O juiz confundiu o pesquisador
com o profissional ao revogar parcialmente a resolução que proibia terapias de
reversão sexual
“Estudar ou atender” não são
verbos sinônimos.
Estudar diz respeito à liberdade
de pensamento ou de prática científica; atender diz respeito ao cumprimento das
boas práticas da ciência estabelecida.
Em termos simples, o pesquisador
deve ser um eterno estudante, fazendo perguntas ainda sem respostas; o profissional
é o que reproduz a ciência estabelecida, um operário do conhecimento.
Se o operário do conhecimento
inventar novidades rejeitadas pelo campo pode ser considerado um charlatão.
Precisamos que psicólogos
pesquisadores estejam nas universidades, e psicólogos de assistência nos
hospitais, nas escolas ou nos presídios.
Do primeiro, queremos boas ideias
submetidas ao escrutínio da comunidade acadêmica: isto significam pesquisas com
financiamento, cumprimento de regras de ética em pesquisa, submissão de artigos
a periódicos confiáveis da comunicação acadêmica.
Do segundo, queremos bons
profissionais, bem treinados no que há de mais seguro no conhecimento
científico. Não queremos, jamais, misturar os dois personagens, por isso
“estudar ou atender” não se confundem.
O juiz Waldemar Claudio de
Carvalho confundiu o pesquisador com o profissional ao revogar parcialmente a
resolução do Conselho Federal de Psicologia que proibia terapias de reversão
sexual, também conhecidas como “cura gay”. O erro foi grave, pois presume
que todo psicólogo é pesquisador.
Não é nem pode ser.
Um psicólogo clínico deve operar
de acordo com os protocolos da ciência, por isso importa o que diz a
Organização Mundial de Saúde sobre homossexualidade não ser doença. Sustentar
hipótese contrária é exercício de liberdade científica, mas o espaço não é o
consultório, mas a universidade. E a resolução do Conselho em nenhum momento
proibiu ninguém de estudar.
Não há plena liberdade científica
para o exercício das profissões, por isso os conselhos são fundamentais para
regular as fronteiras entre ciência e charlatanice.
Um psicólogo que deseje desafiar
os consensos do campo deve se submeter às regras da ciência – sua hipótese
precisa ser reconhecida como válida para a comunidade científica e somente após
seu teste é que pode ser incorporada na prática do cuidado.
Se um psicólogo deseja
“aprofundar” seus conhecimentos, como diz o juiz na sentença, ele deve procurar
os centros de pesquisa e não abusar de seus pacientes com promessas de
assistência rejeitadas pela ciência.
*Debora Diniz é pesquisadora na
Anis - Instituto de Bioética e integrante da Rede Nacional de Especialistas em
Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde. É autora de 'Zika - Do
Sertão Nordestino à Ameaça Global' (Civilização Brasileira)
Visto na: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário