22 junho 2014

A sexualidade não admite enganos


Sou homem, gosto de mulheres, transo com elas, mas às vezes fico com alguns rapazes. Beijo na boca, troco carícias íntimas e até faço sexo oral neles, porém não me considero gay. Sou g0y.” Essa é a versão dos adeptos do mais novo modismo dentro do segmento homossexual da atualidade. Mesmo não se autointitulando gays, fica evidente uma homossexualidade entre estes indivíduos que resolveram criar uma nova definição para os seus desejos. Essa repaginada no comportamento sexual acontece por diversas razões, sobretudo aquelas ligadas à ojeriza social que é nutrida contra o público gay na história da humanidade.  Porém, quando se fragmenta a sexualidade, amplia-se o preconceito vigente dentro dessa questão e desarmoniza todo o trabalho sócio-histórico-cultural para incluir os homossexuais no seio da sociedade.

O preconceito em torno da sexualidade tem seu epicentro marcado com a nominalização das práticas sexuais humanas. Se antes o contato sexual entre pessoas do mesmo sexo era naturalizado, com o surgimento das palavras heterossexualidade e homossexualismo (sic) houve a polarização dos desejos e, consequentemente a diferenciação entre eles. Agora, ser hétero está fincado no que é correto e aceitável pelos pilares sociais e religiosos, ao passo que ocorre o inverso com a homossexualidade. É por isso também que os g0ys não querem ser tachados de homossexuais, uma vez que a sua ideologia nasce da heteronormatividade dominante, então não é adequado ir de encontro às regras. O que eles desejam é se realizar sexualmente, mas sem perder a realeza e o conforto proporcionado pela heterossexualidade.

A palavra g0y chama atenção inicialmente pelo destaque dado ao seu segundo vocábulo “0”. Talvez ninguém tenha percebido, mas este destaque guarda uma perigosa mensagem. Por serem avessos às práticas anais, já que isso faz parte do campo da homossexualidade, os g0ys destacam o vocábulo mencionado como uma verdadeira barreira. Na verdade, aquela letra representa a diferenciação entre eles e os gays, pois estes últimos praticam sexo anal. Ora, em quaisquer espaços dicionarizados compostos por livros e estudos acadêmicos, sabe-se que a homossexualidade não se limita às práticas anais. Sentir atração por outra pessoa do mesmo sexo já caracteriza que o indivíduo nutre um perfil homossexual/homoafetivo. Ou seja, o que os participantes desse movimento pseudo-heterossexual estão vivenciando é uma prática homossexual não declarada.

Outro ponto importante dessa discussão reside no que eles afirmam ser uma “amizade sem preconceito”. É interessante falar em preconceito nesse grupo que se relaciona com pessoas do mesmo sexo, porém não admitem a palavra gay como definição para seus atos. Com isso, aumentam consideravelmente a discriminação em torno da homossexualidade, visto que os g0ys representam uma versão “melhorada” dos gays, a qual pode tudo menos fazer sexo anal. Por estarem com os pés simbolicamente fincados na heterossexualidade, eles acreditam serem superiores aos homossexuais, uma vez que podem ser héteros e, quando quiser, se envolver com rapazes. Esta liberdade de transitar pelos sexos criou nesse grupo a falsa ideia de que não são gays, mas indivíduos modernos se permitindo conhecer faces da sexualidade dantes não permitidas.

Acontece que com essa atitude os g0ys problematizam os reais papeis da sexualidade humana e até que ponto a fragmentação desta é periculosa/positiva para a sociedade. Infelizmente, numa cultura onde assumir os reais desejos sexuais ainda é considerado um tabu, não é coerente desmembrar o que já está há muito tempo esfacelado. Prova disso ocorre dentro da própria comunidade LGBT, onde gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, lutam entre si para se afirmarem nessa sociedade, ao invés de unirem forças em prol de suas causas; que são distintas em suas particularidades, mas comuns no geral. Diante disso, os embates por aceitação desembocam no seio social onde a carência de informação faz com que o preconceito dificulte a compreensão da pluralidade sexual humana.

Aqui no Brasil, muito antes da designação g0y, já havia práticas semelhantes. Inúmeros são os casos de rapazes ditos heterossexuais que tem relações íntimas com outros homens, héteros ou gays, e que não se consideram homossexuais. Casos até de relacionamentos vindouros, dos quais homens vivem vidas duplas, casados, com filhos, e seus respectivos amantes, mas não se assumem gays. A partir disso, percebe-se que o surgimento do g0y veio talvez validar algo que já acontece na prática em várias partes do mundo: o envolvimento de pessoas com outras do mesmo sexo. Entretanto, o estrangeirismo dessa palavra carrega mais uma moda do que uma cultura real, o que faz com que esse movimento se torne dúbio aos olhos dos reais homossexuais.

Por possivelmente ser um modismo, os g0ys contribuem para a incredibilidade das causas gays nos últimos anos. Enquanto, ano após ano estudiosos se dedicaram a explicar a natural manifestação da sexualidade, surgem indivíduos dispostos a brincar com ela, como se esta fizesse parte de um jogo. Do outro lado da moeda está a sociedade assistindo a tudo isso e fazendo seus julgamentos. Dentro dela, poucos serão aqueles que farão uma análise aprofundada dessa questão. A maioria irá classificar isso como mais uma perversão humana, inclusa no campo da homossexualidade, retardando mais uma vez as mínimas conquistas angariadas pela comunidade homossexual. Sem contar que fundamentalistas, sobretudo os religiosos, aproveitarão o ensejo para crucificar os gays perante a sociedade, ao dizer que ser homossexual não passa de um “modismo”.

Tudo isso acontece porque os g0ys fazem parte da cultura heteronormativa, a qual tem a homossexualidade como perversão humana. Mais que isso, o que esses adeptos pensam ser apenas uma brincadeira entre amigos, é mais uma prática homossexual disfarçada e recheada de preconceito, ao passo que é controlada pela hipocrisia, já que eles afirmam uma coisa, mas realizam outra. Com esse engano, o que os g0ys fazem é perpetuar a periculosa superioridade criada pela humanidade, a priori entre os sexos homem e mulher, e, agora entre gays e “não gays”. Esse engano só irá prejudicar os homossexuais, que lutam por aceitação e respeito social. Além é claro de criar uma imensa confusão na sociedade que já não compreende a relação entre as pessoas do mesmo sexo, imagine agora que alguns decidiram se relacionar com iguais, mas se mantêm “héteros”.


Ninguém escolhe ser branco ou negro, pobre ou rico, homem ou mulher. Apenas nasce-se como tal, de acordo com as circunstâncias sociais e históricas envolvidas na existência de cada indivíduo. Por essa razão, também ninguém escolhe ser hétero ou homossexual. Por mais que haja muitas discussões em torno da construção da sexualidade humana, estas prerrogativas ainda se encontram em total anonimato. A religião e a ciência até tentaram, mas não acharam respostas concretas capazes de explicar os diferentes desejos humanos. Porém, criou-se uma cultura da qual ser homossexual vai de encontro às leis da natureza sacralizadas por diversos segmentos religiosos. Por essas razões, ser g0y soa menos agressivo, já que o g0y pode constituir família e, por essa razão, perpetuar a espécie. Pena que, por mais que se esforcem, nada vai mudar o que eles realmente são: pessoas inseguras que buscaram numa palavra o engano necessário para fingirem algo que não são, héteros.

Um comentário: