30 março 2014


Vamos imaginar a seguinte situação, muito comum em várias partes do Brasil. Uma moça, sem nenhum ligação com a prostituição, resolve sair de casa vestida com trajes mais leves. Uma blusa mais ousada, mais um short, sandália de dedo e uma bolsa. Ai, ao passar pela rua, alguém se sente no direito de atacá-la, de despi-la, de usufruir do seu corpo, apenas porque seus trajes eram “convidativos”. Disto é que são vítimas muitas meninas país afora. Nossa cultura patriarcal e indiscutivelmente machista propaga a ideia de que elas devem ser recatadas no quesito roupa, pois ao transgredir essa regra a penitência é ser estupradas, verbal ou fisicamente na rua, ou olhadas de soslaio por homens e mulheres que agregam valor ao ser humano, a partir de sua aparência.

Após a liberação sexual feminina, esperava-se que a sociedade se encaminhasse para rotas longe desses ditames, que inferiorizavam as mulheres no passado. Elas que conquistaram arduamente o direito de usar anticoncepcionais, de votar e de serem eleitas, mas, na atualidade, ainda sofrem com o estigma das vestes. Se antes a polêmica era em torno do biquíni, da minissaia, hoje tais peças não incomodam os presentes. Porém, outras indumentárias mais decotadas, ou com um que de sensualidade, denotam a vulgaridade existente na pessoa que as usam, alçando-as ao patamar de presas fáceis nessa sociedade onde ser mulher significa alvo fácil na mira dos caçadores; muitos deles homens. Sem contar os moralistas, que se apoiam no exterior do ser humano feminino para rotula-lo erroneamente, a partir da roupa que se usa.

E para quem duvida, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou há poucos dias um estudo dizendo que 65,1% dos brasileiros acreditam piamente que uma mulher vestida com roupas curtas “merece ser estuprada”. A palavra merecimento é muito perigosa nesse contexto, pois dá ideia de que elas conquistaram o direito de serem violadas, sem defesa nem questionamentos, visto que estão trajadas de uma forma que desatina as normas sociais. A meritocracia, defendida por alguns, coloca mais uma vez as mulheres na antagônica posição do “sexo frágil”, aquele que deve se calar diante do “sexo forte”, de seguir seus preceitos, ou apenas servir aos desejos dos homens, seres superiores em tudo, inclusive no sexo. Este último quesito é um dos principais tabus enfrentados por elas na sociedade. Educadas a não sentirem nem terem prazer, as mulheres nascem, crescem e se reproduzem mecanicamente na sociedade sob a sombra dos homens, já que a elas foi facultado apenas servir, sobretudo na cama. Ou seja, fugir disso é ser chamada de vadia, e derivados do gênero.

Esse levantamento traz à tona também outra questão: a persistente perseguição da sociedade contra a mulher. Se antes elas eram bruxas, queimadas na fogueira, agora a penalidade é o estupro. Tal violação, segundo a maioria que opinou na pesquisa do IPEA, é algo natural, visto que muitas procuram ser agredidas nas ruas. Estes indivíduos parecem que não tem uma noção plena do que é ser estuprado. Vítimas dessa atrocidade relatam ser uma das piores experiências em vida que um ser humano pode passar. Ter alguém rasgando sua roupa, penetrando seu corpo, posse esta que ocorre de forma selvagem, pois quem é adepto dessa prática pouco se importa com a vítima, apenas quer saciar sua vontade, não importando a que preço. Mais preocupante ainda é saber que entre os defensores desse horror estão muitas mulheres. Na realidade, isso só evidencia o grau do machismo operante no país, do qual nem elas estão imunes.

Vale ressaltar, nesse sentido, o moralismo hipócrita de que se valem alguns para defender a tese de que mulher vestida sensualmente deve ser estuprada. Muitas vezes, os indivíduos que se sustentam em ditames tão rasos como esses, o fazem por puro recalque. Não se pode classificar alguém de vadia baseado só na roupa que ela usa. Há tantas pessoas por ai que se vestem de paletó e gravata e roubam, matam, cometem atrocidades mil, sem precisar tirar nenhuma peça do corpo. Há aqueles e aquelas que, trajados do pé a cabeça, são bem mais promíscuos do que aquele rapaz sarado que se mostra na praia ou da garota que se exibe na rua com trajes minúsculos. Logo, se ancorar no externo para desvendar o interno de uma dada pessoa é uma tática perigosa e passível de erro, uma vez que, muitas vezes nem tudo o que parece é.

Aos moralistas, ainda, cabe outras colocações. Exigir que nossas garotas andem com roupas mais compostas não vai resolver a promiscuidade feminina, nem tão pouco masculina. Nossos jovens precisam é de um trabalho voltado para a sexualidade humana em toda a sua pluralidade. Se, desde cedo, eles fossem ensinados a respeitar os gêneros opostos, talvez essa soberania masculina não existisse. Talvez o ser mulher não fosse subjulgado por coisas tão supérfluas. Entretanto, o que a nossa cultura herda é o modelo feminino estigmatizado, ora a dona de casa, comportada e recatada, ora aquela que foge a regra, a prostituta, desvairada, sem eira nem beira, a que serve apenas para ser usada, xingada, humilhada e, por que não, estuprada por aqueles que perpetuam esse maniqueísmo. Por causa disso, outra pesquisa feita pelo IPEA em 2013 relatou que mais de 50 mil mulheres foram mortas no país. Depois de ouvir a naturalização do estupro da boca de alguns fica fácil entender a razão de tantas mortes.

Ora, no país onde elas são musas de times de futebol, de campanhas de cerveja, estrelam capas de revistas voltadas ao nu masculino, estão na praia em micro peças, se incomodar porque estão com roupas sensuais é um tanto controverso. Os que julgam esse quesito não são tão atentos como deveriam, pois basta ligar a TV ou passear por pontos badalados para verificar que os tempos mudaram e, com ele, a quantidade de roupa. Por essa razão, é contraproducente taxar nossas moças, que vivem no meio dos trópicos, a se vestirem de forma mais “adequada” para não serem agredidas. O que deve aumentar não é a roupa feminina, mas o respeito masculino. Eles devem ser orientados a não invadir o espaço delas, sem permissão. Aprender que elas são independentes nas suas escolhas e não seres que existem apenas para o usufruto deles. Perpetuar para elas também essa autonomia e autoconfiança, pois só assim conseguiram se firmar nessa terra sem lei e dominada pelos homens.

