28 março 2019



"É inegável o sucesso que o passinho dos malokas tem feito nas comunidades recifenses e se expandido para tantas outras do país. Em tese, o que sustenta a empolgação desses jovens emparedados parece a "novidade" de ter um grupo dançando sincronizadamente ao ritmo de algum hit musical do momento. Entretanto, quando visto de perto, não só percebemos a falta de inovação que há nesse fenômeno atual das periferias brasileiras, como resgatamos questões ligadas às incoerências sociais as quais insistimos em negar, mas que as expressões artísticas como esta são infalíveis em nos desmascarar.
Sim, antes de lançar um olhar avesso sobre a questão, é preciso aceitar o fato de que o brega se tornou expressão cultural pernambucana. Logo, o passinho dos malokas entra nesse bojo. Porém, se a expressividade é positiva ou negativa, isso dependerá da análise dos elementos em questão. A priori, não me deterei nestes pólos, mas em seu expoente: a sociedade. Como se sabe, o avanço do ultraconservadorismo no Brasil tem impedido discussões caras à população, sobretudo no que se refere aos dilemas da sexualidade humana. Há uma legião de bem feitores da moral e bons costumes repudiando projetos importantes no congresso ou fechando exposições de arte consideradas impróprias para o público infanto-juvenil.
Contudo, à revelia da censura, a cultura mainstream vêm há anos mostrando o quão ineficientes são as tentativas de imacular o povo, sobretudo os mais jovens, daquele assunto. Como disse antes, o passinho dos malokas não tem nada de novo. A ideia de padronizar-se para dançar na cadência de um estilo musical em ascensão é antigo. Temos como exemplo a Lambada nos anos 80 e suas saias rodadas; o axé music e sua sensualidade baiana, que ganhou destaque com grupos como o É o Tchan; chegando na virada do século com o boom do funk carioca. O passinho dos malokas tem muito em comum com todos estes estilos: trata-se de uma forma de expressão musical nascida nas periferias, por isso marginalizada, indiscutivelmente erotizada, com letras sem nenhum pudor e passos que exaltam o sexo descompromissado, objetificação feminina; além de símbolos ostentosos da periferia como roupas de marca, uso de drogas, armas e dinheiro fácil.
Ou seja, a mesma sociedade que se coloca contra o sexo precoce, gravidez na adolescência, uso de camisinha, vacinação contra HPV, discussão sobre sexo em casa e, sobretudo nas escolas, é a mesma que se rejubila com seus rebentos dando umbigadas e quicadas imitando claramente uma cópula sexual. Ocorre que, sem perceber, pregamos um discurso e hipocritamente toleramos outro. Então, a arte tende a se aproveitar dessas brechas para minar nossas incoerências, mesmo que se utilize de expressões artísticas pouco privilegiadas. E, assim, cada vez mais uniformizados, vamos nos perdendo no labirinto criado para nos afastar do fato de que só uma discussão sensata sobre a sexualidade humana impedirá meninos e meninas de serem sexualizados por uma sociedade a qual prefere erotizar seus jovens a ter que prepará-los saudavelmente para uma vida sexual plena.
O que incluiria uma educação menos conservadora e mais antenada ao que a juventude anseia. Enquanto isso, o passinho dos malokas ganha cada vez mais adeptos, os quais encontram nesse estilo a forma de manifestarem seus impulsos sociais mais primitivos. A arte, por sua vez, serve de catalisador para esse fenômeno, mesmo que navegue por águas turvas, até levar-nos à margem são e salvos. Seja como for, há muita transgressão em jogo, muita rebeldia e doses cavalares de hipocrisia.
Viva o nosso passinho!"


"É no icônico Asilo Arkham que os criminalmente insanos são internados, enquanto o Batman tenta arduamente livrar a cidade de Gotham City da bandidagem. Coringa é um desses criminosos, que frequentemente escapa daquele hospital psiquiátrico para aterrorizar àquela metrópole. Guardada as devidas proporções, Bolsonaro encarna bem esse vilão, pois, embora não tenha sido preso (ainda), mostra claramente não está de posse de todas as suas faculdades mentais. Enquanto isso, a sociedade tem servido de experimento para as suas lunáticas decisões, o que é passível de um estudo mais aprofundado.
