Em tempos de
autoafirmação de identidades, muitas pessoas são encorajadas a sair as ruas
exaltando seus corpos, estilos, gostos pessoais, preferências sexuais, posturas
estas que por si só são importantíssimas, não apenas por incentivar outros
indivíduos invisibilizados a olharem para si mesmos, mas também como forma de
militância, indo de encontro a todas as imposições que nos cercam. Porém, nem
sempre é possível chegar ao grande público como se é, ou melhor, como se tem
vontade de ser. Na contramão dos nossos desejos, há uma silenciosa ditadura
gritando um NÃO bem audível para nos coibir de realizar qualquer mudança em
nossa personalidade que ameace aquilo visto como aceito pela maioria dominante.
Então, entre o ser ou não ser, muitos ainda se negam o direito de existir
plenamente contribuindo para uma baixa autoestima, a qual, quando não
trabalhada a tempo, pode desembocar em outras patologias emocionais.
De fato, não é fácil se
rebelar contra o sistema. Aqueles que conseguiram se sobressair nesse sentido
sentem na pele, muitas vezes literalmente, o peso dessa transgressão. Os
exemplos são muitíssimos. Variam do manequim que usamos, a textura do cabelo,
passando pela tonalidade de nossa pele, as roupas que vestimos, aos gestos que
usamos, e vão até questões mais intimistas como quem preferimos nos relacionar,
sobretudo sexualmente falando. Assim, encaixotados em moldes pré-definidos, não
vemos escapatória, a não ser se enquadrar ao que já é determinado ou recriar nossas
próprias embalagens de apresentação. Para isso, é preciso ter criatividade e
isto, por ser algo nato, se desenvolve mais efetivamente em uns indivíduos e
outros não. Por essa razão, muitos se frustram em suas representações de si,
pois não encontram mecanismos de se sobressair ao ponto de criar uma persona digna
de visibilidade para os demais a sua volta.
Ilhados entre a norma e
a inovação, aquelas pessoas sentem bem mais o peso da exclusão, pois não
pertencem ao que é visto como aceito, tão pouco conseguem se encaixar entre os
inaceitos. Isso se dá também pela própria construção da personalidade de cada
pessoa. Isto porque, o que nos tornaremos é reflexo daquilo que nos foi
impregnado ao longo da vida. Nesse acúmulo, as interferências sociais/midiáticas/familiares/religiosas/culturais,
esculpem nossas formas, geralmente em réplicas, nos aprisionando ao que foi, e
ainda é, pré-estabelecido. Assim, por mais feitos realizados, conquistas
adquiridas, metas concretizadas, sentimo-nos insuficientes para essa sociedade
predatória da qual nos cobra a oferecer mais do que podemos e o pior, a
inferiorizar o muito que já demos a/ou somos.
Não é de se surpreender
que haja tantas pessoas insatisfeitas consigo mesmo, pois a cobrança social
alimenta à pessoal e nos faz parecer desencaixados do mundo. Logo, desesperados
por uma migalha de pertencimento que não é nos ofertado, ficamos cabisbaixos,
isolados em nossas incertezas, retroalimentando negatividades capazes de se
transformarem em depressões ou até práticas suicidas. Tamanhas ações
depreciativas refletem justamente o desejo desse coletivo normatizado: o de
querer nos fechar em uma bolha, encapsulando nossas particularidades, desejos e
anseios, ao invés de oferecer recursos diversos para que nossos perfis sejam legitimados
como são. Por isso, os cabelos cacheados, o turbante, a cor de nossa pele
(principalmente a negra), as mulheres plus size, as feminilidades e
masculinidades, dentre tantas outras pautas caras a nossa identidade social,
precisam ser problematizadas, não só para direcionar as pessoas perdidas em
suas representações, como ampliar as opções de existir nessa sociedade
indiscutivelmente limitada.
Aliás, penso que é
justamente na resistência onde mora o grande lance de buscarmos uma moldura
capaz de nos representar publicamente. O barato de ser o que somos reside
nisso, em nos autorretratar genuinamente respeitando, antes de tudo, aquilo que
somos, com as nossas referências, vontades, limitações biológicas, carências e
inquietações. Resistir também significa validar a coragem de que saiu
minimamente do casulo da opressão para escancarar sua personalidade através
daquilo do qual acha que mais lhe define, por mais fora do convencional que
pareça para o restante da sociedade. Então, quando encontrar alguém na rua com
um visual/postura/trejeitos/identidade diferentes da sua, legitime a ousadia
dela em ser quem é e se sirva dessa coragem para romper o lacre do qual te
fecharam. Às vezes, precisamos ser tocados pelo outro para passar a nos sentir
em nós mesmos. Permita-se!
Não podemos, porém,
buscar em vão uma autossuficiência voltada a agradar aos demais. Se essa for a
intenção, passaremos o resto da vida frustrados e com os níveis mais baixos de
autoestima. A priori, é preciso redesenhar nossa própria identidade, traçar os
riscos capazes de materializar quem somos sem a petulância de levar a público
uma perfeição inexistente. Esse rascunho de si leva tempo para se ajustar e
geralmente é finalizado quando a maturidade entra em cena. Porém, isso não
significa que não é possível criar um perfil imediato de si agora, neste
momento, mesmo que falte um retoque aqui ou acolá. O grande lance de ser
suficiente para si é que nunca estaremos plenamente concluídos. Haverá sempre
uma parte de nós inacabada precisando de uma cor aqui, uma ajustada ali, até
que estejamos temporariamente satisfeitos com o todo que criamos. Quando menos
imaginarmos, estaremos exalando autoestima a atraindo aqueles, que em outrora,
torceram o nariz para nós, por não nos verem como somos ou porque temíamos nos
mostrar para estes como éramos por medo de sermos mais excluídos.
Então, voltaremos a nos
retocar ao longo da vida, porque passaremos a entender que somos incompletos e
não há nada de errado nisso. Faltar algo em nós é o que permite ao outro ser a
soma em nossas vidas, da mesma forma que o que nos transborda pode preencher as
lacunas de quem nos cerca. Trata-se indiscutivelmente de uma constante troca. O
problema é que o maldito sistema nos faz crer que o que possuímos é pouco,
insignificante, quando na verdade há muitas pessoas por aí precisando desse
ínfimo para retocar suas existências. Filosoficamente, somos suficientes nas
nossas insuficiências. Talvez o que falte em cada um de nós seja apenas essa
percepção do quão frágil, incompletos e despreparados somos, mesmo que alguns
prefiram se enganar acreditando estar acima dos outros por meras convenções
sociais. Enquanto isso, vamos contornando as imposições e moldando um perfil
pessoal que, se não agrada a todos, pelo menos nos represente e nos faça
acreditar que, por mais insuficientes que sejamos aos olhos alheios, não somos,
nem permitiremos, sermos para nossos.
Nossa esse texto é muito bom. Você conseguiu abordar o tema de uma forma ampla e original. Aliás estou adorando o blog como um todo. Encontrei o que estava procurando rsrs. Obrigada Diogo, belo trabalho!
ResponderExcluirEm meio ao atual check list: Genero X Sexualidade, ano passado conversando com coroa, também (eu então com 56 anos e ele 59 anos), cisgeneros, comentou que estava sem transar (Descompasso da libido dele com a esposa pós menopausa), ai comentei que estava sem ser penetrado (sem homem), fomos nos beijando e trocando carícias, até transarmos em seguida! Éramos conhecidos sem até então termos intimidades!
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