A posteriori, essa pesquisa teve pontos importantes. O primeiro deles foi constatar que existem pessoas que vivem no século 21, mas com a cabeça no 16. Bom saber que a ignorância no Brasil é medida em número, já que mais da metade dos brasileiros opinaram a favor do estupro e não do respeito e da tolerância. Bacana ver que por mais que haja esforço das ONGs em desconstruir o preconceito e a violência contra as minorias, há centenas e milhares de pessoas nadando contra a maré. Essas ironias servem apenas para que possamos refletir sobre o modelo de sociedade que estamos deixando para as futuras gerações. Uma sociedade limitada, desinformada, preconceituosa e assumidamente violenta. Agora já temos ciência das deficiências do país nesse sentido, basta potencializar a educação para reverter tal realidade, mesmo que seja a longuíssimo prazo.

Portanto, sentenciar alguém ao estupro é um ato falho, que vai de encontro aos direitos humanos e, sobretudo com o dever universal de respeitar o semelhante, independente da postura que ele exerce na sociedade. Mais importante ainda é valorizar o ser mulher e destacar que ela não é fantoche dessa sociedade centrada no macho, para ser vítima de violência gratuita e despropositada. Antes de tudo, é preciso entender que cada pessoa tem a autonomia de se vestir como quer, pois isto não vai caracterizá-lo como inferior ou superior. No caso das mulheres, o fato de uma usar trajes mais sensuais não dá abertura para ninguém bulinar seu corpo ou taxa-la de vadia. Mais respeito com as prostitutas, pois elas são honestas e pagam suas contas sem precisar inferiorizar ninguém. Mais respeito com as mulheres que se sentem livres para usar o que querem e se arriscam nesse país que vive uma eterna incoerência: apela constantemente para o sexo na música, na mídia, na cultura em si, porém, paga de bom samaritano quando alguém usa algo “fora do comum”. Dessa forma, antes de ser algoz se coloque no lugar da vítima e se faça a seguinte pergunta: Você gostaria de ser estuprado? Com certeza, não! Sair da zona de conforto é estar no lugar do outro, experienciar a sua dor, vivenciando-a. Só assim entenderemos o que é ser minoria.
O inaceitável risco da igualdade

Quando se delineia, mesmo ao longe, a chance da demolição da casa-grande e da senzala, a vocação golpista dos privilegiados se estabelece.
por Mino Carta 

Faz pouco tempo, a chamavam Revolução, com r grande, e ainda há quem assim a chame. O Brasil inovou ao batizar desta forma um golpe de Estado. O ex-ministro do STF e presidente da Câmara durante o “mandato” do ditador Ernesto Geisel, Célio Borja, em entrevista à Folha de S.Paulo, sustenta hoje, aos 85 anos, que a partir de 1º de abril de 1964 o Brasil teve “um regime de plenos poderes”. Não sei como o ilustre jurista definiria ditadura. Primeiro de abril, disse eu, mas se o golpe se deu nesse dia, ou em 31 de março, tanto faz. De todo modo não ocorreu de mentirinha. Mentiras monumentais houve para justificá-lo, e algumas continuam a ser proferidas.

Como Moniz Bandeira logo adiante escreve, o governo dos Estados Unidos teceu, de caso pensado ou de crença própria (de americanos tudo cabe esperar), um magistral enredo de pura ficção para mobilizar, debaixo de sua bandeira, diplomatas, espiões, mestres em tortura, tropa e até um porta-aviões. Segundo os ficcionistas de Washington, o Brasil preparava-se para enfrentar uma guerra civil, provocada pela insurgência de comunistas de inspiração cubana, como se sabe canibais de criancinhas. Os reacionários nativos, instalados solidamente na casa-grande, engoliram mais umbest seller ianque, e lhe acrescentaram capítulos decisivos, com a colaboração dos editorialistas dos jornalões.

Soprava o entrecho que a subversão ensaiava sua marcha e a intervenção militar era recomendada, ou melhor, indispensável. A invocação prolongou-se in crescendo desde o instante em que o vice-presidente João Goulart assumiu o posto abandonado por Jânio Quadros, o tragicômico homem da renúncia, antes contida enquanto durou o imbróglio parlamentarista, enfim em tons de desespero quando Jango mandou às favas o sistema de governo inventado para cerceá-lo e retornou ao presidencialismo. A história prova que Goulart era um democrata sincero, nenhuma das suas atitudes, do começo ao fim do mandato constitucional, demonstra o contrário. Quanto à marcha da subversão, nunca a vi passar.

Outra marcha desfilou diante dos meus olhos estupefactos, a “da família, com deus e pela liberdade”. Dirigia então a redação de Quatro Rodas, instalada na capital paulista em um prédio da Rua João Adolfo, esquina da Avenida 9 de Julho. Na tarde do 19 de março de 1964, dia de São José, o resignado padroeiro da família, deixei a redação e andei não mais que 500 metros para alcançar a esquina da Rua Marconi com Barão de Itapetininga, onde estacionei para assistir ao desfile.

Vinham na frente os sócios do Harmonia, clube mais elegante de São Paulo, acompanhados por seus fâmulos, mucamas, aias, capatazes, colonos, jardineiros, motoristas, cocheiros, massagistas, pedicuros, manicures etc. etc. Em seguida trafegaram os sócios do Clube Paulistano (sinto por eles, menos faustosos que o Harmonia), também seguidos por seus serviçais, em número menor e mesmo assim expressivo. Depois passaram os demais, em ordem decrescente, ditada ou pelo clube frequentado, ou pelo bairro da residência. Na rabeira, os remediados, irrefreáveis aspirantes a inquilinos da casa-grande. Sobrevoava o cortejo o governador Adhemar de Barros, de helicóptero em voo quase rasante, desfiava o rosário guardado na algibeira do colete.

A “marcha da família”, capaz de incomodar o Altíssimo e negar a liberdade que diziam defender, revela a verdadeira natureza do golpe de Estado que precipitou a ditadura. A qual é, ou não é. Como a de Hitler, de Mussolini, de Stalin. E não excluamos Franco, ou Salazar, e os fardados de quepe descomunal em toda a América Latina. No caso de Fidel Castro, é natural que tenha merecido uma avaliação especial por parte de quem viveu a condição de relegado ao quintal dos Estados Unidos. De minha parte, confesso, não me agradam personagens que atravessam a vida de uniforme.

