Será que ninguém percebeu a cortina de fumaça que é
o tal boicote proposto por Silas Malafaia à Disney? A melhor maneira de
distrair a opinião pública de um fato é protagonizando outro.
Sinto-me tão ofendido com o beijo gay num desenho
da Disney quanto com as travessuras do Pica-Pau ou com as maldades de Tom &
Jerry. O que Silas Malafaia e seu séquito precisam entender é que a arte
retrata a realidade. Há beijos entre pessoas do mesmo sexo nas ruas, nos
shoppings, nos comerciais etc.
Se quisermos que nossos filhos sejam seres humanos
menos preconceituosos e mais tolerantes, devemos, desde já, mostrar-lhes o
mundo como ele é, com toda a sua diversidade. O que não podemos é
colocá-los dentro de uma bolha, num mundo de faz-de-conta, pois quando
crescerem não estarão preparados para as demandas da vida real.
Eu ficaria muito desapontado se soubesse que um
filho meu participou de um bullying com um colega gay da escola. Mas me
sentiria orgulhoso se soubesse que ele saiu em sua defesa. Na minha época de
garoto, não havia este tipo de cena em desenhos. Em compensação, sempre houve
muita violência. Entretanto, havia entre os garotos da escola a prática
conhecida como “meinha”, na qual trocavam favores sexuais, mesmo sendo héteros.
Apesar de estudar numa escola de orientação
batista, cansei de flagrar colegas nesta prática no banheiro ou num terreno
baldio nos fundos da escola. Mesmo tendo meus escrúpulos cristãos desafiados,
eu evitava emitir qualquer juízo condenatório. Simplesmente, me afastava. Se
houvesse algum colega gay, muitos implicavam, batiam e ainda por cima abusavam
sexualmente dele. Isso era deplorável. Sua hipocrisia me enojava. Alguns desses
algozes tinham pais cristãos.
Ora, se os pais não ensinam, a arte acaba
preenchendo a lacuna. Não sou eu quem vai condenar um desenho animado pelo
simples fato de apresentar um gesto afetuoso entre pessoas do mesmo sexo.
E por falar em homossexualidade, deixando o
moralismo hipócrita de lado, como a Bíblia realmente trata a questão?
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Você se considera tímido? Então, responda-me com
sinceridade: como se sente ao saber que os tímidos encabeçam a lista dos que
passarão toda a eternidade sendo torturados no inferno? Pelo menos é o que
lemos em Apocalipse 21:8.
Confira: “Mas, quanto aos tímidos, e aos
incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos que se prostituem, e aos
feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago
que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte.”
Quando postei esta pergunta em meu perfil no
facebook, a primeira resposta que obtive foi: “Sinto q se eu n for p o inferno
de um jeito, vou de outro…rs”
Obviamente que esta resposta bem humorada está
baseada na crença de que ir ou não para o inferno tenha a ver com o fato de
constar de uma lista. Se depender exclusivamente disso, seria aconselhável dar
uma checada noutras listas apresentadas nas Escrituras:
“Mas, ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e
os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e
comete a mentira.”Apocalipse 22:15
E então, escapou desta? Você se considera um “cão”,
seja lá o que isso signifique? Pratica feitiçaria? Anda se prostituindo por aí?
Já matou alguém? Possui ídolos? Se prostra perante eles? Conta uma mentirinha
de vez em quando? Não!? Tem certeza? Ok. Digamos que desta você escapou por
pouco. Mas não termina aí. Vamos à próxima lista?
“Não sabeis que os injustos não hão de herdar o
reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros,
nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os
bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.”
1 Coríntios 6:9,10
A coisa agora começou a apertar pra você, não? Já
está até suando frio, hein? Mas que bom que você não é o que se poderia chamar
de devasso, muito menos de adúltero… quer dizer, desde que não leve em conta
aquela estória de que basta uma olhada para a mulher alheia e você já adulterou
com ela…
Mas, tudo bem, né? Ninguém é de ferro. Mas pelo
menos, você não é GAY! Isso mesmo! Tudo, menos isso. Você pode até ser um
maldizente (vulgo, fofoqueiro), mas não anda por aí desmunhecando. Quer saber…
Deus nem vai se importar com os outros itens da lista. Desde que você não seja
gay.
Está vendo como a gente trata logo de arrumar uma
desculpa para salvar nossa pele? O importante é garantir que você esteja dentro
e não fora, incluído e não excluído dos VIP’s que herdarão o reino dos céus.
É relativamente fácil dar uma manipulada quando
nossas vicissitudes se encontram perdidas entre tantas outras. Parecem ser
apenas detalhes que passam despercebidos. Mas aquela lista de Apocalipse é
intragável. Pelos simples fato de ser encabeçada por uma vicissitude que
julgamos ser trivial. Sete em cada dez pessoas se consideram tímidas. E agora?
Já sei. Há uma saída! Vamos vasculhar o texto em
seu idioma original. Quem sabe a palavra “tímido” tenha outro significado.
Talvez assim, a gente consiga salvar a pele de muita gente, inclusive a nossa.
