leitor ao qual tentaremos analisar. Para isso, é preciso elucidar uma distinção entre duas palavras (convencer e persuadir), que comumente são associadas aos artigos midiáticos. Nas palavras de Koch
enquanto a primeira relaciona-se unicamente por meio da razão, através de raciocínio lógico e por meio de provas objetivas, atingindo um ‘auditório universal’; a outra, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento do(s) interlocutor(s), utilizando argumentos plausíveis e verossímeis, dirigindo-se a um ‘auditório particular (KOCH, 2009)
Desta forma, enquanto um preocupa-se em convencer um público universal através de argumentos pautados na razão, o outro, procura atingir um leitor em potencial, dirigindo-se diretamente ao interlocutor. Ainda nesse sentido, Ribeiro vai dizer que
no texto de opinião, dá-se a partir de uma questão tematizada que gera a defesa de um posicionamento, seguida de argumentos que possam convencer o interlocutor (RIBEIRO, 2009)
Apesar dos manuais de redação continuarem a advogar a isenção como condição de legitimidade do jornalismo, difundiu-se o reconhecimento de que as notícias e reportagens são produzidas por meio da seleção e classificação dos fatos a partir de categorias intrinsecamente ideológicas, normalmente não explicitadas e freqüentemente naturalizadas.
O jornal está inserido numa realidade capitalista e como tal, a disputa do mercado das publicações não pode ser vista como um elemento fora do contexto jornalístico, assim a noticidade é uma fatia selecionada como interessantes, significativos e relevantes que mereçam ser transformados em notícias já carregados de uma ideologia constituída por aqueles grupos que detêm o controle da imprensa jornalística. O jornalismo se encontra sempre dividido entre a função de informar sobriamente os fatos e a utilização dos recursos expressivos para manter a fugidia atenção do leitor.
A informação é importante, mas também é importante a forma que a noticia é transmitida, é preciso incorporar uma trama, à semelhança de dados históricos, visto que cada vez mais o jornalismo foi abrigando no interior do seu texto recursos expressivos tomados emprestados à literatura.
Em meio a isso, cumpre salientar o teor ideológico em que se estruturam os textos jornalísticos. Diferentemente da dissertação, comumente encontrado em várias esferas da nossa sociedade, nos editorias o ato de argumentar não se limita em apenas expor posicionamentos alheios à realidade circundante. Pelo contraio, argumentar, nesse sentido, é bem mais que isso. É introduzir, muitas vezes de forma direta, a fala/opinião. O intuito incutido nesses textos é trazer a tona discussões pertinentes aos diversos temas sociais, para que o leitor possa refletir sobre o seu posicionamento, ao ponto de criar um juízo de valor sobre o que está sendo discutido. Para que isso ocorra, é preciso que o autor construa a sua argumentação pautada em verdades inabaláveis, não deixando assim, margem para uma possível dubialidade de interpretação por parte do leitor.


5. A ADJETIVAÇÃO COMO FATOR DE SUBJETIVIDADE E MANIPULAÇÃO

A adjetivação é um dos elementos modalizadores de um texto, ou seja, imprime ao que se fala ou escreve. Quando é excessiva e voltada a obtenção de efeitos retóricos, prejudica a qualidade do texto e evidencia o despreparo ou a má fé de quem escreve. Quando é feita com sobriedade e sensibilidade, contribui para a eficiência interlocutiva do texto. Nesse sentido, toda palavra que traz uma qualidade ao um sujeito trará também consigo um juízo de valor. Este, consiste em um juízo de valor é um juízo sobre a correção ou incorreção de algo, ou da utilidade de algo, baseado num ponto de vista pessoal. Como generalização, um juízo de valor pode referir-se a um julgamento baseado num conjunto particular de valores ou num sistema de valores determinado. Um significado conexo de juízo de valor é um recurso de avaliação baseado nas informações limitadas disponíveis, uma avaliação efetuada porque uma decisão deve ser tomada.



6. LIVRE DIVULGAÇÃO E A ATUAL LIBERDADE JORNALÍSTICA

A liberdade dos meios midiáticos sempre foi tema para inúmeros debates, uma vez que o livre arbítrio de alguns jornalistas na hora de publicar seus textos vem causando diversas discussões e questionamentos. Mas, até que ponto um jornalista pode expressar o seu ponto de vista num jornal? Em se tratando dos editoriais esse limite já é algo ultrapassado. Atualmente, Percebe-se que os textos são carregados de pessoalidade, muitas vezes com o intuito de manipular o leitor sobre determinado ponto de vista. Para ser mais claro, isso acontece com freqüência em temas de ordem política, já que no Brasil esse assunto sempre é foco de discussões. Geralmente o repórter não se prende apenas em narrar os escândalo e falcatruas cometidos pelos nossos governantes. Ele adiciona no texto uma carga valorativa imensa que poderá mudar todo um conceito (visão) que o leitor tem acerca de um determinado político ou partido.
Todo esse aparato persuasivo utilizado nos editoriais dificilmente é percebido pelos leitores comuns. Isto por que, sua estrutura é criada para levar ao seu interlocutor uma mensagem determinista, ao ponto de não deixar qualquer lacuna que possa desmentir o que está sendo dito. Para isso, os editores formulam seus textos com frases de efeito, geralmente frases afirmativas, elevando assim o grau argumentativo. Ainda nesse sentido, não são só temas de ordem política que os editoriais discutem, e sim muitos outros, frequentemente abordados. Entre os mais comuns estão àqueles ligados a celebridades e artistas em geral, esportistas (com ênfase para os jogadores de futebol), escândalos políticos, problemas de ordem social e etc.
A repercussão que os editoriais exerciam em seus interlocutores vai ganhar uma carga maior de juízo de valor. Isto por que, recentemente foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal a revogação de uma lei datada de 1967, que impedia que um indivíduo exercesse a profissão de jornalista sem ter ao menos uma formação universitária. Agora, qualquer pessoa pode se torna um repórter. Para isso, basta que o futuro jornalista tenha uma pequena experiência na área. Essa revolução na mídia jornalística vem sendo encarada como algo positivo. Na opinião de alguns, essa lei deveria ter sido revogada há mais tempo, já que vivemos num país democrático.
Se essa transformação será nociva ou positiva para os jornais é algo que deverá ser discutido futuramente. No momento, o que está em questão é até que ponto essa atual liberdade vai influenciar na construção do jornal como ferramenta de cunho ideológico? Ainda não se sabe os ganhos e as perdas que virão com essa renovação na lei, mas é evidente que os textos propagados pelos jornais, sobretudo os editoriais, estarão ainda mais endossados com as opiniões valorativas dos jornalistas, que agora terão maior liberdade para expor pontos de vista.

7. ANÁLISE

Conhecer os mecanismos utilizados pelos jornalistas para então compreender como se processa a argumentação nos editoriais foi o principal foco da pesquisa. A constatação de que o editorial não é um texto que surge do acaso. Ele é criado a partir de diversos temas sociais que comumente são noticiados. Saber também que o editor tem a liberdade de expor seus posicionamentos ao ponto de persuadir o leitor sobre determinado tema. Na realidade, persuadir é a intenção desse texto, e não convencer como muitos pensam.

8. CONCLUSÃO

A linguagem utilizada na estrutura dos editoriais sofreu, em linhas gerais, significativas modificações no curso da historia. A base argumentativa está mais próxima da realidade do leitor, criando assim um elo maior entre o texto e seu interlocutor. Essa interação tem moldado a cara da sociedade, na medida em que são discutidos temas que sacudam os convencionalismos e problemas que assolam a nossa sociedade. Tudo isso só foi possível porque os editoriais foram adquirindo traços peculiares do meio social, acompanhando as sucessivas transformações que ocorriam.

DIOGO E VICTOR - Graduandos em Letras - UPE


INTRODUÇÃO

Comparar a estrutura de uma obra literária que foi repassada para o cinema é algo que, nas palavras de alguns estudiosos da área, seria inconcebível. Isto porque, ambas as manifestações artísticas oferecem diferentes tipos de arcabouço para o entendimento de uma determinada obra. Contudo, Tratando do filme Ilíada, é impossível não fazer distinção entre a obra literária e a adaptação cinematográfica. A primeira, por conter a gênese da criação, oferece um leque de detalhes sobre a trama, levando o leitor a compreender não só o tema em questão, mas também absorver as peculiaridades cultural, social e, sobretudo religiosa vivida pelos povos antigos. Em contrapartida, o filme, por ser mais sucinto, acaba fragmentando a obra para que se encaixe nos padrões ditados pela indústria do cinema. Esse corte brusco fez com que na Ilíada dois pontos importantes divergissem da narrativa apresentada no livro: O primeiro refere-se à falta da intervenção dos deuses do Olimpo; A outra se refere a Aquiles ser o personagem central do filme, fazendo com que toda à trama gire em torno dele. Outros aspectos também são bem visíveis, como omissão de alguns personagens existentes na obra literária, até fatos não contidos em tal obra.

