A educação, no Brasil, infelizmente nunca foi vista como prioridade por aqueles que regem o leme da política nacional. Isto porque, nossos governantes, muitas vezes, navegam por águas turbulentas, onde a bussola que os orientam está direcionada para os caminhos da corrupção, do enriquecimento ilícito e, sobretudo do descaso com os problemas vividos pelo povo. Este último é perceptível com a vergonhosa condição educacional que o país ocupa se comparado a outros países de porte semelhante ao nosso. Não se trata de estatísticas infladas que tentam camuflar a real condição dos estudantes brasileiros, mas de uma análise aprofundada do caótico sistema mecanizado que não prepara, nem tão pouco forma seres pensantes, mas sim porcentagens falseadas das melhorias do ensino no país. Diante disso, o governo tenta a todo custo criar mecanismos que possam “atenuar” as gigantescas lacunas, formadas por eles, nesse setor tão importante para a construção, desenvolvimento e, sobretudo evolução intelectual da sociedade. Prova disso é a controvérsia legalização das cotas nas universidades públicas, tema que, para muitos, divide opiniões e retoma tabus ancestrais sobre o papel das políticas públicas em torno da educação e da desconstrução da discriminação no país.
Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal-STF legalizou o sistema de cotas raciais dentro das universidades públicas brasileiras. A proposta viabilizava a inclusão de estudantes negros que, por diversas razões, não ocupavam estes espaços. Depois de muita discussão, opiniões contrárias e protestos – em especial de um índio que se posicionou furiosamente contra a postura dos ministros e teve sua opinião repercutida em rede nacional, através da mídia – o STF, na figura dos ministros, finalmente aprovou o projeto que garante a inclusão de afrodescendentes em tais instituições de ensino. Na verdade, um dos argumentos utilizados por eles tem como base a dívida antagônica que a nação tem com os negros desde o período, em que eles foram forçosamente trazidos de sua terra natal para serem escravizadas em terras além mar. Os ministros entenderam que já era o momento do país reparar as falhas históricas cometidas contra esse grupo, as quais têm se perpetuado durante gerações, dificultando a ascensão intelectual e, consequentemente econômica desses indivíduos. No entanto, este argumento não foi suficiente para que a sociedade aprovasse a legalização dos negros nesses espaços, pois muitos acreditam que tal medida só ampliou as oceânicas discriminações contra esse grupo.
De um lado estão aqueles que são favoráveis às cotas baseados, não só na histórica exclusão vivida pelos negros, mas também por todo contexto social que este grupo participa hoje no cenário nacional. Mesmo que para alguns essa abertura legal seja uma estratégia de racismo controverso, não serve de pressuposto para reducionalizar a questão. Na realidade, não se trata de considerar os negros inferiores ou superiores aos brancos, mas sim uma singular tentativa de reparar um dano histórico e social que ainda se faz presente em nossa cultura e é constantemente nutrido pela mídia e por diversos outros setores da sociedade. Outra posição a favor contraria a ideia paliativa que se tem sobre as cotas. Por mais que ela seja irrefutável para ambos os lados, a parte que é a favor delas afirma que já é um grande passo na inclusão dos afrodescendentes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Tais perspectivas vão de encontro ao posicionamento de que, se há negros pobres, também há brancos e pardos em situações semelhantes. Porém, socialmente está comprovado que esta comparação é infundada, pois pesquisas a todo o momento, sobretudo aquelas relacionadas ao censo, ratificam que as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza moram em projetis habitacionais em condições desumanas; sem contato algum com saneamento básico, água tratada e alimentação sadia, e que na maioria das vezes são negros.
É impossível não reconhecer as marcas deixadas pela escravidão na sociedade atual. Mesmo com tantas campanhas de inclusão, frases de efeito contra qualquer forma de discriminação e até mesmo leis que punem severamente quem, por alguma razão, tente inferiorizar o outro por causa da sua cor de pele, nada parece exterminar o preconceito que vigora no comportamento humano. Pelo contrário, mesmo que a escravidão nos moldes antigos tenha sido extinta, hoje vivenciamos outro modelo escravista, mascarado com discursos hipócritas que tentam passar uma duvidosa intenção de que a igualdade existe e de que o preconceito racial é algo do passado, quando na verdade, dentro de muitos ainda germina a semente da intolerância, similar àquela que Hitler semeou nas mentes de toda uma nação, para justificar suas teorias alucinógenas. Assim, se as cotas raciais não são a solução para alguns, para outros – em especial para os negros e todos aqueles que se identificam com a trajetória desse grupo, elas são a porta de entrada para um país mais justo, onde as minorias que são desfavorecidas de determinados direitos, alguns até legais, poderão ter a chance de conquistar seu espaço e quem sabe no futuro mudar a realidade preconceituosa que paira sobre o Brasil.