Depois de uma breve pesquisada, a gente descobre
que a palavra traduzida por “tímido” naquela passagem é ‘deilos’, encontrada em
outros dois textos do Novo Testamento. Vamos dar uma conferida neles para ver
se a gente escapa da lista?
Ambas as passagens relatam o episódio em que Jesus
socorreu os Seus discípulos numa tempestade que quase os levou ao naufrágio
(Mt.8:26, Mc.4:40). “Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé?”,
repreendeu-os Jesus. Concluímos daí que a tal timidez de que fala Apocalipse
deve estar ligada à falta de fé. Não é o nosso caso, não é mesmo? Quer dizer…
pensando bem, houve momentos em nossa caminhada em que nos intimidamos diante
das circunstâncias.
Ser “tímido” não teria a ver com ser introspectivo,
calado, ter pavor de falar em público, e sim com sentir-se intimidado diante de
uma situação. Então, sinto em lhe informar que por mais que nos desdobremos
para fazer uma exegese que livre a nossa cara, estamos todos numa situação
delicada. Então, que tal colocar tudo isso na conta da misericórdia divina? Se
Jesus pôde sair em socorro daqueles discípulos, certamente se compadecerá de
nós e não nos deixará de fora.
Concordo plenamente. Só não concordo quando usamos
duas medidas. Uma para livrar nossa pele, e outra para condenar os que
consideramos indignos de desfrutar da mesma salvação. Esquecemo-nos de que
estamos todos no mesmo barco, enfrentando a mesma tempestade. Somos humanos.
Falíveis. Vulneráveis. Desesperadamente carentes da graça de Deus.
Reparou que numa das listas que apresentei acima
encontramos os “efeminados” e “sodomitas”? É baseada nesta lista que afirmamos
com convicção de que homossexuais são indignos de serem alcançados pela mesma
graça que nos alcançou.
Que tal sermos honestos para fazer o mesmo tipo de
exegese que fizemos para tentar salvar a pele dos tímidos?
O termo grego traduzido por “efeminados” é
“malakoi”, que pode ser literalmente traduzido como “mole”, “macio”, “suave ao
toque” (algo como “molengão”). Alguém sem fibra, que se entregava facilmente
diante de uma situação de pressão. Em época de implacável perseguição contra os
cristãos, o mínimo exigido de um seguidor de Cristo é que fosse firme. O termo
“malakoi” aponta para uma inaceitável fraqueza de caráter.
Por que traduziram este termo como “efeminado”?
Porque nas culturas antigas, a feminilidade era vista como sinônimo de
fragilidade. Seria mais ou menos como dizer a um filho hoje em dia: Seja homem!
Não seja uma mulherzinha! É óbvio que o objetivo de quem usa tal expressão não
é diminuir o valor da mulher, mas encorajar o filho a portar-se varonilmente.
Dicionários teológicos associam malakos (singular
de “malakoi”) a um homem afeminado, mas reconhecem que o termo pode significar
pessoas promíscuas, isto é, dadas aos prazeres da carne, tanto homens, quanto
mulheres. Porém, há estudos que relacionam malakoi com a prostituição masculina
praticada na época de Paulo, principalmente em Corinto, cidade famosa por sua
depravação sexual.
Já o termo “arsenokoitai”, traduzido como
“sodomita” na versão de Ferreira de Almeida, só passou a se referir a prática
homossexual a partir da Alta Idade Média. Etimologicamente, o radical
linguístico “arsen” significa macho, enquanto “koitos” significa leito. Bem da
verdade, “arsenokoitai” é um termo de significado obscuro, que não possui
qualquer registro na literatura clássica grega. O que levou alguns a considerar
tratar-se de neologismo do próprio Paulo.
Convém lembrar que há uma enorme quantidade de
vocábulos do grego clássico usados para designar o comportamento homossexual,
porém, Paulo não lançou mão de nenhum deles. Logo, podemos deduzir que o
apóstolo estivesse falando de algo bem particular e não propriamente da
homossexualidade. A Bíblia de Jerusalém, considerada uma das melhores traduções
das Escrituras, traduz o termo “arsenokoitai” como “pessoas de costumes
infames”.
É plausível crer que Paulo estivesse se referindo à
prática da prostituição cúltica tão disseminada no império romano, onde homens,
independentemente de sua orientação sexual, tinham relações tanto com pessoas
do mesmo sexo, quanto com do sexo oposto, atribuindo a isso um valor
devocional.
Festas religiosas como a dedicada a Dionísio, deus
do vinho (conhecido também como Baco; daí o termo “bacanal”, festival de Baco)
eram verdadeiras orgias, onde famílias inteiras se entregavam aos prazeres
desenfreados da carne, julgando com isso estarem cultuando ao seu ídolo.
É também neste contexto de idolatria que Paulo
expressa seu repúdio no primeiro capítulo de sua epístola aos Romanos, onde
denuncia aqueles que, “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de
aves, e de quadrúpedes, e de répteis”(Rm.1:22-23).
