19 janeiro 2016

A morte do sujeito no século XXI



Na contemporaneidade é cada vez mais comum a oferta de discursos de salvação e de eliminação de angústias, implicações e conflitos aos indivíduos. Oferecimento de “pílulas” de felicidade, vida paradisíaca e sem interrogações. Dentre as “pílulas” mais comuns, estão as diversificadas “próteses emocionais e afetivas”, que retiram do sujeito a responsabilidade pelas implicações originárias de seu percurso, escolhas e decisões.
Um dos principais reflexos do mal-estar contemporâneo é a existência de diversificados sintomas psíquicos e físicos (pânico, depressão, insônia, transtorno alimentar, impotência sexual, etc.), que são os sinais de alerta e convite para o indivíduo enfrentar as interrogações, impasses e conflitos existentes entre seus desejos, sua singularidade e as convenções sociais e civilizatórias. Mas, observamos a proliferação e exaltação de discursos de salvação que acabam por eliminar os “incômodos” (é proibido ficar triste!!!) e oferecer “saída fácil” e rápida para “todos os males e problemas” originários de conflito psíquico e mal-estar existencial.
A adesão fácil a estes discursos de salvação e de “pílulas de felicidade” tem caracterizado a sociedade contemporânea, cada vez mais ávida por soluções fáceis para questões de ordem subjetiva, que não são atingidas pela objetividade, racionalidade ou pela capacidade de consumo. Indivíduos massificados que evitam a todo custo fugir das implicações, conflitos e impasses de suas realidades psíquicas, por isso acabam por entregarem-se á aqueles “iluminados” e “bondosos” que querem dar solução para suas perturbações cotidianas.
Este indivíduo acaba por eliminar o componente humano de sua interação social, principalmente quando transfere e corrobora seus afetos para os vínculos originários das redes sociais, estas que acabam por fortalecer a superficialidade e a morte do sujeito na contemporaneidade. Vive, interage, deseja (virtualmente apenas), sem o ônus de todas as implicações do vínculo humano e verdadeiramente interativo.
As redes sociais oferecem “próteses” e “pílulas” que servem de sustentação exatamente para indivíduos que não conseguem de forma alguma interagir com a vida real e com o componente humano das relações sociais. Por isso consegue em sua conta, ser um (vibrante, agradável, viril, amoroso, inteligente) e na vida real concreta ser outro (fútil, indiferente, tacanho, agressivo). Sem perceber, em sua busca pelo aplauso e aceitação, alimenta sua própria miséria existencial e foge do mal-estar, das implicações que o cotidiano lhe impõe a todo instante.
Alguns, por conta de sua rotina de hiper-conectividade e de miséria nos vínculos humanos, parecem incapazes de enxergar suas realidades interna e de resistirem à tentação da superficialidade, da solução rápida e do gozo fácil. Incapaz de desenvolver o que um sujeito humanamente interativo necessita para constituir-se no cotidiano: lucidez crítica.
A nova sociabilidade trazida pelas redes sociais é sustentada exatamente pela morte do sujeito na contemporaneidade. Pois muitos indivíduos não parecem pessoas constituídas de elementos humanos e subjetivos e sim máscaras perambulantes em busca de aceitação e aplauso. Que flutuam pelos slogans e a fácil adesão aos apelos do gozo fácil e do preenchimento narcisista e sem interação concretamente humana.
Dentre potentes mecanismos persuasivos está a exaltação da cura medicamentosa dos males do indivíduo contemporâneo. Tomar a medicação, eliminar momentaneamente o sintoma e retirar deste mesmo a sua parcela de responsabilidade na produção dos incômodos e sintomas (principalmente os referidos a depressão). Evitar a todo custo o caro e comprometedor diálogo do sujeito com o seu mal-estar, sua angústia e os conflitos permanentes do cotidiano.
E quem são estes “bondosos” e “altruístas” que querem “curar”, aconselhar, “acolher” os problemas do indivíduo e dar-lhe soluções rápidas, pacíficas e paradisíacas? Charlatões de variadas tinturas, aliadas à indústria farmacêutica, corporações midiáticas e do entretenimento alienado. Com exígua inteligência e poderosos disfarces, conseguem explorar vulnerabilidade e ignorância dos aglomerados humanos. Daí, são construídos seus imbatíveis impérios econômicos e politiqueiros.
Segue o indivíduo contemporâneo, em seu cotidiano, amparado por “próteses emocionais”, “pílulas de felicidade”, soluções rápidas, curas medicamentosas, sociabilidade virtual, alegria de plástico, discursos e lugares que lhe dão uma vida sem implicações e impasses internos a resolver. Porém, uma simples interação com a vida real e situações (concretamente) humanas denuncia a precariedade, vazio, mendicância afetiva, aleijo social e miséria existencial deste, que se nega a enfrentar o mal-estar e implicações inerentes à sua própria vida.
Por estes motivos (por outros também), é que métodos terapêuticos como a Psicanálise são criticados. Exatamente por convidar o indivíduo a responder seus enigmas, implicações e dilemas, a discernir, historicizar, contextualizar seu próprio percurso e construção como pessoa.
Não existem pílulas e “solução rápida” capazes de eliminar angústia e mal-estar de nossa prática cotidiana. Que a todo instante nos convida através de sintomas (ou de estranhas manifestações) a refletir que somos sujeitos de nossos percursos e construções, que nos exigem implicações e responsabilidades que deveriam ser assumidas apenas por nós mesmos.

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