DE HOMERO A WOLFGANG PETERSEN

Adaptar para o cinema uma obra literária, respeitando o máximo possível da legitimidade que ela apresenta, é uma façanha digna para poucos. Isto por que, retratar nos mínimos detalhes o que está sendo narrado por um livro é algo praticamente impossível, visto que a estrutura deste último permite uma maior maleabilidade na construção de sentido por parte do leitor. Este por sua vez, interage mais diretamente com a mensagem que o autor se propôs a passar, criando um fluxo de imagem típico do livro. Existe, nesse sentido, uma pequena viagem, na qual o autor comanda todo o trajeto, enquanto o leitor apenas desfruta das surpresas e peripécias que serão desvendadas a cada nova pagina lida. Isso não quer dizer que a releitura feita pelo cinema não possa ter o mesmo vislumbramento. Apenas acreditamos que o contato entre o leitor e o livro é maior tanto quantitativa, quanto qualitativamente, pois o grau de intimidade é crescente. O cinema, por sua vez, tem o dom de materializar a mensagem que o autor tentou passar no livro. Através de uma linguagem mais próxima da realidade da maioria dos telespectadores, ele vai fazer com que uma determinada obra se torne atrativa aos olhos, despertando na sociedade a vontade de ir a uma sala de cinema para conferir como ficou a releitura de uma dada obra. Essa manobra feita pelas empresas cinematográficas é o conhecido chamariz, mecanismo propagandista que dá conta de atrair público. Infelizmente essa tática acaba prejudicando diretamente o enredo de alguns filmes baseados em adaptações, quando o interesse é apenas publicitário ou monetário. Preocupa-se muito com a contratação atores/atrizes de renome, investe-se alto em efeitos especiais, mas esquece-se de contemplar certos pormenores do livro, aumentado assim suas diferenças em relação ao filme. Devido a essa disparidade, crescem as criticas aos filmes que tentam adaptar grandes clássicos da Literatura Universal ao cinema. No entanto, o cinema, inserido em seu valor, ainda é o meio mais acessível das pessoas terem contato com determinados cânones, visto que, no Brasil, o hábito de leitura não é culturalmente prioritário.

ONDE ESTAVAM OS DEUSES DO OLIMPO?

Essa pergunta foi feita por todos aqueles que leram a obra Ilíada e, em seguida, assistiram ao filme de Tróia. Muitos esperaram que os deuses agissem da mesma forma como no livro: interferindo diretamente nas batalhas, ora favorecendo os gregos, ora os troianos. No entanto, tal participação não ocorreu no longa. Basicamente a história adaptada de Tróia narra o rapto de Helena pelos troianos, desencadeando uma árdua batalha entre os dois povos. É lamentável deixar de incluir a questão mitológica da época, algo que exercia grande influência no cotidiano das pessoas. Como se sabe, naquele período ocorria adoração a vários deuses, ou seja, o Politeísmo. As pessoas cultuavam e faziam sacrifícios em troca dos pedidos feitos aos deuses. Zeus, Poseidon, Ades, Atena eram algumas das inúmeras divindades que eram cultuadas pelos gregos. O que chama a atenção é o perfil no qual esses deuses eram apresentados. Cheios de vícios, defeitos e desejos carnalizados, os deuses do olimpo faziam constantes interferências na rotina das pessoas. Na batalha de Tróia, narrada na Iliada, é marcante a presença desses deuses, favorecendo gregos e troianos nos momentos em que lhes conviessem. Já no filme, existia uma constante preocupação em mostrar mais os conflitos do que a questão religiosa vivida pelos personagens. No longa-metragem de Petersen, no que se refere ao quesito religião, merecem certo destaque apenas alguns personagens: Príamo, rei dos troianos, homem de extrema devoção aos deuses; E a jovem Briseida, que no filme aparece em algumas cenas mostrando toda a sua crença e adoração aos deuses. Enquanto isso, os outros personagens não demonstram muita fé aos tão famosos deuses do Olimpo. O resultado disso é uma narrativa deslocada contextualmente, no que se prefere centralizar a historia apenas em torno de um só personagem e esquece-se de mencionar fragmentos importantes do livro que seriam cruciais para a compreensão da obra.

A GUERRA DE TRÓIA É A GUERRA DE AQUILES?

