20 fevereiro 2018

A cura gay, o pesquisador e o operário - por Debora Diniz*


O juiz confundiu o pesquisador com o profissional ao revogar parcialmente a resolução que proibia terapias de reversão sexual

“Estudar ou atender” não são verbos sinônimos.

Estudar diz respeito à liberdade de pensamento ou de prática científica; atender diz respeito ao cumprimento das boas práticas da ciência estabelecida.

Em termos simples, o pesquisador deve ser um eterno estudante, fazendo perguntas ainda sem respostas; o profissional é o que reproduz a ciência estabelecida, um operário do conhecimento.

Se o operário do conhecimento inventar novidades rejeitadas pelo campo pode ser considerado um charlatão.

Precisamos que psicólogos pesquisadores estejam nas universidades, e psicólogos de assistência nos hospitais, nas escolas ou nos presídios.

Do primeiro, queremos boas ideias submetidas ao escrutínio da comunidade acadêmica: isto significam pesquisas com financiamento, cumprimento de regras de ética em pesquisa, submissão de artigos a periódicos confiáveis da comunicação acadêmica.

Do segundo, queremos bons profissionais, bem treinados no que há de mais seguro no conhecimento científico. Não queremos, jamais, misturar os dois personagens, por isso “estudar ou atender” não se confundem.

O juiz Waldemar Claudio de Carvalho confundiu o pesquisador com o profissional ao revogar parcialmente a resolução do Conselho Federal de Psicologia que proibia terapias de reversão sexual, também conhecidas como “cura gay”. O erro foi grave, pois presume que todo psicólogo é pesquisador.

Não é nem pode ser.

Um psicólogo clínico deve operar de acordo com os protocolos da ciência, por isso importa o que diz a Organização Mundial de Saúde sobre homossexualidade não ser doença. Sustentar hipótese contrária é exercício de liberdade científica, mas o espaço não é o consultório, mas a universidade. E a resolução do Conselho em nenhum momento proibiu ninguém de estudar.

Não há plena liberdade científica para o exercício das profissões, por isso os conselhos são fundamentais para regular as fronteiras entre ciência e charlatanice.

Um psicólogo que deseje desafiar os consensos do campo deve se submeter às regras da ciência – sua hipótese precisa ser reconhecida como válida para a comunidade científica e somente após seu teste é que pode ser incorporada na prática do cuidado.

Se um psicólogo deseja “aprofundar” seus conhecimentos, como diz o juiz na sentença, ele deve procurar os centros de pesquisa e não abusar de seus pacientes com promessas de assistência rejeitadas pela ciência.

*Debora Diniz é pesquisadora na Anis - Instituto de Bioética e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde. É autora de 'Zika - Do Sertão Nordestino à Ameaça Global' (Civilização Brasileira)

Visto na: Carta Capital

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