No entanto, há aqueles que se colocam contrários às cotas raciais, sustentados em vários argumentos para embasar as suas teorias, as quais tentam justificar que a criação dessa divisão entre brancos e negros nada mais é do que um Neo-Apartheid, ou seja, uma criação moderna de segregação baseada na cor, dando privilégios a um grupo em detrimento do outro. Nessa linha de pensamento, eles também repudiam a ideia de que só existem negros pobres e que por essa razão eles não conseguem competir de forma igualitária com indivíduos brancos, merecendo então em auxílio para galgar um espaço na carreira acadêmica. Porém, os opositores alertam que da mesma forma que há negros pobres, há também brancos, índios, pardos e judeus na mesma situação. As pessoas que se posicionam contrárias às cotas contra argumentam também a tese dos ministros do STF, a qual diz que o Brasil está tentando quitar uma dívida histórica com os negros. Ora, dívida semelhante a dos negros, ou até maior, tem a sociedade mundial com os Judeus que, desde a época do Império Romano, são perseguidos, sofreram com o holocausto na 2° Guerra Mundial e ainda hoje são alvo de grupos neonazistas.
Sem desviar o foco, os que discordam da criação das cotas dizem que tal abertura só enrijece a barreira da qual os negros lutaram, e ainda lutam para destruir, a da discriminação. Ao ofertar privilégios à negritude, simplesmente baseado na cor de pele deles, muitos acreditam que isso acaba ampliando o preconceito racial tão estereotipado pela sociedade. Em outras palavras, é como se todo o esforço para igualar as “raças” tivesse sido em vão. Cotizar o ser humano, numa sociedade rica em preconceitos e cerceada pela ignorância é uma postura paradoxal que resulta no favorecimento de determinados grupos e na não inclusão de outros, o que poderia corroborar em mais atos discriminatórios e na latente difusão de preconceitos. Além disso, dar privilégios há alguns, baseados em argumentos piedosos, não salvará o país dos baixos índices educacionais. Na verdade, é só mais uma receita paliativa do governo que tenta a todo custo cicatrizar a vulcânica ferida da qualidade da educação brasileira. Dessa forma, as cotas se configuram como a real confissão de que o país não consegue encontrar maneiras plausíveis para solucionar as mazelas do ensino público, preferindo ancorar-se em medidas superficiais para tratar de um problema de raízes bem mais profundas.
Enquanto, nesse incansável dilema, o embate entre os que são contra e os que são a favor não admite um possível vencedor, nos esquecemos de focalizar no ponto chave de toda essa discussão. Este que não se limita apenas a cor de pele, nem a inferiorizar quem foi favorecido ou não pelo sistema de cotas, mas sim no evidente desinteresse governamental em criar medidas concretas para viabilizar um ensino público – da base até as universidades – comprometido com a qualificação intelectual dos alunos, formando indivíduos capazes de transformar a própria realidade e, ao mesmo tempo, capazes de elaborar estratégias decisivas para melhorar a vida dos seus condescendentes. Portanto, os negros não são culpados e nem podem ser tratados como mendigos que dependem de uma esmola para sobreviver e conseguir seu lugar ao sol. Nem tão pouco os brancos, os índios, os pardos, ou qualquer outra manifestação étnica do Brasil pode ser tratada de forma semelhante, só por discordar da postura do país em dividir a sociedade em grupos baseados na cor da pele; mesmo depois de um longo processo de tentativas de excluir de vez qualquer forma de discriminação. Na verdade, todos devem ser reunir para cobrar uma posição mais enérgica dos nossos representantes legais, no que tange a educação, pois só com um modelo educacional voltado para a construção do conhecimento é que certos "favoritismos" deixarão de ser necessários.
Querido Diogo: Acho a política de cotas raciais uma simples tentativa de tapas o sol com a peneira.
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