Irrita, de todo modo, que seja comum ler ou ouvir a referência à ditadura militar brasileira. Quiséssemos ser precisos, afirmaríamos ditadura civil e militar. A bem da verdade factual, há de se reconhecer que nos começos de 1964 não seria missão impossível atiçar os nossos fardados, e na tarefa o governo americano, e os privilegiados do Brasil, por meio dos seus porta-vozes midiáticos, saíram-se à perfeição. A tal ponto que eles próprios, jornalistas inclusive, acabaram por acreditar no enredo criado em Washington, pelo qual a guerra civil batia às portas. Houve até civis graúdos que estocaram armas nos porões e nas adegas.

Calibrados para a intervenção, os militares cumpriram o seu papel de gendarmes da casa-grande, de exército de ocupação, e com notável aparato partiram para a refrega de fato impossível. A renúncia de Jânio Quadros deveria ter sido lição profícua. Este sim, ao contrário de Jango, pretendia provocar a reação popular e errou dramaticamente. No mesmo dia, o Santos jogava em terra estrangeira e o povo comprimia-se nos bares para ouvir a irradiação. Reação houve, delirante, aos gols de Pelé.

A 1º de abril, ou 31 de março, que seja, vieram os blindados e os canhões, Carlos Lacerda armou-se de fuzil e fez do Catete uma trincheira. O golpe se deu, porém, com a imponência de um corriqueiro desfile de 7 de setembro. Houve um ou outro episódio de violência aqui e acolá, enfrentamento nunca. As calçadas não ficaram manchadas de sangue. Os militares executaram o serviço sujo com a eficácia e o risco de quem vai à guerra sem inimigo. Do outro lado, havia idealistas, sonhadores, nacionalistas, esperançosos de um futuro melhor para um país que amadurecia lentamente demais para a contemporaneidade do mundo.

O Brasil padeceu de várias desgraças ao longo de cinco séculos. A colonização predatória, a matança dos aborígenes, três séculos e meio de escravidão, uma independência sem sangue, uma proclamação da República perpetrada por obra de um golpe de Estado militar, a indicar o caminho convidativo daí para a frente. O entrecho de desgraças, entre elas a carga mais deletéria representada pela escravidão, cujos efeitos permanecem até hoje, influenciou profundamente a história do século passado. Dominada em boa parte por Getúlio Vargas, um estadista, decerto, ao pensar um Brasil moderno, e também ditador no primeiro período da sua atuação, o que não depõe a favor.

O golpe de 1964, reforçado na sua essência daninha pelo golpe dentro do golpe de 1968, uma vez imposto o Ato Institucional nº 5, é a última das desgraças. A mais recente, e de repercussões duradouras. Leiam, por exemplo, o texto de Vladimir Safatle, mais adiante. A derrubada de Goulart assinala o enterro de um processo que levaria o Brasil bem mais longe do que se encontra hoje. Não imagino, está claro, a chegada da marcha da subversão para impor uma ditadura também, embora de esquerda, mesmo porque as lideranças disponíveis, os cassados daquele momento, estavam longe de mirar neste alvo. Digo lideranças como o próprio Jango, Brizola, nem se fale de Juscelino.

Mudanças sensíveis se dariam aos poucos, caso não ocorresse uma reviravolta armada, no espaço de uma ou mesmo duas décadas, a partir das chamadas reformas de base, encabeçadas pela reforma agrária, indispensável em um país em que 1% da população é dona de cerca de 50% das terras férteis. As circunstâncias favoreceriam o surgimento de partidos autênticos em lugar de clubes recreativos de uns poucos sócios, a representarem, quase todos, os interesses do privilégio. Baseado no parque industrial paulista, o mais desenvolvido de todo o Hemisfério Sul, brotaria um proletariado consciente da importância e da força do seu papel, e portanto sindicatos dignos deste nome.

O golpe de 1964 aconteceu exatamente por causa da perspectiva renovadora que apavorava os senhores. Chega a ser ridículo invocar a ameaça da guerra civil, como alega Célio Borja na entrevista à Folha de S.Paulo, e como alegam muitos outros como ele, convictos de que é da conveniência do Brasil ser satélite de Tio Sam, bem como manter de pé a casa-grande e a senzala, da qual vale convocar eventuais marchadores. Os senhores escravocratas do século XXI ainda se movem ao sabor das crenças de 50 anos atrás (ou de 500?), certos do velho axioma, melhor prevenir do que remediar. Daí a oposição sistemática aos governos Lula e Dilma. Aquele já fez alguns estragos, esta é sua criatura, donde para ela a berlinda é automática.

Sempre que ouço pronunciar a palavra redemocratização padeço de um sobressalto entre o fígado e a alma. É justa e confiável a democracia em um país que ocupa o quarto lugar na classificação dos mais desiguais do mundo? Os senhores do privilégio querem é uma democracia sem povo e um capitalismo sem risco. De qualquer forma, à democracia não basta promover eleições periódicas, mas algo é mais grave, nesta instância do pós-ditadura: o espírito golpista ainda lateja nas entranhas da sociedade, como vocação inapagada e impulso natural.

De um lado há a fé em um recurso extremo, porém disponível ad aeternitatem, como aspiração latente em caso de necessidade. Do outro lado, o medo, enraizado nos demais, mal acostumados. Raros os brasileiros que, ao se arriscarem a vislumbrar a possibilidade de uma situação de agitação social, não temam a solução golpista. Há quem suponha que, a esta altura, exageram em temores. Há também quem sustente que basta pensar para tornar o pior admissível.

Agrada-me relembrar Raymundo Faoro, que sustentava a competência da direita, tranquila vencedora em 1964. A respeito discutíamos. Na minha opinião, o nível da competência é determinado pela qualidade do adversário. O que me impressiona, isto sim, é a ausência de adversários à altura desta direita tão, como direi, medieval, responsável pelo brutal oximoro: um país grande por natureza e forte por vocação se vê tolhido por uma elite prepotente, arrogante e ignorante. Deste ponto de vista, a ditadura brasileira tem, aquém ou além da tragédia, ou a despeito da tragédia, um aspecto patético. Quantos perseguiu e até matou e agora são, ou seriam, tucanos convictos, inequivocamente bandeados para a reação?

Com a premissa de que o acaso é entidade insondável, faltou uma esquerda capaz de acuar os donos do poder, como se deu em muitos outros países habilitados à democracia e à civilidade. Para ser de esquerda atualmente é suficiente empenhar-se a favor da igualdade, conforme recomenda Norberto Bobbio, cujo ensaio a respeito Fernando Henrique leu sem proveito algum. Nesta quadra, pretensamente de redemocratização ou, pelo menos, de democratização, o Brasil não conta, na quantidade necessária, com batalhadores da igualdade. Salvo melhor juízo.


No Brasil, atualmente, é nítido observar que, a questão educacional tornou-se uma atividade secundária. Com base nesse aspecto, surgem diversos problemas como baixa remuneração, agressões físicas, condições de trabalho, que desestimulam os educadores, fazendo com que percam o prazer de construir o conhecimento junto aos alunos. 
Sabe-se que, o principal papel do educador é construir o cidadão para a sociedade. Devido a essa vulnerabilidade, toda culpa pela má formação do ser social estaria atribuída ao professor. Entretanto, o país é, parcialmente, o grande responsável pelas falhas existentes, pois, por ser uma potência em desenvolvimento econômico, não preza a educação como fonte primordial para o crescimento mundial.
No âmbito político e social, a desvalorização da classe educadora é elevada. É notório que a educação não é fator fundamental, pois, os professores não possuem uma boa condição de trabalho, para desempenhar sua função adequadamente. Além de receber uma remuneração baixa, para um custo de vida alto, os educadores ainda estão submetidos a agressões verbais e físicas por parte de seus alunos. 
Em uma pesquisa realizada com 21 países pela fundação internacional Varkey Gems, é revelado que o Brasil é um dos locais que menos respeita seus educadores. Inclusive, ficando na penúltima posição. Vale ressaltar também que, na questão salarial, o país novamente é o penúltimo colocado da lista.
Para alcançar um desenvolvimento educacional, deve haver uma relação entre governo e sociedade, de forma que valorize o professor. Portanto, o papel do educador é fundamental para a construção do ser e do país. E como já dizia Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Aluno: Miguel Henrique
Professor: Diogo Didier

O poema:
Me Gritaron Negra



Tenía siete años apenas,
apenas siete años,
¡Que siete años!
¡No llegaba a cinco siquiera!

De pronto unas voces en la calle
me gritaron ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!

“¿Soy acaso negra?” – me dije ¡SÍ!
“¿Qué cosa es ser negra?” ¡Negra!
Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía. Negra!
Y me sentí negra, ¡Negra! 
Como ellos decían ¡Negra! 
Y retrocedí ¡Negra!
Como ellos querían ¡Negra!
Y odié mis cabellos y mis labios gruesos
y miré apenada mi carne tostada
Y retrocedí ¡Negra!
Y retrocedí…
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!

Y pasaba el tiempo,
y siempre amargada
Seguía llevando a mi espalda
mi pesada carga

¡Y cómo pesaba! ...
Me alacié el cabello,
me polveé la cara,
y entre mis cabellos siempre resonaba
la misma palabra
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra! 
Hasta que un día que retrocedía,
retrocedía y que iba a caer
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! 
¿Y qué?


¿Y qué? ¡Negra! 
Sí ¡Negra! 
Soy ¡Negra!
Negra ¡Negra! 
Negra soy

¡Negra! Sí
¡Negra! Soy
¡Negra! Negra
¡Negra! Negra soy
De hoy en adelante no quiero
laciar mi cabello
No quiero
Y voy a reírme de aquellos,
que por evitar – según ellos –
que por evitarnos algún sinsabor
Llaman a los negros gente de color
¡Y de qué color! NEGRO
¡Y qué lindo suena! NEGRO 
¡Y qué ritmo tiene! 
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO 
Al fin
Al fin comprendí AL FIN 
Ya no retrocedo AL FIN 
Y avanzo segura AL FIN 
Avanzo y espero AL FIN
Y bendigo al cielo porque quiso Dios
que negro azabache fuese mi color
Y ya comprendí AL FIN 
Ya tengo la llave 
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO 
¡Negra soy!


      Há quem diga que a ilicitude tenha surgido no tempo dos primórdios, e assim, tenha sido estagnada, juntamente, com alguns fatores históricos. Porém, em pleno século XXI, uma parte da sociedade, adepta ao entorpecente, vem sendo submissa dos desejos que no passado eram tidos apenas como uma fonte de busca para experiências transcendentais. Com isso, uns usam-na apenas como uma fonte de evasão; enquanto outros, para a autodestruição.

      As constantes polêmicas que giram em torno das drogas, sejam licitas ou ilícitas, estão levantando questionamentos relacionados à necessidade de consumo. Segundo pesquisas públicas, aproximadamente 22,8% dos consumidores entendem os motivos, as quais os levam a exagerar nas doses alucinógenas. Isso mostra, claramente, que além de não ter sido pulverizada, a 'canabbis', por exemplo, tem utilidade primordial.

         Nesse mesmo âmbito, o exagerado consumo vem ocasionando em diversos fatores prejudiciais à saúde do adepto. Em algumas regiões da Amazônia, com objetivos religiosos, a existência do cipó alucinógeno - mais conhecido como 'cipó das almas' - está ocasionando uma repressão usual. Consumida de forma clandestina, o sarmento tem o poder de transcender o cunho espiritual fazendo com que o ser tenha todas as barreiras da consciência aniquiladas, e sucessivamente, constantes náuseas prejudiciais ao organismo humano.

         Outrossim, o álcool, com seus efeitos euforizantes, também possui suas opiniões adversas. Como se sabe, o excesso pode ocasionar em diversos fatores degenerativos, como por exemplo, acidentes contínuos. Porém, há quem o use apenas para aliviar as dores e aflições. Recentemente, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool (ABEAD) realizou pesquisas, das quais, constatou-se que cerca de 17,9% dos ditos 'alcoólicos' consumiam o etílico para dispersar as pressões rotineiras; enquanto, aproximadamente, 5,6% dos pesquisados alegaram consumir à bebida para enaltecer à euforia.

