Em meio ao banalizado
cenário de violência do Brasil, parece que a equação (polícia + arma de fogo =
bandido morto) se tornou ultrapassada. No faroeste à brasileira, não é só
criminoso que encontra seu fim nos tiros disparados pela polícia. Crianças e
adultos, que ficam no meio do fogo cruzado, também pagam com a vida. Dessa vez,
a vítima que chocou o país foi o jovem Eduardo de Jesus Ferreira, morto aos 10
anos de idade por policiais no Rio de Janeiro. Sua morte traz à tona uma
discussão antiga sobre os excessos daqueles profissionais que são pagos para
manter a ordem da sociedade e não para ceifar a vida de inocentes. Entretanto,
o cerne da questão não se resume a isso. O cenário de pobreza que alguns vivem;
o descaso governamental; a negligência midiática e a cultura de banditismo das
periferias também contribuíram para que aquele garoto tivesse sua vida interrompida precocemente.
As forças militares
infelizmente pecam na sua função primária que é a de proteger a população. Despreparados,
agora estes que deveriam servir de escudo a sociedade da violência estão
fazendo o inverso disso. São instituições corrompidas pelas negociatas, com
transações feitas com traficantes e outros meliantes. Sem equipamento de ponta
e contingente suficiente para atender a população como um todo. Realidades
estas que foram muito bem retratadas no premiado filme Tropa de Elite. Além disso,
o principal ponto reside na falta de preparação destes profissionais para
distinguir quem é ou não bandido. Em meio a essas carências, homens com armas,
estrelas e distintivos no corpo, são lançados à própria sorte em comunidades
onde há indivíduos mais bem equipados para ataca-los. O resultado disso é a não
distinção de quem deve ou não morrer.
Longe de qualquer
justificativa, mas é complicado cobrar dos policiais militares proteção total a
todos, quando eles próprios estão totalmente desprotegidos ao exercerem seus
trabalhos. Assim, sem humanidade ou preparo para trabalhar, eles não conseguem
diferenciar a morte de um traficante adulto de uma criança inocente, porque não
foram educados para tal. Quando não ocorre dessa forma, muitos policiais,
desumanizados pela rotina de trabalho, acham-se no direito de decidir quem deve
ou não viver, quando na verdade tal tomada de ação muitas vezes está fora da
sua alçada. É por isso que erros lamentáveis continuam acontecendo. Antes do
Eduardo, a sociedade cobrou satisfação sobre o desaparecimento do trabalhador
Amarildo, também vítima dos excessos da polícia da sua conduta cheia de enganos
que poderiam ser evitados.
Um desses ledos enganos,
que resultou na morte do menino Eduardo, conta com outro vilão além da polícia.
Ele, como muitos outros garotos, nasceu na pobreza, num panorama onde falta
tudo: comida, dinheiro, educação, segurança, saúde... E sobram oportunidades
para ingressar no banditismo, criminalidade e no tráfico de drogas e armas. Nesse
contexto, sempre houve dois caminhos para o menino morto: ou ele seguia sua
vida miserável e, quando crescesse, exerceria algum cargo desprivilegiado socialmente;
ou seria seduzido pelas vantagens do mundo do crime, dando seguimento a
marginalidade que há em muitas periferias. Eduardo, no entanto, parecia desejar
mais que isso, mas foi privado de realizar seu sonho de ser bombeiro. Sonhos estes
que morrem com muitas outras crianças, que como ele, não terão futuro, ou tem sem
desejos mortos ainda em vida pela pobreza extrema, bem como a falta de acesso a
serviços essenciais à vida.
Aliado a isso está o
abandono governamental. Políticos que a cada eleição se comprometem a reduzir a
violência no país, mas não cumprem o acordado com a sociedade. Pelo contrário, pois
o que há são projetos assistencialistas que pouco fazem pelo povo, sobretudo no
que se refere a ascensão social. Silenciada pelo governo nacional, que oferta
migalhas em forma de bolsas, essas pessoas são obrigadas a não ter futuro, e
caso desejem ter um, muitas vezes o encontram na criminalidade. Então, como
forma de sobrevivência, adentram nesse mundo e fazem como que aqueles que estão
fora sejam penalizados indiretamente. Numa busca rápida pela rede, é possível
encontrar estatísticas que mostram o número de inocentes, sobretudo crianças,
que morrem apenas porque o governo não propiciou que elas tivessem futuro. Enquanto
nada é feito, outros garotos de 10, 12 e 15 anos têm as suas vidas apagadas
pela marginalidade.
Abandono também midiático,
em noticiar o que ocorre, de fato, nessas comunidades. No caso do garoto
Eduardo, houve um silencio criminoso, típico da negligência do nosso país, a
qual só dá destaque a crimes que acontecem com quem mora no litoral e em
bairros nobres, em detrimento dos milhões que são fuzilados nas comunidades e
favelas brasileiras. Felizmente, o protesto dos familiares do garoto, e a
indignação nas redes se sociais, se encarregaram de fazer justiça ao crime que
tirou a vida daquele jovem de apenas 10 anos. Crime este que choca a nação, não
só pela forma como aconteceu, mas também porque há pouco tempo foi aprovado a
lei da palmada, a qual pune quem feri qualquer criança. Sem contar que a mídia,
muitas vezes obscurecida por questões econômicas e políticas, é a primeira a,
implicitamente, defender a redução da maioridade penal, quando muitas já estão
sendo levadas a morte, muito antes da lei ser aprovada.
Em meio a todos esses
pontos, vale ressaltar que há por trás disso uma forte cultura do banditismo, a
qual é fomentada pela mídia, pela música, pela cultura de massa enfim. São jovens
que, mesmo não sendo criminosos, mas nascendo no mundo da criminalidade, são
induzidos a acreditar que a postura do criminoso, com seus trejeitos, modo de
se vestir e andar, são banais e assim começam a se portar igual a eles. Isso tem
tudo a ver com a morte de Eduardo, pois, mesmo não possuindo tais
características, ele vem de um ambiente onde muitos são impulsionados a
perpetrar esse modelo, então a polícia, cega e despreparada, não consegue
diferenciar bandido de cidadão. Por isso que nas redes sociais criaram uma foto
falsa de um garoto, que foi supostamente atribuído ao menino Jesus morto pelos policiais.
A intenção era “justificar” a ação da PM e dizer que a morte não foi um crime,
mas um favor. Talvez falte em muitas letras do funk ostentação, e em muitos
discursos midiáticos, a máxima de que, de um lado: não é correto exaltar a
bandidagem. E, do outro: não se pode maquiar o problema quando este é real.
Por todas essas questões,
em plena semana santa de 2015, um garoto de 10 anos, que sonhava em ser
bombeiro, não vai mais realizar o seu sonho. Jesus, seu sobrenome, morreu de
forma irônica, numa época em que há milhões de pessoas em comunhão com o
Divino. No entanto, outros iguais a ele morrem cotidianamente pelo Brasil afora
e pouco se faz para que isso não aconteça. Sobra indignação e revolta, e falta
ações eficazes para que outros garotos não venham ter o mesmo fim. Atitudes
como diminuir a pobreza, preparar melhor os policiais, cobrar ética dos setores
políticos e midiáticos, já seria um bom começo para evitar que novas famílias
sofram a desgraça de ter a vida de alguém tão puro ser interrompida por nada. Também
não se pode apenas ficar em choque, é preciso cobrar, exigir através do voto
consciente uma real mudança pela sociedade. Toda transformação surge de uma
tragédia, porém infelizmente tragédias já se tem aos montes, falta apenas
alguém capaz de fazer essa transformação.
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