Certa vez li que determinados estágios de loucura nem sempre são passíveis de internação. Há casos nos quais a mera observação do indivíduo é o suficiente para traçar mecanismos de tratamento eficazes. Entretanto, no caso de Bolsonaro internar não é suficiente, é preciso interditá-lo. O presidente eleito por um discurso enlouquecido pelas fale news não para de demonstrar sintomas claros da sua sandice, que por sinal tem se tornado coletiva. Após o tosco episódio do golden shower e da bajulação deslavada ao seu correlato Trump, agora o mentecapto regente do Brasil trata de permitir a comemoração de um dos episódios mais vergonhosos da história do país, o Golpe Militar que deu início a Ditadura no Brasil.
Para os desmemoriados, este período foi o responsável pela tortura, expulsão e morte de centenas de pessoas do Brasil, além de impor um regime ditatorial aos que aqui ficaram. Mesmo diante dessas verdades históricas, o insano presidente desta nação determina as "devidas comemorações" ao ano de 1964, ignorando as vítimas desse período ao passo que exalta seus algozes. Só uma mente delirante é capaz de tratar como natural acontecimentos desta estirpe. Na verdade, o desequilíbrio desse ser humano tem demonstrado que a loucura pode ser viral. Por causa dele há uma inegável perseguição a intelectualidade, às pesquisas científicas e todo o saber crítico que ouse confrontar os "sábios" do WhatsApp bem como os "pensadores" do Facebook.
Nestas plataformas, o discurso temerário é o único possível, pois reproduz os treslocados modos desse presidente que conseguiu a proeza de colocar a ignorância a frente da sabedoria. Nesta inversão de valores, as falácias presidenciais querem ressignificar positivamente um dos períodos mais nefastos da memória nacional. Com um eleitorado que sequer legitima as fontes históricas, e que está mais preocupado em militarizar as escolas (em nome de Deus, claro!) do que estruturá-las com a livre expressão do pensamento, esse desatino de Bolsonaro passará despercebido. Porém, para os poucos ainda sãos, não será tão simples impor uma lógica desvairada sobre a sociedade sem uma análise patológica das ações.
Em boa medida, precisamos fazer uma grande terapia de grupo com Brasil, transformando-o em um consultório a céu aberto para conseguir tratar o avanço da irracionalidade proporcionado da presidência às residências do país. Antes, é preciso encarar certas verdades: o Brasil é a transfiguração da Gotham City. Hordas e hordas de criminosos, corrupção, discrepância social e uma crescente onda de loucura. Temos até o nosso Coringa tão ou mais louco que o dos quadrinhos. Falta o nosso Batman, ou pelo menos um excelente psiquiatra para, se não internar, receitar algo para a perturbada mentalidade do nosso presidente e dos contaminados por ele."


Estamos consternados com o massacre numa escola pública em São Paulo, onde funcionários e alunos foram barbaramente assassinados. Enquanto as investigações não apuram as motivações para avassaladora violência, é preciso concatenar os pontos que antecedem essa tragédia. Numa sociedade que enaltece tudo o que é de fora, sobretudo dos nossos conterrâneos estadunidenses, não é surpresa importar também suas calamidades. O bullying é um desses estrangeirismos que, com os dilemas nacionais, ganhou outras conotações. Na rede ele já recebe o nome de cyberbullying, fazendo vítimas para além dos muros escolares. Graças a isso, em 2011 houve o massacre em Realengo.
Nessa mesma linha de apropriação, passamos a "flexibilizar" o porte de armas, numa reprodução macaqueada dos moldes Americanos de ser. Como se não fosse o bastante, temos a versão fajuta do Donald Trump na nossa presidência, um sujeito despreparado, tosco e irascível incitando o povo através do medo a acatar suas asneiras. Por causa dele e seu dedinho apontado, nossa sociedade abriu às portas para o ódio. Seu projeto de governo, uma paródia do Trump, prefere armar a população do que humanizá-la por meio de uma educação segura, não apenas do ponto de vista estrutural, mas sobretudo no que diz respeito a livre expressão do pensamento.