         Portanto, a inibição das drogas não será a solução mais adequada; tendo em vista que muito antes do homem ter ciência do que era, realmente, certo e errado, o tóxico já se fazia presente entre as diversas populações. Por isso, cabe à sociedade respeitar aquele que faz o uso para satisfazer um prazer pessoal; já relacionado aqueles que a consomem para a aniquilação pessoal, o aceitável é que programas de acolhimento sejam criados visando a assolação desse vício.


Aluno: Carlos Jefferson M. de Souza
Professor: Diogo Didier

René Guerra extrai lirismo da morte, e trata da sexualidade sem tender para clichês e discursos moralistas

por Luís Gustavo de B. melo

Por vezes o cinema erra a mão ao enfocar minorias marginalizadas. Não é o caso desta produção independente, cujo insight se deu a partir de um sonho (!). Os Sapatos de Aristeu não é apenas um filme sobre homossexuais e preconceito familiar, é antes uma história sobre cumplicidade, perda e redenção. No curta-metragem do diretor e roteirista alagoano Luiz René Guerra, o homossexualismo e o seu eterno conflito com os valores impostos pela sociedade, são tratados com sensibilidade, inteligência e certa dose de ironia.

Além da atmosfera lúgubre – acentuada pela fotografia em preto-e-branco –, o que chama a atenção nos quinze minutos do curta é o silêncio. Quase não há diálogos e parte da construção narrativa se dá a partir dos enquadramentos e da engenhosa sequência de planos, closes e cortes rápidos, que ajudam a compor traços de personalidade das personagens, revelando aos poucos, os valores e a realidade daquelas pessoas. 

Nos primeiros segundos do filme, podemos ouvir uma música vinda de um toca-fitas que é abruptamente desligado. Estamos no que parece ser uma casa de shows, onde encontramos o travesti Aristeu, morto, e sendo maquiado por suas colegas no assoalho do palco do estabelecimento. Este é o único momento em que ouvimos música durante todo o filme. Talvez para imprimir um aspecto mais naturalista, Guerra tenha preferido não utilizar trilha sonora.

Após “montar” a travesti, o corpo é levado até a casa da família para ser velado e, a partir do momento em que vemos a irmã do morto à sua espera na porta de casa, percebemos o clima de desestruturação familiar que existia na vida do homossexual. “Minha mãe não pode sofrer mais, eles (os outros travestis) não podem aparecer por aqui. Diga para as pessoas daquele lugar que quem vai ser enterrado é o Aristeu”, disse a irmã para o amigo de Aristeu que o havia trazido. 

O filme de René Guerra é conduzido em ritmo fragmentado. Os quadros e movimentos da narrativa vão se sucedendo em cortes e contrapontos, com impressionante fluidez. A sequencia final desvela o quão frágeis e diluídos são os valores que herdamos no que tange ao preconceito e a intransigência. Quando os travestis chegam até a casa onde o corpo está sendo velado, a irmã do morto recusa-se a atender a campanhinha e após uma última explosão de revolta contra o irmão homossexual – que, em suas palavras, as abandonou “para virar isso” – , ouve a mãe lhe revelar que Aristeu foi embora porque ela havia pedido para ele ser quem é longe dela. Quando finalmente resolveram abre a porta para os visitantes, estes calçaram sapatos femininos no falecido. O simbolismo desta cena sintetiza todo o conceito do filme. Por um instante, o abismo que separava aquelas duas realidades tão distintas, deixara de existir. É importante salientar que, ao longo do filme, não há qualquer tipo de julgamento. René Guerra foi muito feliz em sua decisão de contar a história utilizando uma abordagem subjetiva que, acima de tudo, prima pelo bom senso e pela sutileza.