Quem assistiu ao filme de Tróia percebeu que o personagem central da trama não era bem a disputa entre gregos e troianos. Existia um entre todos os personagens da trama que se sobressaía entre os demais. Esse personagem era Aquiles, filho de Peleu e Tétis, o semideus, como era constantemente chamado no filme. Os leitores do livro que em seguida assistiram a adaptação para o cinema perceberam que a questão comercial acabou prevalecendo no momento da construção do enredo de Tróia. O papel de Aquiles, interpretado pelo galã Brad Pitt, contribuiu para elevar o filme na escala de superprodução, resultando na comercialização exacerbada do filme.Evidentemente que, ao produzir um filme que tenha como ponto de partida a historia de uma lendária batalha entre dois grandes impérios, é de se esperar que haja essa preocupação dos produtores, no que diz respeito à arrecadação das bilheteiras do cinema. Porém, associado a isso deveria estar ligado à descentralização do personagem de Aquiles no filme. Não que o seu papel, tento na obra quanto no cinema, não tenham sido relevantes. Pelo contrário, ele foi um dos maiores, quiçá o maior guerreiro que os gregos e, possivelmente os troianos, tenham visto.Aquiles se torna o personagem central do filme, restringindo a aparição de outros personagens que tiveram a sua parcela na construção da temática da obra. Muitos tiveram pequenas participações, enquanto outros nem sequer foram citados no filme. O resultado é uma exaltação ainda maior da figura de Aquiles, em detrimento dos outros personagens.

DIVERGÊNCIAS ENTRE O LIVRO E O FILME

• A Ilíada não narra a morte de Aquiles, como aparece no filme;
• A o obra de Homero tem como tema central a ira de Aquiles, a guerra e suas conseqüências;
• Pátroclo, além de ser mais velho que Aquiles, mantia relações homossexuais com o primo;
• Heitor, após executar Pátroclo, coleta a armadura que o grego usara, esta era, na verdade, o traje de Aquiles. Tal detalhe não é retratado no filme;
• Vulcano, a pedido de Tétis, forja uma nova armadura para Aquilies. Esta era extremamente luxuosa e resistente, o que garantiu a vitória de Aquiles sobre Heitor;
• O estopim do desentendimento entre Aquiles e os gregos foi a atitude de Agamémnom tomar-lhe a escrava Briseida. Agamémnom o faz por ter entregado sua própria escrava, Criseida, cuja não aparece no longa;
• Com a queda de Tróia, Helena volta à Esparta e para Menelau, o que também não é retratado no filme;
• O enredo de Ilíada se encerra com o funeral de Heitor, fato desobedecido no cinema.

CONCLUSÃO

Adaptar uma obra literária é uma tarefa árdua. Muitas vezes essa adaptação não contempla todo o enredo que o livro produziu. No cinema, vários clássicos da literatura passaram por essa experiência, muitos com êxito, outros, porém, ficaram limitados a interpretações simplórias, superproduções vazias e cortes gigantescos, comprometendo assim a essência da obra em questão. Com a Ilíada, tal fenômeno aconteceu, pois muitos detalhes importantes forma omitidos, enquanto outros foram explorados exageradamente.Como foi dito antes, não se espera que o cinema consiga comportar todos os detalhes que uma grande obra literária pode apresentar. Contudo, espera-se, por outro lado, que o limiar que separa o cinema do livro se torna cada vez mais amplo. A ideia é que haja um elo semântico que permita ao leitor identificar nos meandros de cada cena representada no cinema alusões da mensagem criada pelo autor original da obra.

24 maio 2010

Além do fundo poético, essa música é uma critica ferrenha a dura realidade dos trabalhadores brasileiros. Vale a pena ouvir!





Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague



Walter Terry, classificou o termo "dança moderna" como um conceito de dança em lugar de um sistema acadêmico, de uma tradição ou de uma técnica cristalizada.


O escritor americano John Martin definia a dança moderna como o resultado de quatro princípios, ou seja, substância (movimento), dinamismo, metakineses e forma, como resultado do movimento, independente da música ou de outras formas.

“A dança contemporânea surgiu na década de 60 como uma forma de protesto ou rompimento com a cultura clássica. Depois de um período de intensas inovações e experimentações que muitas vezes beiravam a total desconstrução da arte finalmente - na década de 1980 - a dança contemporânea começou a se definir desenvolvendo uma linguagem própria embora algumas vezes faça referência ao balet clássico.”


“Para mim arte é tudo aquilo que nos toca a alma, que nos sensibiliza e nos remeta a um sentimento de admiração e enlevo, mesmo que não entendamos o recado do artista em sua obra, pois não vamos senti-la com a razão, mas com a emoção.”


A dança engloba bem o conceito de expressão artística, sobretudo por que, através de movimentos simetricamente calculados, o bailarino passa à graciosidade, a plenitude, a múltipla significação, características presentes em varias formas do fazer artístico. Além disso, há a união com a música, outra vertente que faz parte do conjunto que a arte engloba.


Dançar também é unir sentimentos, compartilhar experiencias. É uma troca de fluidos entre o artista e o telespectador. É ginga, swing, molejo, sensualidade.


DANÇAR É TUDO!