Razão pela qual “Deus os entregou às
concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos
entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais
a criatura do que o Criador”(vv.24-25). Repare que tudo começa na idolatria.
Este é o contexto imediato. Como juízo, Deus os entrega a si mesmos, como se
dissesse: É isso mesmo que vocês querem? Então, lá vai…
A partir deste ponto, Paulo descreve as tais
“paixões infames” às quais Deus os abandonou.
“Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural,
no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso
natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros,
homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que
convinha ao seu erro.” Romanos 1:26-27
Interessante notar que, se a interpretação que tem
sido feita está correta, é a primeira vez que encontramos nas Escrituras
qualquer menção à homossexualidade feminina. Em Levíticos 18:22 lemos sobre a
proibição de homem deitar-se com outro homem como se fosse mulher, mas não
vemos nada acerca da mulher que se relaciona sexualmente com outra. Acho que
isso mereceria certa atenção. Porque se o assunto é, de fato, homossexualidade,
então, não se poderia deixar de fora as mulheres. Há quem acredite que Paulo
teria corrigido isso.
Será que Paulo estava falando de homoafetividade?
Ou estaria falando de uma prática diretamente ligada à idolatria?
Imagine homens de orientação heterossexual mantendo
relações homossexuais só para agradar a uma divindade pagã! Pois era justamente
isso que acontecia naquela sociedade. Nada mais antinatural. Por isso, eles se
embriagavam e usavam máscaras. A embriaguez era para tomar coragem e desafiar
sua própria natureza.
A máscara era para proteger o anonimato, e assim,
ajudá-los a lidar com a culpa e a vergonha. Não se tratava de homossexualidade
propriamente, mas de orgia, de promiscuidade elevada ao mais alto grau. Seres
humanos reduzidos a objetos de prazer. Tudo em nome do culto a uma divindade
pagã.
Assim como é antinatural a um homem ter relações
com outro homem, sendo ambos héteros, também é antinatural forçar um
homossexual a casar-se com alguém do sexo oposto para suprir as expectativas da
sociedade que prima pela hipocrisia.
Mas digamos que a exegese apresentada aqui não o
tenha convencido. Você prefere crer que homossexuais estão fadados a serem
punidos para sempre no inferno, desde que sua própria timidez seja alvo da
misericórdia divina. Que tal se avançarmos um pouco na leitura de Romanos 1?
A severidade com que Deus julgará os idólatras,
também julgará os que não se importaram de ter conhecimento de Deus (e aqui, o
apóstolo mira sua metralhadora giratória para os judeus), que, mesmo não
praticando tais coisas, aprovavam os que a praticavam (v.32).
Por isso, o mesmo Deus que entregou os gentios às
suas próprias paixões, também os entregou “a um sentimento perverso, para
fazerem coisas que não convêm; estando cheios de toda a iniquidade, fornicação,
malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano,
malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus,
injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos
pais e às mães; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural,
irreconciliáveis, sem misericórdia” (vv. 28-31).
E por falar em lista, sabe o que mais me chama
atenção nesta em particular? O último item. De que adiantaria escaparmos de
todas as listas apresentadas nas Escrituras, mas cairmos justamente no último
item desta?
A falta de misericórdia nos faz inescusáveis
perante Deus. Não foi à toa que Jesus disse que bem-aventurados são os
misericordiosos, pois alcançarão misericórdia. Sinceramente, espero ser contado
entre estes. Se tiver que pecar pelo excesso, que peque pelo excesso de
misericórdia e não de juízo.
O objetivo de Paulo nos primeiros capítulos de
Romanos é mostrar que todos somos farinha do mesmo saco. Judeus e gentios,
héteros e homossexuais, homens e mulheres, só escaparemos do severo juízo
divino se formos tão misericordiosos com os outros quanto somos condescendentes
conosco mesmos. “Portanto”, arremata o apóstolo, “és inescusável quando julgas,
ó homem, quem quer se sejas, pois te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas
a outro” (Rm.2:1).
Quando vejo o sofrimento de milhões de seres
humanos, reputados como escória pelo simples fato de serem gays, meu coração é
tomado de misericórdia. Não me vejo à vontade diante de um discurso odioso,
que, direta ou indiretamente, fomenta o preconceito. Quando recebo e-mails e
mensagens in box de seres humanos dispostos a tirar a própria vida por não se
aceitarem, ou por não conseguirem lidar com a pressão social, meu coração se
enternece.
Foi o que senti ao assistir ao vídeo postado por
Viviany Beleboni, a transexual que encenou a crucificação na Parada Gay em SP,
que em prantos denunciou a agressão sofrida por alguém que a chamava de
“demônio” e dizia “Você não é de Deus!” Com o olho roxo e feridas à faca
abertas no rosto e no braço, Viviany lamentava o episodio. Como ela, muitos têm
sido agredidos e até mortos por causa de sua orientação sexual. Espero que este
singelo texto ajude a desarmar espíritos e conduzir-nos pelas sendas da
compreensão, do amor e da misericórdia.
Visto no: DCM
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