Do contrário, o governo perde tempo com projetos como Escola Sem Partido, querendo permitir que a família tenha a liberdade de educar seus filhos em casa, ou criando uma comissão para retirar as "ideologias" do Enem; a ter que encarar com maturidade e sabedoria os problemas ancestrais da educação brasileira. Além disso, a carnificina em Suzano deixa claro como as tragédias no Brasil passaram a ser corriqueiras devido a política de remediar em detrimento de práticas preventivas. Ao usar o porte de arma como estratégia de campanha, frente a uma sociedade notoriamente insegura, o governo não estava pensando em resolver em definitivo o problema da violência, mas em ganhar louros em cima dela. Funcionou. Elegeram aquele que impediria que infortúnios como o de Suzano acontecessem.
O problema é que a violência no Brasil está à revelia de qualquer "mito". O fato é que somos uma das nações mais violentas do mundo, onde se mata tanto quanto às guerras travadas entre os EUA e o Oriente Médio. Entretanto, seguimos reproduzindo um modelo social que não é nosso, o qual tem escancarado a sua ineficiência todos os dias. As mortes em Suzano evidenciam isso, mas não se encerram aí. O simulacro Americano à brasileira está também no avanço do conservadorismo religioso na política; na perseguição policial às pessoas negras resultando no extermínio da negritude do país; no assassinato e/ou exílio dos nossos militantes; na aversão aos imigrantes; na deturpação da imagem dos adversários políticos por meio das fake news; na destruição legal da natureza em prol do progresso econômico de uma parcela elitista da sociedade; e agora importamos também atentados a bala a escolas; estas que estão sendo bombardeadas de absurdos desde que o nosso "Trump" assumiu o poder.
É lamentável saber que tudo isso poderia ter sido evitado se não houvesse essa exaltação ao faroeste da presidência à população, nitidamente alienada pelo primeiro. Em meio ao choque da chacina em São Paulo, o Ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli, disse uma frase um tanto quanto ingênua. Em suas palavras "Não podemos aceitar que o ódio entre em nossa sociedade." Porém, ele não apenas entrou como já fez morada. É preciso expulsá-lo por meio de um projeto político pedagógico voltado, antes de tudo, a civilização dos cidadãos brasileiros. Do contrário, seguiremos plagiando os EUA e assistindo pela televisão nosso futuro sendo literalmente fuzilado por um Brasil que está violentamente se americanizando."


"Apesar de conhecer a simbologia que o termo "sexo frágil" carrega ao longo da história, nunca pensei que ele poderia portar outra conotação para além daquela que inferiorizou as mulheres por tanto tempo. Essa é uma das novidades dos tempos nefastos de agora, a capacidade inventiva de atribuir conceitos piores ao que já era ruim. Isto porque, em plena comemoração do dia Internacional da Mulher, o sexo continua sendo frágil, não apenas o delas, mas o de todos. Nunca se fragilizou tanto este assunto quanto no modelo inquisitorial que governa o Brasil de hoje.
Saímos da seara do tabu e estamos rapidamente adentrando às cercanias da proibição. A presidência censura qualquer tentativa salutar de discutir questões ligadas a sexo, sexualidade, gênero e identidade, demonizando estes temas nos lares brasileiros onde pouco se problematiza tais pautas. Setores ultraconservadores religiosos aproveitam a deixa presidencial para coagir a sociedade leiga a tratar com mais recato àqueles pontos, ignorando eixos transversais de cunho científico comprovadamente estudados. Na fogueira de vaidades em torno disso, quem está sendo levado às chamas são os jovens.
Já nas escolas, temáticas ligadas a feminismo e machismo são vistas como ideologias, não como problemáticas emergenciais para minar as inúmeras violências sexistas que assolam o país. O "Kit gay" é inventado para causar mais polêmica entre os ignorantes, alavancando a escalada do conservadorismo na política. Além disso, tratar de DSTs e gravidezes indesejadas também é um risco, já que os jovens não podem ter acesso a conteúdos didáticos que mostrem como por uma camisinha e quais são as partes que compõem uma vagina; na recente remoção da Caderneta Saúde do Adolescente.
Enquanto de um lado o governo tenta inutilmente enfraquecer o debate sexual, na outra margem do rio a cultura mainstream segue sexualizando a juventude por meio da mídia, da moda e da música. Meninas são retalhadas em bundas e peitos para atender aos anseios machistas da sociedade que corporifica seus corpos, mas não as ensina devidamente sobre prevenção e a autonomia do prazer sexual. Assim como elas, os meninos também são incitados a iniciar precocemente na vida do sexo sem quaisquer responsabilidades com o próprio corpo e o do outrem. Ou seja, impedir que a juventude tenha contato com o sexo é praticamente impossível.