Visto no: Decomposição
elite1111
A classe média no Brasil sofre. Ou diz que sofre. Ou sofre alguma coisa mesmo, mas diz que sofre muito mais. O fato é que se percebe como sofredora-mor e reage buscando proteger os interesses de sua classe da maneira como pode, independentemente de preocupações com que lado ou a que está se aliando.
Uma das dificuldades é, sem dúvidas, definir exatamente o que é classe média. O critério econômico é bastante falho, propositalmente amplo, indicando renda per capita entre R$300,00 e R$ 1.000,00. Outros critérios levam em consideração a posse de itens como automóvel, contratação de serviços como empregada doméstica e grau de instrução. Ainda assim, os resultados dão margem a subdivisões como classe média alta, média e baixa.
A grande sacada é perceber que a classe média não se define pela questão socioeconômica, mas por um corte ideológico. A classe média, economicamente, tem posses – e faz questão de mostrá-las – e aspira astatus. Seus horizontes constituem-se em dois paradigmas obrigatórios: diferenciar-se da classe baixa (horror a pobre!) e sonhar em ser rico.
Assim, constrói sua ideologia baseada na defesa intransigente do direito à propriedade que, segundo eles, foi adquirida com muito trabalho, esforço e mérito. Daí qualquer ataque a seu poder de compra é um absurdo sem tamanho. A conquista das classes mais baixas nunca será considerada como válida, pois não obedece a esses critérios. Sempre haverá a denúncia de auxílios e benefícios que são uma “trapaça social” em sua visão.
É uma proteção a seu próprio espaço. A classe média tem horror a que emergentes cheguem a ocupar uma mesma posição que a sua. Denunciam a falta de mérito e de esforço, ainda que defendam veementemente – e busquem utilizar – todo e qualquer sistema de benefício a que façam jus. Não é raro que usem firulas jurídicas para que as mulheres possam receber pensões de avôs militares ou serventuários da Justiça. Mas aí não é auxílio, aí não é preguiça.
Bolsa-família é para o pobre preguiçoso viver às custas de quem paga impostos. Pensões e outros benefícios são direitos de uma vida inteira de trabalho repassados justamente aos herdeiros. Isso ocorre porque basicamente a classe média estabelece o conceito de “família” como a base da sociedade. Não da forma ampla como você entendeu, leitor, com apoio à união familiar, garantias e direitos a uma vida digna; mas sim como célula unitária, sua própria família, que deve ser defendida contra os ataques de outras “famílias”. Esse conceito diz respeito apenas aos direitos que aquelas próprias pessoas têm, independentemente de qualquer direito que venha a beneficiar a outros que não se encaixam nesse modelo.
De fato, a classe média paga muitos impostos. A base tributária do país é extremamente discrepante e atinge em cheio a famigerada classe média. A reação contra isso é que assusta: a classe média volta-se sempre contra os pobres – seu inimigo natural – e a qualquer benefício que possa lhes ser concedido. Não percebem que a base de cobrança é injusta pois não atinge os ricos e as grandes fortunas como deveria atingir; que são esses os que mais conseguem vantagens e deduções na hora de pagar seus impostos.
Mas a classe média jamais volta suas armas contra os ricos. Afinal, ser rico é o objetivo, busca-se a todo momento o ingresso mágico para este seleto clube. Um grupo que pode desdenhar do país, sentir-se europeu em solo tupiniquim, que não tem preocupações financeiras com prestações e que dá de ombros à situação econômica que não lhes atinge.
O pior é perceber que os ricos brasileiros – falo dos empresários, detentores dos meios de produção – têm um sério receio com relação a políticas por demais conservadoras. Um governo que se decida verdadeiramente capitalista põe a perder todas as suas fortunas, pelo fim dos inúmeros incentivos, benefícios e financiamentos que o governo oferece às suas empresas. O capitalista no Brasil não sobrevive sem a providencial ajuda do governo.
Enquanto isso, a classe média atira. Qualquer crime contra a propriedade – ainda que de pouco valor – é inadmissível. A vida do miserável vale bem menos que um iPhone. Cotas são uma afronta ao dinheiro gasto na educação particular de seus filhos. Os aeroportos viraram rodoviárias onde convivem com emergentes da classe C, apadrinhados do PT.
Usam os exemplos de exceção que conhecem da própria família – “meu avô era pobre e nunca precisou de bolsa, ele trabalhou” – ou alguns outros notórios para demonstrar o absurdo da concessão de benefícios aos menos favorecidos. Esses são tidos como incompetentes e possuem uma mácula inapagável no seu caminho. O que não entendo é porque a classe média não tem a mesma frustração: afinal, se há oportunidade para todos, por que não se tornaram bilionários como Bill Gates, Steve Jobs ou Mark Zuckerberg? Todos vêm da classe média e trabalharam duro… Alguns nem terminaram suas faculdades. Aí a classe média não se vê como fracassada.
O que espanta é ser uma classe escolarizada, apesar de não necessariamente culta e assume, de maneira tosca, o discurso mais conservador possível. Só lhes interessa a proteção draconiana de suas conquistas, impedindo qualquer avanço social. Culpam o PT por qualquer coisa e adotam a defesa de estados totalitários e discursos fascistas. Diante de sua posição, o PT até parece esquerda.
E isso torna difícil a discussão política, o conjunto de críticas que devem ser feitas ao governo Lula/Dilma, sem precisar sugerir que a solução esteja no PSDB, DEM ou PSB. Essa dicotomia criada é falaciosa e só proporciona o crescimento do discurso do ódio e do revanchismo.
Sim, a classe média sofre. Sofre de terríveis males de consciência, de problemas de personalidade e de coragem. Falta-lhes coragem para romper com uma ideologia atávica e cobrar sim direitos – a que fazem jus! – do Poder Público. Inverter a lógica de cobrar menos direitos aos outros. Precisamos de uma sociedade em que se tenha a exatidão de onde está o problema. E está longe de ser o pobre ascendendo socialmente a uma vida mais ou menos digna.
As marchas andam sem sentido, sem direção e sem juízo. Que a classe média descubra que “família” é um conceito que vai além da sua própria. Que a propriedade é um direito para mais de uma classe. E que toda a sociedade é composta de seres humanos que merecem respeito e uma vida digna. Ainda que não participem de seu clube de compras.
Visto no: Transversos

23 março 2014


Certa vez, um amigo me telefonou dizendo que queria conversar algo comigo. Curioso, perguntei prontamente do que se tratava. Ele, no entanto, limitou-se a dizer que era algo muito sério e que só poderia me contar pessoalmente. Fiquei superaflito e imaginei zilhões de coisas. Será que ele está com uma doença terminal? Será que cometeu algum crime e agora quer se confessar? Será que ele é gay e resolveu sair do armário? E as perguntas continuavam a brotar da minha mente, ao passo que eu esperava o grande dia da revelação do meu amigo.

Sua ligação foi numa segunda pela tarde, mas o nosso encontro só aconteceria no sábado de manhã, pois nem eu nem ele tínhamos tempo para nos ver antes disso. Fui trabalhar e a ligação dele ficava martelando na minha cabeça. Comentei com alguns amigos em comum para saber se eles poderiam adiantar o teor da conversa. Nada. Ninguém sabia o porquê da repentina ligação. Outros, porém, arriscaram alguns palpites, mas todos semelhantes aos meus.

Acho que qualquer mortal fica agoniado com a possibilidade de saber de um segredo. Quando alguém diz: “Eu preciso falar algo com você” é como se estivesse ligando o botão da curiosidade existente em cada um de nós.  Depois de acionado, esse mecanismo nos atormenta até que seja revelado o tal segredo. E comigo não foi diferente. Passei a semana toda sem dormir direito. No trabalho, fiquei várias vezes disperso, imaginando o que ele tinha para me contar. Em casa, minha família percebeu a minha inquietação e começou a perguntar a razão da minha ansiedade. Respondia vagamente que estava bem. Mas não estava.

Ansiosamente incontrolável, o desejo de desvendar o papo que só teríamos no sábado me levou a procurar meu amigo antes da data. Liguei para o telefone dele e nada. Apenas a chata caixa postal e a sua entediada mensagem. Sem pensar em desistir, fui até a casa dele a noite pós o trabalho. Não era tão longe, apenas algumas quadras da minha casa. A cada passo, podia sentir o meu coração bater em compasso com meus pés. Me aproximo da casa dele e bato a porta. Bato uma, duas, três vezes, e ninguém responde. Bato com mais força, tão forte que uma vizinha assustada aparece e diz que não há ninguém na casa.

Frustrado, mas ainda curioso, fiquei me perguntando aonde teria ido parar meu amigo. Ele não tinha hábitos inusitados. Pelo contrário, costumava ir de casa para o trabalho e não era do seu feitio não atender o telefone e não está em casa aquela hora. Então, perguntei à vizinha se ela tinha notícias do paradeiro dele. Desconfiada, ela perguntou quem eu era. Respondi que era amigo dele e me apresentei para a senhora. Após isso, ela resumiu-se a dizer que meu amigo tinha entrado num estranho carro pela manhã e ainda não tinha voltado. Indaguei se ele estava acompanhado. Ele disse que não viu ninguém, apenas o carro de portas abertas e meu amigo entrando nele.

