A
IGUALDADE PLENA só é possível se imposta por regimes autoritários. Igualdade
plena não rima com plena liberdade. A democracia não busca nem constrói a
igualdade. Ela liberta o mérito como instrumento de ascensão social: o talento
no lugar da herança. Não é um sistema de igualdade, mas de mérito. Mas a
meritocracia não é necessariamente democrática, se for excludente e não
oferecer oportunidades.
O papel
da democracia é garantir a igualdade de oportunidades e o respeito às
diferenças que surgem do uso individualizado do talento e da persistência. O
talento do atleta que se dedica por anos ao desenvolvimento de seu físico e sua
técnica; do profissional liberal que persiste por anos em seus estudos e em sua
profissão; dos artistas que insistem nos repetitivos ensaios de seus dons.
A
universidade brasileira é um caso claro de meritocracia excludente, que
seleciona as pessoas conforme sua renda. Seu aluno é escolhido pelo mérito que
lhe assegura passar no vestibular, com talento e persistência nos estudos, mas
também graças ao privilégio da distribuição desigual de oportunidades, que
evita a concorrência com o talento de milhões de excluídos, sem direito a uma
escola básica de qualidade.
Se todos
os jovens brasileiros tivessem estudado em boas escolas, com as mesmas
oportunidades, muitos dos que passaram no vestibular teriam sido
desclassificados, perdendo a proteção de escolas especiais desde a infância. É
como se houvesse dois caminhos definidos pela renda: um deles leva à
universidade, outro não.
Aqueles que têm o privilégio de acessar o caminho da universidade, no final têm que saltar o muro do vestibular, e disputar com companheiros de estrada, usando o próprio talento. Mas os que são empurrados para o outro caminho ficam impedidos de desenvolver seus talentos e de disputar o vestibular, e vão cair na vala comum dos deseducados.
Aqueles que têm o privilégio de acessar o caminho da universidade, no final têm que saltar o muro do vestibular, e disputar com companheiros de estrada, usando o próprio talento. Mas os que são empurrados para o outro caminho ficam impedidos de desenvolver seus talentos e de disputar o vestibular, e vão cair na vala comum dos deseducados.
A
democracia das oportunidades desiguais é injusta e estúpida. Injusta porque usa
seus recursos para atender diferentemente aos seus membros; estúpida porque
desperdiça o seu potencial, excluindo e desestimulando talentos. A riqueza
intelectual da universidade fica prejudicada pela exclusão de talentos não
desenvolvidos e pela acomodação diante da falta de concorrência entre todos.
Diferentemente
da universidade, que faz parte da democracia das oportunidades desiguais, o
futebol é uma atividade de oportunidades iguais. Desde cedo, toda e qualquer
criança das cidades brasileiras, desde que alimentada, tem chances iguais de
brincar com a bola em campos improvisados. É o mérito, talento e persistência
que leva alguns ao topo.
O futebol
é o setor das oportunidades iguais, por isso é eficiente (o Brasil tem tantos
craques e nenhum Prêmio Nobel), e justo (o Brasil tem tantos craques de origem
pobre e tão poucos pobres entre os cientistas). Não brincando com livros, computadores, sem escolas nem professores
valorizados, formados e dedicados, a imensa maioria de nossas crianças fica sem
oportunidades, sem possibilidade de desenvolver seu potencial.
Nossos
Prêmios Nobel morreram sem saber ler, sem aprender matemática. E sem participar
do democrático campeonato de talento e das oportunidades iguais. A democracia
se diferencia da loteria porque esta só pode beneficiar a poucos, nunca a
todos, e depende da sorte, não do mérito. A democracia é o regime das
oportunidades iguais. E a escola é o ninho onde se constrói a democracia,
oferecendo oportunidades iguais a todos.
CRISTOVAM
BUARQUE, 66, doutor em economia, é senador pelo PDT-DF. Foi reitor da
Universidade de Brasília (1985-1989), governador do Distrito Federal pelo PT
(1995-98) e ministro da Educação (2003-04). É autor, entre outras obras, de
"A Segunda Abolição" (editora Paz e Terra).
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