Nossa sociedade cheira a sexo. O erotismo é a mercadoria mais barata do mercado. Logo, não seria mais lógico atribuir valor a esse produto para que os mais jovens entendessem a importância que há por trás do ato sexual? Ao contrário da censura, que é inútil na era da internet, por que não tratar com mais naturalidade a questão, esvaindo do discurso a visão pecaminosa que resiste em torno do sexo? Será mesmo que evitar mostrar pênis e vaginas na adolescência, bem como suas funcionalidades, é o caminho mais acertado para construir uma vida sexual plena? Quais são os reais temores governamentais por trás dessa perseguição ao orgasmo?
Antes, é preciso lembrar que sexo é conhecimento de si mesmo e do outro. Decerto, as pessoas que têm uma vida sexual bem resolvida tratam com mais naturalidade as variações em torno deste campo. Porém, quando fragilizado sexualmente, o indivíduo entra na paranóia hipócrita que resume o coito a dois à procriação, numa visão medieval sobre o prazer humano. Aí vem preconceito, céu, inferno, pode, não pode, etc, etc, etc. É raso, é tosco, é ineficaz. Logo, neste dia Internacional da Mulher, para além das merecidas homenagens, vamos fortalecer nosso sexo, exaltar todas as sexualidades, legitimar as identidades sexuais, extirpando mais essa visão pejorativa sobre o "sexo frágil." Se for para fragilizar, que façamos isso com a política. Lá está a parte denotativamente mal resolvida do país. O sexo frágil está na presidência."


"Dizer que uma escola de samba sambou na cara da sociedade é um trocadilho que merece ter seu pleonasmo perdoado. A transgressão na linguagem aqui está a serviço de algo maior. A Estação Primeira de Mangueira trouxe para a avenida um enredo certeiro: "A História que a História não Conta", do carnavalesco Leandro Vieira. Numa época de apagamento e deturpação dos registros históricos - como ocorreu com o "incêndio" ao Museu Nacional e os ecos ignorantes em torno da volta à Ditadura Militar - é magnífico exaltar através do carnaval a verdadeira história do Brasil.
Dessa vez, a perspectiva era dar voz aos historicamente emudecidos: índios, negros e pobres. As maiores minorias do país ganharam a merecida representatividade frente a esse governo escatológico (o twitter está aí de testemunha), que tenta minar a arte, cultura e a educação do seu fazer crítico e reflexivo. Inclusive, antes do sambódromo sambar na face do preconceito, as ruas já traziam sua insatisfação ao atual governo branco, elitista e agrário, por meio dos blocos que bradavam: "Bolsonaro é o CARALHO!". Na avenida do samba, tão eficiente quanto às ruas, a Mangueira trouxe fundamentação à crítica dos poucos pensantes que ainda restam na nação.
O carnavalesco consultou escassas fontes históricas para trazer ao sambódromo o Brasil que muitos de nós desconhece e que a direita ultraconservadora luta para que seja esquecido. Para além do "Agro é tec, Agro é pop, Agro é tudo", a mangueira começa seu desfile dizendo que a nação é dos índios, e que a intervenção europeia deturpou a imagem desses brasileiros ao ponto de acharmos natural o seu massacre de outrora e de agora. Para contar a história negra, ícones emblemáticos como O Navio Negreiro, Dandara e o quilombo de Zumbi dos Palmares foram enaltecidos. A pobreza desfila decorrente de todo o legado deixado pela exclusão dos indígenas e da negritude, renegando-os aos guetos e a morte iminente.
Mulheres incríveis também foram citadas como Zuzu Angel e Marielle Franco. Aliás, na comissão de frente, a Mangueira já trazia o tom do lacre que estava por vir, ao retratar a pequenez dos pseudos heróis nacionais frente a agigantada história indígena e negra no Brasil, tão pouco difundidas. A faixa escrito "PRESENTE" em letras garrafais não se tratava apenas de uma menção a Marielle. Era um aviso aos ditadores de plantão que subliminarmente devia ser lida como: "ESTAMOS AQUI!". E estamos mesmo! Nossa posição na corda não está mais no lado mais fraco, e a Estação Primeira confirma isso ao desconstruir as mentiras sobre o povo que construiu o Brasil.
