23 maio 2010

Espelhos D' água - Patricia Marx



REFLEXO ARMORIAL NA CONTEMPORANEIDADE:
O Velho Chico e a nacio-culturalidade
DIOGO E VICTOR- Graduandos em Letras – UPE

Espelho d'Água - Uma Viagem no Rio São Francisco é um filme brasileiro de 2004, do gênero drama, dirigido por Marcus Vinícius Cesar. Com duração de 110 minutos, o filme conta com o elenco de Fábio Assunção, Francisco Carvalho, Carla Regina e Regina Dourado. Premiado no 8º festival de cinema de Miami, troféu orgulho de ser brasileiro pela Tam; Cinepe 2004 e prêmio Margarida de prata.

Desde as primeiras inquietações do movimento armorial, as expressões artísticas tentam voltar-se à cultura popular do nordeste brasileiro por meio de diversas orientações: música, dança, teatro, escultura, cinema. Neste último, temos vários exemplos de obras para esse fim, em que se inserem o “auto da compadecida”, “O homem que desafiou o diabo”. Desta forma, o filme Espelho D’água retrata um Brasil repleto de tradições e lendas, lamentavelmente, conhecido por poucos, cujo resultado reflete a riqueza e a variedade sonora das regiões com sua exuberância, miséria e mitos.

No filme, à luz da questão social, as populações ribeirinhas não tiram apenas o sustento do São Francisco, elas alimentam também um rico imaginário representado por lendas, superstições, tradições, hábitos e vínculo com passado que teima em sobreviver, muitas vezes, apenas na memória dos mais velhos; que transmitem a tradição através do relato oral de causos e histórias. Partindo dessa realidade, Espelho D’água constitui-se de núcleos que, com significância, conseguem criar uma narrativa em tom de fábula e realidade social, simultaneamente.

Como uma colcha de retalhos, o diretor Marcus Vinícius Cesar tece um elo entre passado e presente, sobretudo nas primeiras cenas do filme quando a canoa Sidó une-se a Abel desde a infância e assim permanece até os últimos instantes da obra. Ainda nessa perspectiva a união afetiva entre esses dois personagens serve como alegoria de ligação de todas as histórias que se desenvolvem no filme. Ainda nessa perspectiva, a união afetiva entre esses dois personagens serve como alegoria de ligação de todas as histórias que se desenvolvem no filme.

Vale ressaltar também a atitude personificadora por parte do diretor em relação à Sidó, quando este humaniza a canoa, tornando-a foco dos outros núcleos. Essa relação abre margens para que o espectador comece a ultrapassar as barreiras transfronteiriscas da ficção e enxergar as cenas de forma documental, especialmente na cena em que o personagem Henrique, interpretado por Fábio Assunção é questionado pelo personagem Candelário sobre sua função de retratar apenas as belezas do rio, assim negligenciando a degradação existente nele: “Nas suas fotos o rio está sempre bonito, brilhando, parecendo um diamante, mas por baixo do espelho d’água ele está morrendo e ninguém faz nada”. A escolha do nome Candelário é fortemente simbólica, pois nos remete à luz, iluminação, clareamento.

Já no núcleo místico, a figura de Penha, interpretada de forma plausível por Regina Dourado, representa a força aglutinadora da mulher nordestina, que transmite para filhos e netos lendas e superstições. Afinal, pessoas como Abel e Penha, que cresceram às margens do rio, são testemunhas da força mítica de Bicho d’água, Pé-de-garrafa, Minhocão, algumas entidades que habitam o fundo das águas. Seguindo esse raciocínio, podemos exemplificar a força religiosa da cultura popular quando Penha entrega a Henrique uma cabaça para ser depositada em uma das margens do velho Chico, pois exibe um Brasil onde a fé serve de válvula propulsora na vida do povo ribeirinho.

Outro ponto do filme que merece ser destacado diz respeito ao romance entre Henrique e Celeste, dando ao filme um aspecto mais comercial. A relação entre os dois personagens acaba servindo de mote, principalmente quando Henrique sofre um acidente às margens do rio e Celeste desloca-se, coincidentemente, da cidade onde mora para começar uma busca desesperada à procura de seu amado.

Em meio ao enredo, ela conhece Abel e sua canoa, Zé da carranca, Olavo, e juntos percorrem o São Francisco descobrindo tradições e peculiaridades das pessoas que vivem em torno do Velho Chico.

Em linhas gerais o filme transpassa a idéia da efemeridade da vida, principalmente quando Henrique, nas cenas finais, menciona a seguinte frase: “A gente passa e a vida fica”. Nesse trecho e em grande parte do filme, há uma forte alusão ao Carpe Diem greco-latino citado pelo filósofo Heráclito. Para ele, não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque, ao entramos pela segunda vez, não serão as mesmas águas que estarão lá, e a mesma pessoa será diferente. Portanto, “tudo flui” e nada permanece estático no filme. Outro não menos importante, Fernando Pessoa converge nessa temática, quando diz, na voz de um de seus heterônimos, os seguintes versos: “Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio/Mais vale saber passar silenciosamente e sem desassossegos grandes.

” Envolvidos com o mundo do rio São Francisco, tomamos a liberdade de criar uma poesia que sintetiza a essência de todo o filme:
Vejo-te cansado, sem mais o porte altaneiro, Trazendo em ti, dores, ressentimentos, mágoas...
É que sabes que a transposição das tuas águas
Seja, talvez, a tua morte - o golpe derradeiro!
Sofres, Velho Chico. Serão tuas dores derradeiras?...
A tua dor é como se fosse também a minha...
Como deixar de ver tua população ribeirinha?...
Como deixar de ouvir a cantoria das lavadeiras?...
Vê-se que em teu seio a água já não mais abunda,
Agonizas a escorreres por entre seixos,lento...
Em alguns dos teus trechos tu estás sedento Tal como a população sofrida que te circunda.
Estás cansado, com ressentimentos e mágoas,
É que sabes que a transposição das tuas águas Seja, talvez, a tua morte - o golpe derradeiro!

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