Há poucas semanas dez meninos morreram queimados em um presídio de Goiânia. Foram carbonizados dentro de um estabelecimento que sequer poderia existir, em face da vedação constitucional à imposição de sanções penais a menores de 18 anos. Daniel, que chegou a sobreviver ao incêndio, sofreu lentamente uma morte ainda mais dolorosa, depois da amputação de um braço e dias de internação.
Podemos imaginar a cena de horror: o incêndio, os gritos, o choro pela dor lancinante, corpos carbonizados, já sem vida, agarrados uns aos outros como quem busca o socorro que estava ali à porta, mas que não veio.
Muitos goianos não se incomodaram, outros até comemoraram e alguns poucos se indignaram. As autoridades, esquivando-se de responsabilidades pela tragédia há tempos anunciada, jogam nas vítimas a culpa pela sua própria morte. Como as coisas não costumam mudar nesse campo, nada mudou; e o presídio, ilegal, continua funcionando.
Agora chegam as imagens dos meninos presos nos Estados Unidos. Arrancadas dos pais imigrantes, crianças estão sendo recolhidas em jaulas e expostas a toda sorte de violências físicas e psicológicas. As cenas são chocantes, assim como os áudios com os gritos e o choro desesperado.
Tal como aqui, também lá não se manifesta a indignação geral e muitos “cidadãos de bem” apoiam as medidas de segregação, indiferentes à crueldade praticada contra meninos e meninas e insensíveis ao sofrimento advindo da separação de suas famílias.
É sintomático que uma das primeiras respostas do governo americano tenha sido o anúncio da saída do Conselho de Direitos Humanos da ONU, não sem antes, é claro, responsabilizar os imigrantes pela situação vivenciada pelos seus filhos.
Existem diferenças entre Goiânia e o Texas, a começar da pouca visibilidade e a quase nenhuma repercussão do que houve por aqui. Mas também há semelhanças, pois, enquanto lá são crianças, filhos e filhas de imigrantes, que estão sendo mantidas em situação de cárcere, aqui dez meninos que estavam presos morreram!
O que acontece nos Estados Unidos mostra para o mundo o que o capitalismo reserva para os excluídos do sistema, os indesejáveis eleitos como inimigos a serem combatidos. Do lado de cá, são os corpos de dez meninos que escancaram a ilegalidade da prisão de adolescentes no Brasil, essa rotina naturalizada nas práticas do sistema de justiça. E é em Goiânia, esta cidade encravada no interior de um país periférico, onde assumimos a morte como uma possibilidade, como política pública não declarada e perversa, para os meninos que não estão sob a proteção do capital.
*Haroldo Caetano é Promotor de Justiça, Mestre em Ciências Penais (UFG), Doutorando em Psicologia (UFF).
Visto no: Justificando
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