28 março 2019

O PROBLEMA NÃO É O HINO



Cantei o Hino Nacional e o de Pernambuco durante todo o meu período de alfabetização. Apesar de repetitivo e pouco problematizado, era divertido cumprir esse ritual na infância. Mesmo inconsciente disso, a cerimônia de hastear a bandeira e bradar os versos brasileiros guardava em si uma esperança patriótica, um sopro de possibilidades para um futuro sempre incerto. O presente chegou e com ele a atrofia mental, fruto de um dos golpes de estado mais bem sucedidos da história desse país.
Nesta mudança brusca de governo, que resvalou na mutação da mentalidade social, os símbolos identitários nacionais estão sendo "resgatados" a serviço da alienação populacional. Além dos eventos futebolísticos, que impõem um pseudo nacionalismo, a política quer usar das mesmas artimanhas para impor seu regime disfarçado de verde e amarelo. A intenção de sugerir que escolas cantem o hino do país, perfilando professores e alunos, mesmo que não tenha declarado a obrigatoriedade do ato, mostra os interesses escusos de um projeto de governo incoerente, despreparado e antipatriótico.
Isto deixa nítido a incongruência do projeto "Escola sem Partido", o desconhecimento da pluralidade e livre expressão do pensamento das escolas bem como da formação educacional e o rompimento das alianças democráticas, o que é imprescindível para se fundamentar as bases patrícias de uma nação. Para compor o festival de chorume proferido por esse "novo" governo, a "sugestão" do Ministro da Educação ainda pedia para que, após cantar o hino, as escolas mencionassem o slogan presidencial: "Deus acima de tudo, Brasil acima de todos." Onde fica a liberdade de credo prevista na Constituição? De que Brasil a assertiva anterior está se referindo? 
É ultrajante, uma afronta a mínima inteligência que se pretende ser humana. É um achincalhe a criticidade, cada vez mais perseguida e deturpada para ignorância que ganhou posse em nosso país. Mais uma vez a escola volta a ser o alvo desses calhordas. Não é à toa. Numa sociedade cega, iletrada, ludibriada pelas redes sociais e abandonada há anos pelo governo, resta desestruturá-la também pelo pensamento para ter o controle absoluto da pátria. Com o aval de outros muitos imbecis, o plano de conversão tem dado passos largos. Porém, haverá resistência. Não será tão simples encobrir estratagemas políticos daqueles que não foram fisgados pelo discurso de barbárie travestido de pacificador.
Então, apesar de não levada a sério pelos políticos, não pensem que a educação está abandonada por completo. Há muitos profissionais, pais, e alunos comprometidos com um ensino vanguardista, e que não caem facilmente nessas artimanhas. A escola precisa continuar tendo a autonomia para realizar suas atividades pedagógicas, sobretudo aquelas que contemplem o país como um todo: respeitando sua pluralidade de raças, crenças, sexualidades, opiniões, posições políticas, respeito aos Direitos Humanos e, sobretudo, valorização do saber crítico.
Antes de injetar um slogan político nas manhãs escolares, é preciso investir mais em educação; ampliar os valores míseros pagos aos professores; construir escolas de qualidade; acompanhar, de fato, o aprendizado desse aluno, colocando a educação no epicentro da política nacional. Após ultrapassar essas etapas, precisamos ressignificar nosso nacionalismo para que todos se sintam parte dessa nação. Até lá qualquer "sugestão" patriótica soará contraproducente.

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