"É inegável o sucesso que o
passinho dos malokas tem feito nas comunidades recifenses e se expandido para
tantas outras do país. Em tese, o que sustenta a empolgação desses jovens
emparedados parece a "novidade" de ter um grupo dançando
sincronizadamente ao ritmo de algum hit musical do momento. Entretanto, quando
visto de perto, não só percebemos a falta de inovação que há nesse fenômeno
atual das periferias brasileiras, como resgatamos questões ligadas às
incoerências sociais as quais insistimos em negar, mas que as expressões
artísticas como esta são infalíveis em nos desmascarar.
Sim, antes de lançar um olhar avesso
sobre a questão, é preciso aceitar o fato de que o brega se tornou expressão
cultural pernambucana. Logo, o passinho dos malokas entra nesse bojo. Porém, se
a expressividade é positiva ou negativa, isso dependerá da análise dos
elementos em questão. A priori, não me deterei nestes pólos, mas em seu
expoente: a sociedade. Como se sabe, o avanço do ultraconservadorismo no Brasil
tem impedido discussões caras à população, sobretudo no que se refere aos
dilemas da sexualidade humana. Há uma legião de bem feitores da moral e bons
costumes repudiando projetos importantes no congresso ou fechando exposições de
arte consideradas impróprias para o público infanto-juvenil.
Contudo, à revelia da censura, a
cultura mainstream vêm há anos mostrando o quão ineficientes são as tentativas
de imacular o povo, sobretudo os mais jovens, daquele assunto. Como disse
antes, o passinho dos malokas não tem nada de novo. A ideia de padronizar-se
para dançar na cadência de um estilo musical em ascensão é antigo. Temos como
exemplo a Lambada nos anos 80 e suas saias rodadas; o axé music e sua
sensualidade baiana, que ganhou destaque com grupos como o É o Tchan; chegando
na virada do século com o boom do funk carioca. O passinho dos malokas tem
muito em comum com todos estes estilos: trata-se de uma forma de expressão
musical nascida nas periferias, por isso marginalizada, indiscutivelmente
erotizada, com letras sem nenhum pudor e passos que exaltam o sexo
descompromissado, objetificação feminina; além de símbolos ostentosos da
periferia como roupas de marca, uso de drogas, armas e dinheiro fácil.
Ou seja, a mesma sociedade que se
coloca contra o sexo precoce, gravidez na adolescência, uso de camisinha,
vacinação contra HPV, discussão sobre sexo em casa e, sobretudo nas escolas, é
a mesma que se rejubila com seus rebentos dando umbigadas e quicadas imitando claramente
uma cópula sexual. Ocorre que, sem perceber, pregamos um discurso e
hipocritamente toleramos outro. Então, a arte tende a se aproveitar dessas
brechas para minar nossas incoerências, mesmo que se utilize de expressões
artísticas pouco privilegiadas. E, assim, cada vez mais uniformizados, vamos
nos perdendo no labirinto criado para nos afastar do fato de que só uma
discussão sensata sobre a sexualidade humana impedirá meninos e meninas de
serem sexualizados por uma sociedade a qual prefere erotizar seus jovens a ter
que prepará-los saudavelmente para uma vida sexual plena.
O que incluiria uma educação menos
conservadora e mais antenada ao que a juventude anseia. Enquanto isso, o
passinho dos malokas ganha cada vez mais adeptos, os quais encontram nesse
estilo a forma de manifestarem seus impulsos sociais mais primitivos. A arte,
por sua vez, serve de catalisador para esse fenômeno, mesmo que navegue por
águas turvas, até levar-nos à margem são e salvos. Seja como for, há muita
transgressão em jogo, muita rebeldia e doses cavalares de hipocrisia.
Viva o nosso passinho!"