05 abril 2015

O Pau como Revolver - por Karina Buhr


Causos da vida minha, olhando a rua por aí, sentindo às vezes tesão, às vezes medo dela, a vida, um de cada vez, por favor, tenho esse direito.
Na banca de revista mulheres nuas por todos os lados. Homens só na estética “para homens”. Mulher não deve ver pau, é feio, eca, tem que ver a foto da cara do príncipe. O menino cola o poster da gata nua e punheta todo dia. Pra meninas resta poster da cara do baby Johnson na parede.
Corpo é coisa pra mulher mostrar, não pra ver, muito menos pra gozar. A blusa a mulher pode tirar se for pro homem, se for pra ela, assim, só por vontade, calor, pra tomar um banho de mar, a polícia leva. Porque se um homem vir, deus, pode estuprar.
O medo, o medo, o medo.
Mulheres educadas pra princesas. Mesmo com pai e mãe mais hippie, o mundo em volta grita pra ela: PRINCESA!!!
Sente direito, feche as pernas, tá transparente, tá aparecendo a calcinha, você vai cair, vai chegar o amor, bote um sutiã, menstruar é uma delícia, não vá engravidar, essa roupa é de puta!
De repente, um pau na sua frente.
Seja puta na cama, seja gostosa entre as gostosas, emagreça, cuidado pra não virar puta fora da cama, use e abuse da transparência, sexy sem ser vulgar, não traia, relaxe se o cara trair, homem é assim mesmo!
Quando era pequena, brincando na pracinha, mães, avós e babás, na hora de chamar as meninas de volta, pra tomar banho, fazer tarefa, gritavam “corre, vem logo! Lá vem o homem!”. E lá iam as meninas correndo, com medo do bicho papão.
Na escola começou negócio de educação sexual. A explicação sobre puberdade, inesquecível:
“Puberdade é quando os meninos sonham com as meninas e acordam com a cama molhada. As meninas nessa fase menstruam. E devem tomar cuidado com as roupas que vestem, pra não atiçar os meninos, que estão com os hormônios à flor da pele”.
Menina nem hormônio tinha naquela época, vejam vocês. E ó que minha escola era massa. A mensagem sempre foi clara: meninos gozam e sentem tesão, mulheres menstruam, sentem medo e engravidam.
A sorte é que a gente é desobediente…
Numa aula um professor até usou uma aluna como exemplo. “Fulana está usando uma camiseta que não deveria, deve se comportar mais, os seios estão crescendo”. Texto agressivo? Chamavam educativo. Já o pau, ah o pau…
Meninos com 12 anos eram levados pelos pais, nos anos 80, para puteiros, pra “virarem homens” nas mãos de mulheres mais velhas. Normal. Uma violência gigantesca com esses meninos. Com os meninos gays então, nem se fala…
E as meninas, nos anos dois mil e lá vai não podem exercer sexualidade livremente antes dos 18 anos (muitas engravidam com 12). Sempre tem celeuma quando é com um homem mais velho. Mas culturalmente, vejam só, se estimula que mulheres procurem homens mais velhos e homens mulheres mais jovens. O esquema é loko.
Já pensou você, gatinha anos 80, com 12 anos, sua mãe te levando no puteiro, pra você aprender a transar com um fortão de 30? Essa diferença básica nos separa, com nuanças entre gerações: homem deve, mulher não pode.
Me pergunto perplexa: Por que uma foto de pau significa violência? E por que se uma mulher questiona isso é tratada com violência? Não diga isso! Cale já a boca!
Vivi pra ouvir de um homem esses dias “você não sabe como uma mulher se sente quando…”.
Ontem escrevi no twitter “A violência tá na violência. O medo tá no medo. Foto de pau não representa violência e medo. Brigo contra a violência e o medo, não contra o pau”.
É preciso falar quantas vezes “brigo contra a violência e o medo” pra alguém que ler entender que brigo contra a violência e o medo?
Mas aí falei a palavra mágica: pau. E mulher que fala pau não merece respeito, merece o quê? O pau como arma, como ameaça.
O senhor ator Zé de Abreu, que não conheço pessoalmente, viu a postagem que falei acima e escreveu pra mim, no twitter mesmo: ”Posso te mandar foto do meu sem você pedir? Pena que nunca tirei…Uso para fins melhores”.
Ora, ora, senhor ator, guarde as armas!
Falei no texto antes desse que não acho que mandar uma foto de pau sem perguntar antes seja necessariamente assédio. Acho sim, que um homem, ou uma mulher, numa conversa pode achar que o clima é pra mandar uma foto e mandar sem perguntar expressamente, pra ver se o outro gosta.  Repito isso da foto porque é uma coisa que é colocada como abuso em si.
Se um homem quiser ele pode realmente usar o seu corpo como ameaça, como fazem tantos homens violentos por aí. Violência castradora de mulheres, essa em que um homem ameaça com o pau, feito metralhadora de corpos. Isso com ou sem foto.
Quando fui argumentar algo o ator falou “Chega, mulher. Já teve seus 15 segundos de fama. Acabou”.
Típico do machismo raivoso, que quer humilhar com seu poder, seja lá qual for, que joga no lixo qualquer representatividade que a mulher com quem conversa possa ter, que tira dela seu direito de falar o que quiser sobre sexo, que quer impor a ela o que é certo, o que é direito. Que quer dizer a ela o que é certo uma mulher pensar, fazer e falar.
Que saber? Isso sim agride e muito, não uma foto feliz, relax, tranquila e/ou tesuda de um pau.
E repare como é difícil pra mulheres, nesse esquema em que a gente vive, falar sobre seus próprios corpos. Semana passada escrevi sobre aborto e fui “puta”, “vadia suja”, “piranha aborteira”.
Essa semana falei sobre pau, já fui chamada de “defensora de abusador” e, claro, “puta”.
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ps. sobre o caso do professor, a quem interessar possa, continuo achando um erro a divulgação dos diálogos que foram expostos até agora. É necessário que se denuncie abusos sempre. Divulgação de prints de conversas eróticas privadas e consensuais não ajudam em nada nessa discussão. E não sou eu que estou inventando isso, é só olhar ao redor como o foco desfocou.
Visto no: PANE NO PÂNTANO

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