23 maio 2010

Encontrando a Felicidade



ENCONTRANDO A FELICIDADE

(Baseado no conto Felicidade Clandestina de Clarice Lispector)


Ele era um menino aparentemente normal, magro, de altura mediana, cabelos claros, olhos também claros, por sinal de um verde encantador que deixavam as garotas alucinadas, características invejáveis para um menino da sua idade. Crescera numa família de classe media, na qual o pai exercia a função de advogado e a mãe era medica. Até ai tudo bem. Parecia uma típica família de classe média existente em varias partes do mundo. Entretanto, esse menino escondia da família algo que nós, seus amigos, sabíamos há muito tempo. Ele era um menino relativamente triste. Tinha tudo o que os outros garotos queriam ter, mas mesmo assim, vivia cabisbaixo pelos cantos.

Eu sempre fui o amigo mais próximo que ele tinha. Mesmo não entendendo bem o motivo para tanta tristeza, eu continuei sendo amigo dele por muito tempo. No inicio, eu achava que o silêncio dele nada mais era que uma tremenda timidez, mas o tempo foi passando e ele continuava do mesmo jeito. Na escola os outros meninos tentavam se aproximar dele, mas sem êxito. Ele não dava margem para aproximação. Agia de forma estranha. Sempre sentava afastado de todo mundo. Na hora do recreio ele não brincava, preferia ficar sozinho olhando profundamente para um infinito, um horizonte totalmente particular onde só ele conhecia.

Os outros me perguntavam o porquê de ele ter me escolhido como único amigo. Na verdade nem eu mesmo sabia. Tentei perguntar a ele varias vezes, mas não obtive resposta. Às vezes esse silencio dele me irritava. Como pode um menino que tem tudo ser tão triste? Essa pergunta vagava pela minha mente todas as vezes que eu encontrava com ele. Porém, de alguma forma eu me sentia importante nessa relação. Mesmo não havendo muito diálogo, eu fui o escolhido para ser seu melhor amigo. Mas por que eu? Tá ai uma boa pergunta.

Certo dia, a caminho de casa, eu o avistei na janela do seu quarto. De alguma maneira me senti tentado em ir até lá. Ao chegar à porta da casa toquei levemente a campanhinha e aguardei ser atendido. Depois de certo tempo a porta se abre. Era a empregada da casa. Ela me perguntou quem eu estava procurando e eu respondi que queria ver o meu amigo. A empregada me olhou com estranheza, como se não acreditasse que alguém poderia ser amigo daquele menino. De repente uma voz ecoou de dentro da casa. Era a mãe do menino, uma senhora de meia idade, com um rosto bem marcante. Ela me atendeu gentilmente e disse que eu poderia subir para falar com o meu amigo. Até aí tudo bem. Uma casa normal, uma mãe aparentemente normal. Subi então as escadarias e bati na porta do quarto do meu amigo. Mais uma vez ele não disse nenhuma palavra. Fiquei lá falando com ele sozinho, num monólogo enfadonho e constante.

A minha presença parecia não alterar em nada a postura do menino. Ele estava olhando fixamente da janela da qual eu o avistei da rua. De repente, para a minha surpresa, ele fala uma palavra. Sussurrando baixinho ele agradece pela minha presença. Nunca pensei que um simples obrigado fosse tão prazeroso de se ouvir. Fiquei tão feliz que acabei dando um abraço nele, mesmo não sendo correspondido. De repente, um barulho quebra o silencio mórbido da casa. Algo na sala e jogado. Parece vidro sendo lançado na parede. O menino ao meu lado começa a estremecer como se soubesse de onde vinha todo aquele barulho. Enquanto isso mais coisas eram quebradas. Agora se ouviam vozes alteradas, como se fosse uma discussão. Fiquei sem entender. Ele tremia e chorada como se estivesse prevendo que algo muito ruim fosse acontecer. A cada nova peça quebrada, a cada grito, a minha curiosidade aumentava. Ele continuava a tremer e a chorar, como se aquele evento fosse algo comum na rotina dele. Até que chegou um momento que eu não resisti. Fui ver o que estava acontecendo. Para minha triste surpresa era uma briga de casal. O pai do meu amigo tinha chegado em casa embriagado, de mais uma noite de farra, e resolveu bater na mulher e quebrar os moveis .

Depois desse incidente tudo começou a fazer sentido na minha cabeça. Esse era o motivo de tanta tristeza. Ele não aguentava mais presenciar as senas de violência sofridas pela mãe. A impotência o deixava paralisado. Por isso, ele resolveu se excluir de tudo e de todos. Essa foi à maneira que ele encontrou de esconder o seu sofrimento. Após elucidar toda essa situação eu resolvi então agir. Contei toda essa historia para minha mãe que, posteriormente, resolveu intervir nessa situação. Ela foi até a casa do meu amigo falar com os pais dele sobre os malefícios que a brigas estavam causando na vida do garoto.

Depois de idas e vindas de muito conversa, o casal solucionou o problema. Ficou acordado que as futuras discussões seriam mais civilizadas e em voz baixa. De preferência sem agressões físicas e sem quebrar nenhum móvel. No inicio o meu amigo ficou meio incrédulo. Não acreditava que a paz poderia retornar ao seu lar. Achava que o melhor caminho era a separação dos seus pais. Mas o tempo foi passando, e o casal que constantemente brigava, Inexplicavelmente reconciliou-se. Não tinha mais discussões e nem tão pouco o pai do menino chegava em casa embriagado. O resultado de tudo isso foi o melhor possível: o meu amigo, que antes era introspectivo e tristonho, agora se tornou falante e altamente comunicativo. Não tinha mais aquele aspecto de infelicidade. Agora em seu rosto pairava um ar de serenidade, típico de uma criança que está bem com a vida. Sorte a minha que ajudei de certa forma essa família e de quebra ainda ganhei uma amigo. Agora já adulto, eu posso repassar essa historia para os meus filhos, e quem sabe um dia para os meus netos.

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