23 maio 2010



REFLEXO ARMORIAL NA CONTEMPORANEIDADE:
O Velho Chico e a nacio-culturalidade
DIOGO E VICTOR- Graduandos em Letras – UPE

Espelho d'Água - Uma Viagem no Rio São Francisco é um filme brasileiro de 2004, do gênero drama, dirigido por Marcus Vinícius Cesar. Com duração de 110 minutos, o filme conta com o elenco de Fábio Assunção, Francisco Carvalho, Carla Regina e Regina Dourado. Premiado no 8º festival de cinema de Miami, troféu orgulho de ser brasileiro pela Tam; Cinepe 2004 e prêmio Margarida de prata.

Desde as primeiras inquietações do movimento armorial, as expressões artísticas tentam voltar-se à cultura popular do nordeste brasileiro por meio de diversas orientações: música, dança, teatro, escultura, cinema. Neste último, temos vários exemplos de obras para esse fim, em que se inserem o “auto da compadecida”, “O homem que desafiou o diabo”. Desta forma, o filme Espelho D’água retrata um Brasil repleto de tradições e lendas, lamentavelmente, conhecido por poucos, cujo resultado reflete a riqueza e a variedade sonora das regiões com sua exuberância, miséria e mitos.

No filme, à luz da questão social, as populações ribeirinhas não tiram apenas o sustento do São Francisco, elas alimentam também um rico imaginário representado por lendas, superstições, tradições, hábitos e vínculo com passado que teima em sobreviver, muitas vezes, apenas na memória dos mais velhos; que transmitem a tradição através do relato oral de causos e histórias. Partindo dessa realidade, Espelho D’água constitui-se de núcleos que, com significância, conseguem criar uma narrativa em tom de fábula e realidade social, simultaneamente.

Como uma colcha de retalhos, o diretor Marcus Vinícius Cesar tece um elo entre passado e presente, sobretudo nas primeiras cenas do filme quando a canoa Sidó une-se a Abel desde a infância e assim permanece até os últimos instantes da obra. Ainda nessa perspectiva a união afetiva entre esses dois personagens serve como alegoria de ligação de todas as histórias que se desenvolvem no filme. Ainda nessa perspectiva, a união afetiva entre esses dois personagens serve como alegoria de ligação de todas as histórias que se desenvolvem no filme.

Vale ressaltar também a atitude personificadora por parte do diretor em relação à Sidó, quando este humaniza a canoa, tornando-a foco dos outros núcleos. Essa relação abre margens para que o espectador comece a ultrapassar as barreiras transfronteiriscas da ficção e enxergar as cenas de forma documental, especialmente na cena em que o personagem Henrique, interpretado por Fábio Assunção é questionado pelo personagem Candelário sobre sua função de retratar apenas as belezas do rio, assim negligenciando a degradação existente nele: “Nas suas fotos o rio está sempre bonito, brilhando, parecendo um diamante, mas por baixo do espelho d’água ele está morrendo e ninguém faz nada”. A escolha do nome Candelário é fortemente simbólica, pois nos remete à luz, iluminação, clareamento.

Já no núcleo místico, a figura de Penha, interpretada de forma plausível por Regina Dourado, representa a força aglutinadora da mulher nordestina, que transmite para filhos e netos lendas e superstições. Afinal, pessoas como Abel e Penha, que cresceram às margens do rio, são testemunhas da força mítica de Bicho d’água, Pé-de-garrafa, Minhocão, algumas entidades que habitam o fundo das águas. Seguindo esse raciocínio, podemos exemplificar a força religiosa da cultura popular quando Penha entrega a Henrique uma cabaça para ser depositada em uma das margens do velho Chico, pois exibe um Brasil onde a fé serve de válvula propulsora na vida do povo ribeirinho.

Outro ponto do filme que merece ser destacado diz respeito ao romance entre Henrique e Celeste, dando ao filme um aspecto mais comercial. A relação entre os dois personagens acaba servindo de mote, principalmente quando Henrique sofre um acidente às margens do rio e Celeste desloca-se, coincidentemente, da cidade onde mora para começar uma busca desesperada à procura de seu amado.

Em meio ao enredo, ela conhece Abel e sua canoa, Zé da carranca, Olavo, e juntos percorrem o São Francisco descobrindo tradições e peculiaridades das pessoas que vivem em torno do Velho Chico.

Em linhas gerais o filme transpassa a idéia da efemeridade da vida, principalmente quando Henrique, nas cenas finais, menciona a seguinte frase: “A gente passa e a vida fica”. Nesse trecho e em grande parte do filme, há uma forte alusão ao Carpe Diem greco-latino citado pelo filósofo Heráclito. Para ele, não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque, ao entramos pela segunda vez, não serão as mesmas águas que estarão lá, e a mesma pessoa será diferente. Portanto, “tudo flui” e nada permanece estático no filme. Outro não menos importante, Fernando Pessoa converge nessa temática, quando diz, na voz de um de seus heterônimos, os seguintes versos: “Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio/Mais vale saber passar silenciosamente e sem desassossegos grandes.

” Envolvidos com o mundo do rio São Francisco, tomamos a liberdade de criar uma poesia que sintetiza a essência de todo o filme:
Vejo-te cansado, sem mais o porte altaneiro, Trazendo em ti, dores, ressentimentos, mágoas...
É que sabes que a transposição das tuas águas
Seja, talvez, a tua morte - o golpe derradeiro!
Sofres, Velho Chico. Serão tuas dores derradeiras?...
A tua dor é como se fosse também a minha...
Como deixar de ver tua população ribeirinha?...
Como deixar de ouvir a cantoria das lavadeiras?...
Vê-se que em teu seio a água já não mais abunda,
Agonizas a escorreres por entre seixos,lento...
Em alguns dos teus trechos tu estás sedento Tal como a população sofrida que te circunda.
Estás cansado, com ressentimentos e mágoas,
É que sabes que a transposição das tuas águas Seja, talvez, a tua morte - o golpe derradeiro!


As vezes fico me perguntando o que a poesia faz nas pessoas. Já ouvi muitos depoimentos de pessoas que tiveram suas vidas transformadas após lerem um poema ou poesia. E não se trata apenas de ler poetas clássicos. Muitos pessoas afirmam que os autores contemporâneos expressam tão bem os seus sentimentos quanto qualquer outro de épocas remotas. Mesmo assim, eu ainda não conseguia enxergar o real valor que esses textos poéticos representavam. Ai vinha a reflexão: Será que eu sou tão insensível ao ponto de não ver o que as outras pessoas veem nesses textos? E isso me consumia em silêncio...

Confesso que nunca fui fã de poesias e poemas. Sempre gostei de ler livros em prosa, pois o formato destes me agradavam bem mais. Ainda hoje isso não mudou muito, mas algo inusitado aconteceu quando eu ouvi uma música. Antes de revelá-la, quero falar um pouco da interprete que, na minha concepção, é a maior cantora do mundo. Não estou exagerando. Unir arte, música, talento, expressão, espetáculo, voz, sutileza, delicadeza, em apenas um show não é para qualquer um. Aqui no Brasil temos o privilégio de ter uma representante de todas essas qualidades: Maria Bethânia. E foi através de uma música interpretada por ela que o meu gosto por poesia começou a aflorar.

Como vocês devem saber, Bethânia não é uma cantora como as outras. Dona de uma grande voz e de um estilo completamente dela, conseguiu ao longo dos anos dá uma nova roupagem a músicas consagradas da nossa elogiadissima MPB. Pois é, como vocês já devem ter percebido, a poesia que motivou o meu gosto é uma música. O autor é Sérgio Ricardo, um dos grandes nomes da bossa romântica do seu tempo. O nome da música é Poema Azul. Simplesmente LINNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNDA!

Quando ouvi essa música pela primeira vez eu senti que o meu corpo tinha sido teletransportado para outra dimensão, um lugar lindo e seguro, onde os sentimentos impuros não conseguiam me alcançar. Um lugar onde a natureza reinava e eu tinha certeza que os meus desejos seriam realizados. Senti a brisa tocando meu corpo, a água batendo no meu pés, a lua banhado-me com sua luz infinita...Enfim, um misto de sonho e sinestesia.

A partir daí, comecei a entender o que as outras pessoas sentiam quando liam ou ouviam uma poesia. Na realidade, há uma aura mística nestes textos que, só algumas pessoas conseguem perceber. Bem! Agora quero dividir esse sentimento com vocês. Não espero que você goste da música ou da melodia. Nem tampouco quero que se torne um apaixonado por literatura ou por poemas. Apenas quero que você feche os olhos quando ouvir essa música e deixe que ela te leve para qualquer lugar, pois eu tenho certeza que algo inusitado dentro de você irá florescer após isso. Mas, para que tudo isso aconteça é preciso que você tente enxergar o lado poético da música, tá bom?! Apenas relaxe! Deixe seu corpo, mente e alma levarem você. Esvazie todos os pensamentos negativos. Mentalize só coisas boas, para você e para todas as pessoas que lhe fazem bem. Se isso não surtir efeito, eu prometo trazer outras poesias que, de forma mágica, transformaram a minha forma de ver o mundo. Ai em baixo está a letra e o video dessa música. Espero que gostem...