De salto quinze, a Mangueira recria a bandeira nacional trazendo as palavras de ordem mais emergenciais do momento: Índios, Negros e Pobres nas cores verde e rosa, já que o verde, amarelo, azul e branco não representam nossa pátria como um todo. Foram tantos pisões na avenida do samba que o espectador mais atento ficou facilmente sem fôlego. Foi um desfile, antes de tudo, corajoso nesta era de covardia e dissonância nos discursos. Uma prova de que a arte pode, e deve, ser um instrumento contra a tirania do preconceito, bem como o avanço da irreflexão na sociedade.
Porém, mais que isso, um recado as sandices políticas que tentam apagar a história de uma nação marcada pela intolerância. A Mangueira pisoteou a cara de muitos destes canalhas que se apossaram do poder e querem reescrever a história através do medo. Que outras escolas de samba, mídias televisivas, artistas em geral, aproveitem esse embalo e façam artes engajadas em denunciar as mentiras que nos ensinaram como verdades. Sambar na cara da sociedade apenas no carnaval é insuficiente. Precisamos sambar também o ano todo. A Mangueira fez a sua parte, falta você."


"Numa das lendas medievais mais difundidas do planeta, o rei Arthur consagra-se perante os outros cavaleiros ao ser capaz de retirar uma espada de uma rocha, transformando-se no rei da Bretanha. Questões ligadas a honra, virtude e respeito norteiam esta narrativa literária-histórica, permeada de ritos celtas e interferências cristãs à época. Fora do mito cavalheiresco, pouco restou de honradez, empatia e respeito no desvirtuoso reinado de ódio que impera no Brasil. Pelo contrário, hoje os nossos combatentes são sadicamente ofendidos por um discurso doentio que vem polarizando o país entre militares e "comunistas".
Sem haver espaço para mediação e diálogo, assistimos aterrorizados o ataque desumano a morte do pequeno Arthur, neto do ex-presidente do Brasil, Lula. Ao atacarem covardemente a morte desse inocente, percebemos, (ou pelo menos deveríamos), entender o agravamento da barbárie que tem assolado a sociedade. Não há mais espaço para condolências, pêsames, ou qualquer tentativa de enlutar, se a vítima for do lado "inimigo". Nem a morte de uma criança cessa a fúria da intolerância. Lembro-me que quando o atual presidente da república levou uma facada num comício, eu fui um dos poucos que viu o lado humano daquela situação, mesmo tendo profundas reservas com o dito cujo.
Isto porque, quando há ações que acometem o nosso corpo debilitando-nos, é preciso dar uma trégua no embate político para que aquele indivíduo possa se restabelecer para continuar na luta. Claro, quando há o mínimo de caráter envolvido na questão. Porém, no país dos dedos engatilhados em forma de arma caso o adversário esteja desarmado, ferido ou morto é preciso assegurar a sua derrota com mais crueldade; atitudes que vão desde comentários animalescos exaltando a brutalidade, a não percepção do quão selvagem se tornou esta nação. Não nos compadecemos com as dores alheias faz tempo, mas agora avançamos para algo bem mais atroz: estamos nos regojizando com as tragédias alheias, que podem ser nossas, e são. É inegável que tamanha apatia é oriunda das marcas históricas que nos feriram neste Brasil de violências mil.
Contudo, o revanchismo que tem se criado, sobretudo dentro das redes sociais, não perdoa mais ninguém. Às vezes tenho a impressão que muitas pessoas pararam de pensar e vivem vegetando no universo. São zumbis programados para levar outras pessoas a morte. Qualquer tentativa de reflexão é mimimi; questionar transformou-se em defesa de bandidos; problematizar é coisa de comunista; os direitos humanos só servem para proteger marginais... E nesta neura a espada que poderia ser alçada para salvar o Brasil do caos iminente vai sendo enfiada cada vez mais goela abaixo. A hostilidade em torno da morte de Arthur é uma prova disso, mas não se encerra aí.
Esta na perseguição aos direitos indígenas; na deturpação da imagem das feministas; no silenciamento e extermínio dos militantes (vide Jean Wyllys e Marielle Franco); na censura implantada nas escolas; no impedimento das discussões de gênero e sexualidade; na exaltação de setores ultraconservadores religiosos em detrimento da laicidade do país; na manipulação pública através do medo. Tudo isso despertou o que há de odioso em nós: o desamor. Com a legitimação do atual governo, veremos mais episódios dantescos ganharem ares de normalidade e muitos assistirão reticentes a escalada do horror. Eu, todavia, faço parte do lado oposto.