Ao sair de lá, pensei com mais calma e disse para mim mesmo que não era nada de mais. Talvez uma nova namorada que foi buscá-lo em casa para sair. Talvez um homem importante para um jantar de negócio. E fiquei fazendo especulações para enganar a minha mente e desviar a minha curiosidade sobre tudo isso. Tentei também de todas as formas diminuir a minha ansiedade. Estava muito tenso com a possibilidade de saber algo inusitado sobre o meu amigo. Não que eu fosse fofoqueiro. Longe disso. Pouco me importa a vida alheia e os seus segredos guardados a sete chaves, porém, desde quando recebi aquela ligação, percebi que faço parte do grupo das pessoas que, se não são curiosas, tem todo o aparato para ser.

E passou a quarta, a quinta. Quando chegou a sexta feira a noite, a minha curiosidade estava no limite. Não aguentava mais. Contava as horas para que o dia amanhecesse e eu pudesse enfim ouvir da boca do meu amigo a bombástica revelação que tinha para me fazer. Para minimizar a minha agonia, tomei suco de laranja com calmante para dormir bem. Pelo menos essa noite eu tinha que dormir direito, já que nas outras eu embolava pela cama de curiosidade. Até porque não podia causar uma má impressão ao meu amigo, depois de tanto tempo sem vê-lo.

Chega o grande dia. Mal consigo comer direito. Quando estava trocando de roupa meu telefone toca. Ao olhar para o telefone, reconheci o número. Era meu amigo ligando. Com o coração aceleradíssimo, atendi o aparelho. Do outro lado ele me diz que está me aguardando em casa para me revelar algo muito importante. Coisa de vida ou morte. Já meio sem pensar, disse-lhe que estava a caminho e que chegaria à sua residência num piscar de olhos. Rapidamente me vesti e caminhei a passos largos em direção à casa do meu amigo. Chego na quadra onde ele mora, depois na rua, depois no quintal dele, depois finalmente na porta. Bato pausadamente a residência que em dias anteriores estive lá para matar a minha curiosidade.

Do outro lado da porta, escuto vozes alegres e passos vindo na direção da porta. Meio sem entender o motivo de tanta alegria, fico prostrado lá esperando que alguém me receba. Quem aparece na porta não é meu amigo. É um senhor, bem vestido e de aparência distinta que me cumprimenta e pede para que eu entre. Não era alguém do nosso hall de amizades e fico desconfiado da sua presença ali. Na sala do meu amigo, outra figura que eu também nunca vi. Uma senhora com as mesmas características do homem que abriu a porta. Com uma pequena exceção para as plásticas andrógenas no seu rosto. Ao seu lado estava enfim meu amigo com um ar semelhante ao de sempre. Não tinha preocupação no seu rosto, nem nenhum que de mistério. Apenas o meu bom e velho amigo.

Sem muita demora, perguntei o que ele tanto tinha para me contar de especial que mereceria um encontro no sábado pela manhã. Antes de me responder, meu amigo olhou para o casal presente e fez sinal para que se pronunciassem. Ambos, com sorrisos calmos e uma serenidade fora do comum, disseram que estavam ali por minha causa. De imediato, me assustei com a revelação. O que aqueles dois poderiam querer comigo? Ainda sem entender, perguntei do que se tratava. Eles se entreolharam e disseram que o segredo do qual o meu amigo iria revelar mudaria minha vida. A cada palavra e olhar a minha curiosidade aumentava. Rispidamente, pedi para que acabassem com a minha angústia.

Meu amigo então levantou, caminhou até a minha direção e disse a seguinte frase: “segue o teu caminho”, e apontou para o casal. Confuso, senti uma grande energia vinda daqueles dois. Não sei bem o que era nem como explicar, mas trazia consigo uma paz incomensurável. De repente, meu amigo deu as mãos aos visitantes e se desfez num luminescente clarão. Fiquei prostrado sem entender tudo aquilo. Será que ele queria me dar um aviso? Qual? Será que tudo aquilo foi real? Pouco importa agora. Também pensei em contar para alguém, mas quem? Quem acreditaria nisso? Prefiro guardar mais esse segredo a sete chaves até chegar a minha hora. Quem sabe no fim de tudo eu possa repassar o que vi para alguém.

Anos depois do ocorrido, eu já mais velho, contava essa história acrescentando outros detalhes, reais e imaginários, para enriquecer à narrativa. Meus netos adoravam e sempre me perguntavam se eu tinha revisto o meu amigo depois disso. Respondia-lhes que não, mas que um dia iria revê-lo com certeza. Numa bela tarde de outono, quando as folhas seguem a inércia e forram o chão das ruas, um casal aparece na minha porta. Ao vê-los, reconheço prontamente de quem se tratava. Um deles era o meu amigo. Ele então me diz que é chegada a hora e me pede para ligar para a pessoa mais especial da minha vida e dizer a ela que tem um segredo para contar-lhe. Emocionado, sem medo, nem agonia, obedeço e faço a ligação. E o segredo da vida continuou eternamente guardado.


Tem que ter H de Homem.

         Não é de hoje que meios midiáticos mostram a opressão que sofrem os grupos LGBTs. Cada vez mais amedrontados, muitos homossexuais mascaram sua própria natureza e desejos para não serem reprimidos por uma sociedade sexista que agride, espanca, humilha e , até mesmo, mata todos aqueles que se dizem diferentes.


        Em seu levantamento anual, o Grupo Gay da Bahia, em 2013, mostrou que a cada 28 horas morre um homossexual. Isto mostra que, o pensamento de Luiz Gasparetto, que diz “enfrentar preconceitos é o preço que se paga por ser diferente”, não está longe de ser verdadeiro e ganha um toque de realidade.


        Conceitos do tipo: “boneca é para menina e carro é para menino”, mostram-se enraizados nas sociedades de hoje. Isto dá passagem à intolerância que vai contra preceitos diferentes dos ditados. Um exemplo disso foi o pequeno Alex, 8 anos, brutalmente assassinado pelo pai por gostar de louça, visto que, isso é uma tarefa feminina.