Poema Azul
Autor:Sérgio Ricardo
Interprete: Maria Bethânia
O mar beijando a areia
O céu e a lua cheia
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu
E a lua cheia
Que prateia os cabelos do meu bem
Que olha o mar beijando a areia
E uma estrelinha solta no céu
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu e a lua cheia
um beijo meu





Osman Lins - A Partida

Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.

Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.

Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres nas praias, caras novas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as horas corressem e eu me encontrasse imediatamente na posse de todos esses bens que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!

Percebi que minha avó não me olhava. A princípio, achei inexplicável ela fizesse isso, pois costumava fitar-me, longamente, com uma ternura que incomodava. Tive raiva do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.

Deixei a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar para a lâmpada. Desejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irritava-me por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção.

Minha avó fechara a maleta e agora se movia, devagar, calada, fiel ao seu hábito de fazer arrumações tardias. A quietude da casa parecia triste e ficava mais nítida com os poucos ruídos aos quais me fixava: manso arrastar de chinelos, cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar de talheres, de xícaras.

Por fim, ela veio ao meu quarto, curvou-se:

— Acordado?

Apanhou o lençol e ia cobrir-me (gostava disto, ainda hoje o faz quando a visito); mas pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas.

Não consegui dormir. Continuava preso a outros rumores. E quando estes se esvaíam, indistintas imagens me acossavam. Edifícios imensos, opressivos, barulho de trens, luzes, tudo a afligir-me, persistente, desagradável — imagens de febre.

Sentei-me na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa, que mais parecia um anúncio de morte. As horas passavam, cantavam grilos, minha avó tossia e voltava-se no leito, as molas duras rangiam ao peso de seu corpo. A tosse passou, emudeceram as molas; ficaram só os grilos e os relógios. Deitei-me.

Passava de meia-noite quando a velha cama gemeu: minha avó levantava-se. Abriu de leve a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu, veio chegando e ficou de pé junto a mim. Com que finalidade? — perguntava eu. Cobrir-me ainda? Repetir-me conselhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso de raiva. Ela estava olhando para mim e chorando como se eu fosse um cadáver — pensei. Mas eu não me parecia em nada com um morto, senão no estar deitado. Estava vivo, bem vivo, não ia morrer. Sentia-me a ponto de gritar. Que me deixasse em paz e fosse chorar longe, na sala, na cozinha, no quintal, mas longe de mim. Eu não estava morto.

Afinal, ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços. Eu crispei as mãos nas grades de ferro da cama, sobre as quais apoiei a testa ardente. E adormeci.

Acordei pela madrugada. A princípio com tranqüilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restavam-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar nem uma hora mais naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.

Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?

Ela estava encolhida, pequenina, envolta numa coberta escura. Toquei-lhe no ombro, ela se moveu, descobriu-se. Quis levantar-se e eu procurei detê-la. Não era preciso, eu tomaria um café na estação. Esquecera de falar com um colega e, se fosse esperar, talvez não houvesse mais tempo. Ainda assim, levantou-se. Ralhava comigo por não tê-la despertado antes, acusava-se de ter dormido muito. Tentava sorrir.

Não sei por que motivo, retardei ainda a partida. Andei pela casa, cabisbaixo, à procura de objetos imaginários enquanto ela me seguia, abrigada em sua coberta. Eu sabia que desejava beijar-me, prender-se a mim, e à simples idéia desses gestos, estremeci. Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?

Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários.

Esse conto é lindo gente. Eu já chorei várias vezes lendo-o. E só para ressaltar: o autor é Pernambucano



ENCONTRANDO A FELICIDADE

(Baseado no conto Felicidade Clandestina de Clarice Lispector)


Ele era um menino aparentemente normal, magro, de altura mediana, cabelos claros, olhos também claros, por sinal de um verde encantador que deixavam as garotas alucinadas, características invejáveis para um menino da sua idade. Crescera numa família de classe media, na qual o pai exercia a função de advogado e a mãe era medica. Até ai tudo bem. Parecia uma típica família de classe média existente em varias partes do mundo. Entretanto, esse menino escondia da família algo que nós, seus amigos, sabíamos há muito tempo. Ele era um menino relativamente triste. Tinha tudo o que os outros garotos queriam ter, mas mesmo assim, vivia cabisbaixo pelos cantos.

Eu sempre fui o amigo mais próximo que ele tinha. Mesmo não entendendo bem o motivo para tanta tristeza, eu continuei sendo amigo dele por muito tempo. No inicio, eu achava que o silêncio dele nada mais era que uma tremenda timidez, mas o tempo foi passando e ele continuava do mesmo jeito. Na escola os outros meninos tentavam se aproximar dele, mas sem êxito. Ele não dava margem para aproximação. Agia de forma estranha. Sempre sentava afastado de todo mundo. Na hora do recreio ele não brincava, preferia ficar sozinho olhando profundamente para um infinito, um horizonte totalmente particular onde só ele conhecia.