Enquanto houver discernimento, estarei no campo de batalha com os outros muitos cavaleiros, erguendo a minha espada em prol dos meus, que ainda são negligenciados por uma política inegavelmente omissa. Estarei com Arthur, Marielle e Jean. Mesmo que o fronte de batalha sofra perdas, outros muitos cavaleiros (e não soldados), sairão em defesa da quase extinta democracia nacional. Ao nosso Arthur brasileiro, minhas desculpas em nome da vergonhosa e inescrupulosa mentalidade do país de hoje. Descanse em paz e emane inocência de onde estiver para abrandar os corações dessa nação obscurecida de mentiras e falsas promessas. E saiba, Arthur, em sua homenagem, e de todos que penam para existir nesta pátria, vamos tirar esta espada fincada no Brasil."


Cantei o Hino Nacional e o de Pernambuco durante todo o meu período de alfabetização. Apesar de repetitivo e pouco problematizado, era divertido cumprir esse ritual na infância. Mesmo inconsciente disso, a cerimônia de hastear a bandeira e bradar os versos brasileiros guardava em si uma esperança patriótica, um sopro de possibilidades para um futuro sempre incerto. O presente chegou e com ele a atrofia mental, fruto de um dos golpes de estado mais bem sucedidos da história desse país.
Nesta mudança brusca de governo, que resvalou na mutação da mentalidade social, os símbolos identitários nacionais estão sendo "resgatados" a serviço da alienação populacional. Além dos eventos futebolísticos, que impõem um pseudo nacionalismo, a política quer usar das mesmas artimanhas para impor seu regime disfarçado de verde e amarelo. A intenção de sugerir que escolas cantem o hino do país, perfilando professores e alunos, mesmo que não tenha declarado a obrigatoriedade do ato, mostra os interesses escusos de um projeto de governo incoerente, despreparado e antipatriótico.
Isto deixa nítido a incongruência do projeto "Escola sem Partido", o desconhecimento da pluralidade e livre expressão do pensamento das escolas bem como da formação educacional e o rompimento das alianças democráticas, o que é imprescindível para se fundamentar as bases patrícias de uma nação. Para compor o festival de chorume proferido por esse "novo" governo, a "sugestão" do Ministro da Educação ainda pedia para que, após cantar o hino, as escolas mencionassem o slogan presidencial: "Deus acima de tudo, Brasil acima de todos." Onde fica a liberdade de credo prevista na Constituição? De que Brasil a assertiva anterior está se referindo? 
É ultrajante, uma afronta a mínima inteligência que se pretende ser humana. É um achincalhe a criticidade, cada vez mais perseguida e deturpada para ignorância que ganhou posse em nosso país. Mais uma vez a escola volta a ser o alvo desses calhordas. Não é à toa. Numa sociedade cega, iletrada, ludibriada pelas redes sociais e abandonada há anos pelo governo, resta desestruturá-la também pelo pensamento para ter o controle absoluto da pátria. Com o aval de outros muitos imbecis, o plano de conversão tem dado passos largos. Porém, haverá resistência. Não será tão simples encobrir estratagemas políticos daqueles que não foram fisgados pelo discurso de barbárie travestido de pacificador.
Então, apesar de não levada a sério pelos políticos, não pensem que a educação está abandonada por completo. Há muitos profissionais, pais, e alunos comprometidos com um ensino vanguardista, e que não caem facilmente nessas artimanhas. A escola precisa continuar tendo a autonomia para realizar suas atividades pedagógicas, sobretudo aquelas que contemplem o país como um todo: respeitando sua pluralidade de raças, crenças, sexualidades, opiniões, posições políticas, respeito aos Direitos Humanos e, sobretudo, valorização do saber crítico.
Antes de injetar um slogan político nas manhãs escolares, é preciso investir mais em educação; ampliar os valores míseros pagos aos professores; construir escolas de qualidade; acompanhar, de fato, o aprendizado desse aluno, colocando a educação no epicentro da política nacional. Após ultrapassar essas etapas, precisamos ressignificar nosso nacionalismo para que todos se sintam parte dessa nação. Até lá qualquer "sugestão" patriótica soará contraproducente.