28 agosto 2018

Drácula - de Bram Stoker



Nutro uma imensa admiração pelo universo vampiresco. A princípio, a volúpia desses seres era o que mais me atraia. Seu ar sedutor mexia com o meu ego, provavelmente carente de tamanho magnetismo. Hoje, para além dessas peculiaridades, percebo o que mais me chama a atenção neles. Sou notívago. Logo, semelhante aos vampiros, a noite é o meu habitat natural. O silencio, a penumbra, a magia do luar e todo o misticismo noturno me enternecem. Para além disso, a imortalidade, mesmo que à custa do sangue alheio, me parece o combo perfeito para idolatrar essas figuras da escuridão. Sua privilegiada longevidade, sua capacidade de se metamorfosear em outros animais, voar e seduzir quem quer que seja, fez com que os vampiros sobrevivessem no imaginário popular, chegando a era atual tão fabuloso quanto em sua origem controversa no antigo mundo, cercado de crenças imaginárias sobre seres animalescos.

Nada mais justo, então, do que conhecer a gênese dessa criatura no universo literário a partir do clássico Drácula de Bram Stoker. Lançado em 1897 pelo irlandês Bram Stoker, trata-se de um romance gótico que narra a história de Drácula, um Conde residente na Transilvânia, desejoso em morar em terras Inglesas. Essa obra foi escrita em forma epistolar, ou seja, por meio de cartas, diário de bordo, relatos do cotidiano, em que os personagens contam os inacreditáveis acontecimentos envoltos à misteriosa atmosfera do vampiro. É um livro relativamente longo, mas nem por isso de leitura cansativa, apesar das inúmeras referências existentes nos rodapés das páginas, necessárias para a compreensão do enredo. Seu forte viés histórico é outro ponto a ser citado. Para maior entendimento da história, é preciso contextualizar o período histórico em que esta se insere. O enredo se situa antes da 1° Guerra Mundial. Então, ideais antissemitas estão presentes na obra.

Seu ritmo também merece ser pontuado. A obra não é linear quanto a cadência dos acontecimentos. Os primeiros capítulos são engenhosamente hipnotizantes e nos dão a sensação de que o livro será magistral do início ao fim. Porém, após um punhado de páginas, há uma queda, que não seria relevante, se o começo e os capítulos finais não fossem tão excepcionalmente mais excitantes. Entretanto, em sua totalidade, isso não compromete o enredo. Muito provavelmente, acostumados com uma literatura mais cinematográfica feita atualmente, estranhamos uma narrativa em que haja uma oscilação tão evidente no nível da história. O leitor também ficará surpreso, assim como eu fiquei, em não perceber a presença linguística da palavra Vampiro durante boa parte do livro. Stoker trata o Drácula como uma aparição, um ser fantasmagórico, que aparece mais por alegoria do que por chamamento. Por isso, em muitos momentos, sentimos a falta dele no enredo, porque falta uma invocação clara do autor.

Evidentemente que esse recurso trouxe um charme a mais a esse vampiro. Criou uma expectativa no leitor, que a cada página imaginava qual seria a descrição feita pelo autor. Logo, quando o Conde surge pleno na narrativa, compreendemos que as pistas deixadas por Stoker foram cruciais para entender a complexidade daquela criatura. Indiscutivelmente maniqueísta, a obra deixa claro quem são os mocinhos e os bandidos. Aos primeiros, o apego à religiosidade é nítido. Na verdade, o conservadorismo religioso no que se refere ao pecado, mortalidade, perdão, remissão, penitência, vão de encontro às características maléficas do vampiro. Ele representa a oposição aos desígnios divinos. Entretanto, nem isso tirou do Drácula o seu inegável carisma. Inteligente, sagaz, assustadoramente atraente, é, indubitavelmente, o personagem em que a vilania não maculou seu protagonismo. Pelo contrário, é a sua aura nefasta o que o faz despertar em nós os sentimentos mais controversos.

Trata-se de um morto-vivo, que por lógica deveria ser repugnado por nós, mas não é isso que acontece. As artimanhas do vampiro ao querer adentrar no mundo civilizado nos fazem imaginar como seria a sociedade daquela época, e porque não a atual, regido por alguém de tamanha astúcia. Esse é o outro ponto principal do livro, discutir o embate entre as crenças do antigo mundo e a crescente modernidade das cidades europeias. Como se sabe, Stoker bebeu de fontes muito antigas para elaborar essa história. A Irlanda, seu país de origem, é conhecido pelas lendas envolvendo duendes, fadas, dentre outros seres imortais que formaram o imaginário daquele povo ao longo da história. Com a expansão da Europa pelo resto do mundo, muitas tradições antigas forma esquecidas ou simplesmente deletadas dos ritos populares. Então, ao elencar a história de um ser que bebe sangue humano, imortal, estamos diante de um desejo de manutenção das autênticas narrativas mágicas da formação da Europa.

Nosso lado mais lascivo é significante em Drácula. Ele que ataca majoritariamente moças virgens diz muito do que herdamos de erotismo ao longo dos sexos. Nossa cama ainda é repleta de culpa, cuja sentença é aplicada por uma visão religiosa, que na obra é criticada a partir do provincianismo dos personagens. Por isso, o vampiro se torna o contrapeso nesse sentido. O Conde é a luxúria intolerável, mas buscada por todos nós para apimentar nossas insossas relações sexuais. Seu beijo ardente é a prova disso. Meticuloso, ele desfruta da sua presa aos poucos, sem pressa, até ela desvanecer por completo e se tornar sua escrava-amante eternamente. Quantas pessoas não se submeteriam a isso para serem plenamente realizadas no sexo. Porém, em contrassenso a essa, para muitos, devassidão, Stoker coloca personagens que validam os ideias da época como o casamento, a pureza, a virgindade, donzelas indefesas, estratégias que mantêm a hegemonia comportamental entre as relações conjugais tão atuais e frágeis como em outrora.

Por essa razão, Drácula de Bram Stoker serviu de inspiração para tantas outras obras do gênero, tanto na literatura, quando no cinema e teatro. O sanguessuga mais famoso do mundo traz muito de nós em sua essência, por isso ele se imortalizou em tantas obras. Ansiamos a imortalidade. Então, Drácula personifica esse nosso desejo de burlar a morte, adentrando as reentrâncias do tempo, mesmo que para isso tenhamos que renegar a dádiva divina baseada na finitude dos corpos. O vampiro representa essa afronta aos desígnios de Deus guardada em muitos de nós, que lotam as salas de cinema para idolatrar a potência daquele ser que venceu o invencível, o fim. Mostra o nosso lado animalesco, que não pensa duas vezes em exterminar o outrem, desde que a nossa sobrevivência esteja plenamente assegurada. Então, nada mais justo do que o Nosferatu ter as feições mais humanas possíveis, embora, embaixo daquela máscara haja um monstro, assim como há em cada um de nós.

Leitura imperdível.

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