Os outros me perguntavam o porquê de ele ter me escolhido como único amigo. Na verdade nem eu mesmo sabia. Tentei perguntar a ele varias vezes, mas não obtive resposta. Às vezes esse silencio dele me irritava. Como pode um menino que tem tudo ser tão triste? Essa pergunta vagava pela minha mente todas as vezes que eu encontrava com ele. Porém, de alguma forma eu me sentia importante nessa relação. Mesmo não havendo muito diálogo, eu fui o escolhido para ser seu melhor amigo. Mas por que eu? Tá ai uma boa pergunta.

Certo dia, a caminho de casa, eu o avistei na janela do seu quarto. De alguma maneira me senti tentado em ir até lá. Ao chegar à porta da casa toquei levemente a campanhinha e aguardei ser atendido. Depois de certo tempo a porta se abre. Era a empregada da casa. Ela me perguntou quem eu estava procurando e eu respondi que queria ver o meu amigo. A empregada me olhou com estranheza, como se não acreditasse que alguém poderia ser amigo daquele menino. De repente uma voz ecoou de dentro da casa. Era a mãe do menino, uma senhora de meia idade, com um rosto bem marcante. Ela me atendeu gentilmente e disse que eu poderia subir para falar com o meu amigo. Até aí tudo bem. Uma casa normal, uma mãe aparentemente normal. Subi então as escadarias e bati na porta do quarto do meu amigo. Mais uma vez ele não disse nenhuma palavra. Fiquei lá falando com ele sozinho, num monólogo enfadonho e constante.

A minha presença parecia não alterar em nada a postura do menino. Ele estava olhando fixamente da janela da qual eu o avistei da rua. De repente, para a minha surpresa, ele fala uma palavra. Sussurrando baixinho ele agradece pela minha presença. Nunca pensei que um simples obrigado fosse tão prazeroso de se ouvir. Fiquei tão feliz que acabei dando um abraço nele, mesmo não sendo correspondido. De repente, um barulho quebra o silencio mórbido da casa. Algo na sala e jogado. Parece vidro sendo lançado na parede. O menino ao meu lado começa a estremecer como se soubesse de onde vinha todo aquele barulho. Enquanto isso mais coisas eram quebradas. Agora se ouviam vozes alteradas, como se fosse uma discussão. Fiquei sem entender. Ele tremia e chorada como se estivesse prevendo que algo muito ruim fosse acontecer. A cada nova peça quebrada, a cada grito, a minha curiosidade aumentava. Ele continuava a tremer e a chorar, como se aquele evento fosse algo comum na rotina dele. Até que chegou um momento que eu não resisti. Fui ver o que estava acontecendo. Para minha triste surpresa era uma briga de casal. O pai do meu amigo tinha chegado em casa embriagado, de mais uma noite de farra, e resolveu bater na mulher e quebrar os moveis .

Depois desse incidente tudo começou a fazer sentido na minha cabeça. Esse era o motivo de tanta tristeza. Ele não aguentava mais presenciar as senas de violência sofridas pela mãe. A impotência o deixava paralisado. Por isso, ele resolveu se excluir de tudo e de todos. Essa foi à maneira que ele encontrou de esconder o seu sofrimento. Após elucidar toda essa situação eu resolvi então agir. Contei toda essa historia para minha mãe que, posteriormente, resolveu intervir nessa situação. Ela foi até a casa do meu amigo falar com os pais dele sobre os malefícios que a brigas estavam causando na vida do garoto.

Depois de idas e vindas de muito conversa, o casal solucionou o problema. Ficou acordado que as futuras discussões seriam mais civilizadas e em voz baixa. De preferência sem agressões físicas e sem quebrar nenhum móvel. No inicio o meu amigo ficou meio incrédulo. Não acreditava que a paz poderia retornar ao seu lar. Achava que o melhor caminho era a separação dos seus pais. Mas o tempo foi passando, e o casal que constantemente brigava, Inexplicavelmente reconciliou-se. Não tinha mais discussões e nem tão pouco o pai do menino chegava em casa embriagado. O resultado de tudo isso foi o melhor possível: o meu amigo, que antes era introspectivo e tristonho, agora se tornou falante e altamente comunicativo. Não tinha mais aquele aspecto de infelicidade. Agora em seu rosto pairava um ar de serenidade, típico de uma criança que está bem com a vida. Sorte a minha que ajudei de certa forma essa família e de quebra ainda ganhei uma amigo. Agora já adulto, eu posso repassar essa historia para os meus filhos, e quem sabe um dia para os meus netos.