22 abril 2011

Entrevista de Zezé Motta à Folha Universal "Orgulho Negro"‏

A atriz Zezé Motta, de 62 anos, se considera uma “cantriz”, misto de cantora e atriz. Com 44 anos de carreira, ela é uma das poucas artistas brasileiras com mais de 50 filmes e mais de 35 telenovelas no currículo.Ao mesmo tempo, ela já gravou oito álbuns como cantora e agora está lançando um CD em homenagem aos compositores Luiz Melodia e Jards Macalé. Famosa como protagonista do filme “Xica da Silva”, dirigido por Cacá Diegues, em 1976, ela participou de célebres espetáculos teatrais como “Roda Viva”, de 1967. Atualmente, Zezé Motta é a Dadá, da novela “Rebelde”, da “Rede Record”.


1 – Como está sendo sua participação em “Rebelde”?
Minha personagem se chama Dadá, é casada com o Alceu, interpretado por Antonio Pompeu, amigo querido, e tem três filhos.O que me dá muita alegria nesse trabalho é que já existe essa preocupação dos personagens negros terem uma família, um núcleo, o que não acontecia no início da minha carreira.Fico emocionada quando vejo que valeu a pena brigarmos por isso e percebo que em todas as telenovelas os personagens negros não estão mais tão marginalizados.

2 – A forma como os negros são retratados está mudando?
Devagarzinho, mas está, porque houve muita cobrança e questionamento por parte do movimento negro e dos próprios atores negros.“Até quando, a gente vai ficar só abrindo e fechando porta, e servindo cafezinho?” Eu fiz um curso de arte dramática no Tablado, fui aluna da dramaturga Maria Clara Machado e só me chamam para servir café?! Felizmente,está mudando.

3 – Mas não adianta só haver atores negros e não autores e diretores?
A gente ainda tem muito chão pela frente.Eu acho que falta espaço para o autor, o diretor e o escritor negro. Não sei se falta empenho dos próprios de batalhar por essa carreira, ou se é dificuldade de conseguir espaço. O Milton Gonçalves é um excelente diretor, só que o último trabalho dele nessa função foi “A Escrava Isaura”. Mas a luta continua.

4 – Qual foi a importância do filme “Xica da Silva”, do Cacá Diegues?
“Xica da Silva” foi um divisor de águas na minha vida, porque eu não era conhecida e o filme me tornou popular não só no Brasil, mas no mundo. Quando eu passei no teste para o filme, saiu numa revista: “Quem passou no teste para fazer ‘Xica da Silva’ é feia, porém exuberante.” E eu olhava para a foto de uma revista chiquérrima, assinada pelo Antonio Guerreiro e me achava tão bonita. Mas aí, por conta da coisa sensual, eu e Sônia Braga, que, naquele ano estourou com o filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, viramos símbolos sexuais.

5 – Você se incomodou de virar símbolo sexual?
Pessoalmente, não acrescentou nada, mas,enquanto militante, eu gostei, porque, nessa época, não se dava capa de revista para negro e japonês, que eram considerados de etnias feias.Não eram os bonitos. E capa de revista tem que vender. A partir do momento em que eu fiz sucesso com o filme e virei símbolo sexual,eu passei a aparecer em capa de revista.

6 – É verdade que você foi vetada na capa de uma revista por ser negra?
Uma vez eu pedi para um amigo que trabalhava na editora Bloch para fazer fotonovela e ele me disse que não estava autorizado a contratar atores negros. Eu fiquei chocada. Depois, eu fui convidada para sair na capa de uma revista,mas até ela ser aprovada, houve grande discussão,pois alegavam que não venderia. Eu soube que na época não davam capa para negro e japonês, pois achavam que nós fazíamos parte do grupo de pessoas feias. Mas a capa saiu, comigo bem sensual, e esgotou na primeira semana.

7 – Como foi ser a primeira protagonista negra do cinema brasileiro?
É motivo de orgulho. Claro meu coração ficou em festa. E a Xica da Silva dá sorte. Ela mudou também a vida da Taís (Araújo, que a interpretou numa novela exibida em 1996). Quando começaram a me chamar de Xica da Silva na rua, aquilo me incomodou,porque queria imprimir o meu nome, mas depois descobri que ela é minha fada madrinha.E depois fiquei feliz de ser chamada para fazer a mãe da Xica. Acho que é inédito, uma atriz fazer a personagem e depois a mãe dela.

8 – Qual é a importância do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN)?
Após “Xica da Silva”, descobri que,quando se fazia algo sobre escravidão na televisão,apareciam vários atores negros, mas depois eles sumiam. E se eu estivesse numa novela, não tinha espaço para a Neusa Borges.E se a Ruth de Souza estivesse atuando,não havia espaço para a Chica Xavier. Havia apenas um ou dois negros em cada novela. Então comecei a cobrar dos diretores e produtores a razão para essa quase invisibilidade e descobri que os atores negros viviam desempregados e não tinham sequer dinheiro para fazer um book do trabalho. Então criei um banco de dados dos atores negros,que resultou numa página na internet. E,hoje, quando se faz cinema, televisão ou teatro e há alguma dúvida sobre atores negros,o site do CIDAN é consultado.

9 – Você diz que é uma “cantriz”?
Foi um crítico que inventou essa expressão.Eu adorei e, inclusive, na ficha de hotel, eu sempre coloco cantriz. Eu me sinto em estado de graça quando estou representando.Mas se me dizessem:“Tem que escolher.”Eu escolheria a música. Cantar é bom demais.

10 – O seu sonho é ter uma música na trilha sonora de uma novela?
A trilha sonora de novela tem muita força e, ainda hoje, depois desses anos todos de carreira, eu ouço de vez em quando: “Não sabia que você era cantora também.” Isso me dá uma frustração. Com uma música na novela,o Brasil inteiro ficaria sabendo que eu canto,mas é um delírio da minha parte.

Por Guilherme Bryan

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