05 abril 2015

Jesus, ele tinha apenas 10 anos


Em meio ao banalizado cenário de violência do Brasil, parece que a equação (polícia + arma de fogo = bandido morto) se tornou ultrapassada. No faroeste à brasileira, não é só criminoso que encontra seu fim nos tiros disparados pela polícia. Crianças e adultos, que ficam no meio do fogo cruzado, também pagam com a vida. Dessa vez, a vítima que chocou o país foi o jovem Eduardo de Jesus Ferreira, morto aos 10 anos de idade por policiais no Rio de Janeiro. Sua morte traz à tona uma discussão antiga sobre os excessos daqueles profissionais que são pagos para manter a ordem da sociedade e não para ceifar a vida de inocentes. Entretanto, o cerne da questão não se resume a isso. O cenário de pobreza que alguns vivem; o descaso governamental; a negligência midiática e a cultura de banditismo das periferias também contribuíram para que aquele garoto tivesse sua vida interrompida precocemente.

As forças militares infelizmente pecam na sua função primária que é a de proteger a população. Despreparados, agora estes que deveriam servir de escudo a sociedade da violência estão fazendo o inverso disso. São instituições corrompidas pelas negociatas, com transações feitas com traficantes e outros meliantes. Sem equipamento de ponta e contingente suficiente para atender a população como um todo. Realidades estas que foram muito bem retratadas no premiado filme Tropa de Elite. Além disso, o principal ponto reside na falta de preparação destes profissionais para distinguir quem é ou não bandido. Em meio a essas carências, homens com armas, estrelas e distintivos no corpo, são lançados à própria sorte em comunidades onde há indivíduos mais bem equipados para ataca-los. O resultado disso é a não distinção de quem deve ou não morrer.

Longe de qualquer justificativa, mas é complicado cobrar dos policiais militares proteção total a todos, quando eles próprios estão totalmente desprotegidos ao exercerem seus trabalhos. Assim, sem humanidade ou preparo para trabalhar, eles não conseguem diferenciar a morte de um traficante adulto de uma criança inocente, porque não foram educados para tal. Quando não ocorre dessa forma, muitos policiais, desumanizados pela rotina de trabalho, acham-se no direito de decidir quem deve ou não viver, quando na verdade tal tomada de ação muitas vezes está fora da sua alçada. É por isso que erros lamentáveis continuam acontecendo. Antes do Eduardo, a sociedade cobrou satisfação sobre o desaparecimento do trabalhador Amarildo, também vítima dos excessos da polícia da sua conduta cheia de enganos que poderiam ser evitados.

Um desses ledos enganos, que resultou na morte do menino Eduardo, conta com outro vilão além da polícia. Ele, como muitos outros garotos, nasceu na pobreza, num panorama onde falta tudo: comida, dinheiro, educação, segurança, saúde... E sobram oportunidades para ingressar no banditismo, criminalidade e no tráfico de drogas e armas. Nesse contexto, sempre houve dois caminhos para o menino morto: ou ele seguia sua vida miserável e, quando crescesse, exerceria algum cargo desprivilegiado socialmente; ou seria seduzido pelas vantagens do mundo do crime, dando seguimento a marginalidade que há em muitas periferias. Eduardo, no entanto, parecia desejar mais que isso, mas foi privado de realizar seu sonho de ser bombeiro. Sonhos estes que morrem com muitas outras crianças, que como ele, não terão futuro, ou tem sem desejos mortos ainda em vida pela pobreza extrema, bem como a falta de acesso a serviços essenciais à vida.

Aliado a isso está o abandono governamental. Políticos que a cada eleição se comprometem a reduzir a violência no país, mas não cumprem o acordado com a sociedade. Pelo contrário, pois o que há são projetos assistencialistas que pouco fazem pelo povo, sobretudo no que se refere a ascensão social. Silenciada pelo governo nacional, que oferta migalhas em forma de bolsas, essas pessoas são obrigadas a não ter futuro, e caso desejem ter um, muitas vezes o encontram na criminalidade. Então, como forma de sobrevivência, adentram nesse mundo e fazem como que aqueles que estão fora sejam penalizados indiretamente. Numa busca rápida pela rede, é possível encontrar estatísticas que mostram o número de inocentes, sobretudo crianças, que morrem apenas porque o governo não propiciou que elas tivessem futuro. Enquanto nada é feito, outros garotos de 10, 12 e 15 anos têm as suas vidas apagadas pela marginalidade.

Abandono também midiático, em noticiar o que ocorre, de fato, nessas comunidades. No caso do garoto Eduardo, houve um silencio criminoso, típico da negligência do nosso país, a qual só dá destaque a crimes que acontecem com quem mora no litoral e em bairros nobres, em detrimento dos milhões que são fuzilados nas comunidades e favelas brasileiras. Felizmente, o protesto dos familiares do garoto, e a indignação nas redes se sociais, se encarregaram de fazer justiça ao crime que tirou a vida daquele jovem de apenas 10 anos. Crime este que choca a nação, não só pela forma como aconteceu, mas também porque há pouco tempo foi aprovado a lei da palmada, a qual pune quem feri qualquer criança. Sem contar que a mídia, muitas vezes obscurecida por questões econômicas e políticas, é a primeira a, implicitamente, defender a redução da maioridade penal, quando muitas já estão sendo levadas a morte, muito antes da lei ser aprovada.

Em meio a todos esses pontos, vale ressaltar que há por trás disso uma forte cultura do banditismo, a qual é fomentada pela mídia, pela música, pela cultura de massa enfim. São jovens que, mesmo não sendo criminosos, mas nascendo no mundo da criminalidade, são induzidos a acreditar que a postura do criminoso, com seus trejeitos, modo de se vestir e andar, são banais e assim começam a se portar igual a eles. Isso tem tudo a ver com a morte de Eduardo, pois, mesmo não possuindo tais características, ele vem de um ambiente onde muitos são impulsionados a perpetrar esse modelo, então a polícia, cega e despreparada, não consegue diferenciar bandido de cidadão. Por isso que nas redes sociais criaram uma foto falsa de um garoto, que foi supostamente atribuído ao menino Jesus morto pelos policiais. A intenção era “justificar” a ação da PM e dizer que a morte não foi um crime, mas um favor. Talvez falte em muitas letras do funk ostentação, e em muitos discursos midiáticos, a máxima de que, de um lado: não é correto exaltar a bandidagem. E, do outro: não se pode maquiar o problema quando este é real.

Por todas essas questões, em plena semana santa de 2015, um garoto de 10 anos, que sonhava em ser bombeiro, não vai mais realizar o seu sonho. Jesus, seu sobrenome, morreu de forma irônica, numa época em que há milhões de pessoas em comunhão com o Divino. No entanto, outros iguais a ele morrem cotidianamente pelo Brasil afora e pouco se faz para que isso não aconteça. Sobra indignação e revolta, e falta ações eficazes para que outros garotos não venham ter o mesmo fim. Atitudes como diminuir a pobreza, preparar melhor os policiais, cobrar ética dos setores políticos e midiáticos, já seria um bom começo para evitar que novas famílias sofram a desgraça de ter a vida de alguém tão puro ser interrompida por nada. Também não se pode apenas ficar em choque, é preciso cobrar, exigir através do voto consciente uma real mudança pela sociedade. Toda transformação surge de uma tragédia, porém infelizmente tragédias já se tem aos montes, falta apenas alguém capaz de fazer essa transformação.

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