        Outrossim, homofóbicos de diferentes graus, unem-se para impedir  que homossexuais mantenham relações em público, onde héteros tem tanto direito quanto.  Só para ilustrar, a Uganda promulgou uma lei que pune homossexuais com prisão, ferindo assim os direitos e a liberdade desses cidadãos.


        Portanto, a inserção de debates e palestras para crianças e adolescentes, ainda no período escolar, ajudará para a quebra de Tabus. Este método despertará o senso crítico e uma aprimorada visão de mundo para que, enquanto adultos, aprendam a conviver e a respeitar as diferenças.



Aluna: Larissa Louise Furtado de Moura
Professor: Diogo Didier

Quem sabe um dia a vida vire uma melodia, que soa aos nossos ouvidos todos os dias. 
Quem sabe a felicidade não vire rotina que momentos marcantes fiquem sempre em nossa memória.  
Quem sabe um dia possamos viver de uma maneira mais felizes. 
Que preconceitos e racismos sejam quebrados. 
Que possamos ser o que realmente queremos não o que os outros desejam .
Que as lembranças ruins sejam como uma poça de água que vem o sol seca e a leva embora. 
Que o amor possa ser o principal motivo do termino das guerras.
Que sorrisos sejam distribuídos para que não haja discórdia.  
Que paixões sejam correspondidas e valorizadas. 
Para que assim dias melhores possa vim, para nossa vida ser assim cheia de gentileza.



Na semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”.  Pensei: “roubaram a velhice”.  As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertou há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra “fotoshopada” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.

Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.

A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital. Semanas atrás, em um programa de TV, o entrevistador me perguntou sobre a morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha entendido, porque afirmou: “Você não quer morrer”. E eu insisti na resposta: “Eu quero viver a minha morte”.

Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum.  Que ninguém quer morrer, todo mundo sabe. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena.

A morte tem sido roubada de nós. E tenho tomado providências para que a minha não seja apartada de mim. A vida é incontrolável e posso morrer de repente. Mas há uma chance razoável de que eu morra numa cama e, nesse caso, tudo o que eu espero da medicina é que amenize a minha dor. Cada um sabe do tamanho de sua tragédia, então esse é apenas o meu querer, sem a pretensão de que a minha escolha seja melhor que a dos outros. Mas eu gostaria de estar consciente, sem dor e sem tubos, porque o morrer será minha última experiência vivida. Acharia frustrante perder esse derradeiro conhecimento sobre a existência humana. Minha última chance de ser curiosa.

Há uma bela expressão que precisamos resgatar, cujo autor não consegui localizar: “A morte não é o contrário da vida. A morte é o contrário do nascimento. A vida não tem contrários”. A vida, portanto, inclui a morte. Por que falo da morte aqui nesse texto? Porque a mesma lógica que nos roubou a morte sequestrou a velhice. A velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la. Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor, envelhecer é perder valor.  Os eufemismos são a expressão dessa desvalorização na linguagem.

Não, eu não sou velho. Sou idoso. Não, eu não moro num asilo. Mas numa casa de repouso. Não, eu não estou na velhice. Faço parte da melhor idade. Tenho muito medo dos eufemismos, porque eles soam bem intencionados. São os bonitinhos mas ordinários da língua.  O que fazem é arrancar o conteúdo das letras que expressam a nossa vida. Justo quando as pessoas têm mais experiências e mais o que dizer, a sociedade tenta confiná-las e esvaziá-las também no idioma.

Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas “ido”, aquele que já foi. Velho é – e está.  Alguém vê um Boris Schnaiderman, uma Fernanda Montenegro e até um Fernando Henrique Cardoso como idosos? Ou um Clint Eastwood? Não. Eles são velhos.

Idoso e palavras afins representam a domesticação da velhice pela língua, a domesticação que já se dá no lugar destinado a eles numa sociedade em que, como disse alguém, “nasce-se adolescente e morre-se adolescente”, mesmo que com 90 anos. Idosos são incômodos porque usam fraldas ou precisam de ajuda para andar. Velhos incomodam com suas ideias, mesmo que usem fraldas e precisem de ajuda para andar. Acredita-se que idosos necessitam de recreacionistas. Acredito que velhos desejam as recreacionistas. Idosos morrem de desistência, velhos morrem porque não desistiram de viver.

Basta evocar a literatura para perceber a diferença. Alguém leria um livro chamado “O idoso e o mar”?  Não. Como idoso o pescador não lutaria com aquele peixe. Imagine então essa obra-prima de Guimarães Rosa, do conto “Fita Verde no Cabelo”, submetida ao termo “idoso”: “Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam...”.

Velho é uma conquista. Idoso é uma rendição.

Como em 2012 passei a estar mais perto dos 50 do que dos 40, já começo a ouvir sobre mim mesma um outro tipo de bobagem.  O tal do “espírito jovem”. Envelhecer não é fácil. Longe disso. Ainda estou me acostumando a ser chamada de senhora sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando.  Mas se existe algo bom em envelhecer, como já disse em uma coluna anterior, é o “espírito velho”. Esse é grande.

Vem com toda a trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20 e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e tenho me batido para aceitá-los. Continua doendo bastante, mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o drama pelo humor nos comezinhos do cotidiano. Mantenho as memórias que me importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho umas cracas grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intensa e engraçada do que sou hoje.

Envelhecer o espírito é engrandecê-lo. Alargá-lo com experiências. Apalpar o tamanho cada vez maior do que não sabemos. Só somos sábios na juventude. Como disse Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”. Na velhice havemos de ser ignorantes, fascinados pelas dimensões cada vez mais superlativas do que desconhecemos e queremos buscar.  É essa a conquista. Espírito jovem? Nem tentem.
Acho que devíamos nos rebelar. E não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda chegará. Pode parecer uma besteira, mas eu cometo minha pequena subversão jamais escrevendo a palavra “idoso”, “terceira idade” e afins. Exceto, claro, se for para arrancar seus laços de fita e revelar sua indigência.

Quando chegar a minha hora, por favor, me chamem de velha. Me sentirei honrada com o reconhecimento da minha força. Sei que estou envelhecendo, testemunho essa passagem no meu corpo e, para o futuro, espero contar com um espírito cada vez mais velho para ter a coragem de encerrar minha travessia com a graça de um espanto.

Visto na: Época