Na Antiguidade, a imagem se inseria,
ainda mais profundamente que a escrita, na vida cotidiana, recontando
narrativas míticas e familiarizando seus integrantes uns com os outros através
de representações de situações idealizadas e vivenciadas. A visão da nudez,
mesmo em imagem, por estar sempre pronta a despertar emoção erótica, parece
dificilmente compatível com a suposta pureza da contemplação estética. Mas, sem
dúvida, sem o poder de Eros, não haveria nem escultura, nem pintura. O
interesse tão especial dispensado na arte à nudez do corpo humano é complexo,
logo, impuro: para aqui convergem todos os instintos elementares, todas as
pulsões obscuras, assim como todos os subterfúgios e todo o sucesso da
sublimação. É por isso que o Nu é o tema artístico por excelência: motivo de
fervor, oportunidade de entusiasmo e, às vezes, em certos casos cruamente
realistas, sujeito à compaixão, objeto de repulsa fascinada, símbolo de
obscenidade.
Durante a Idade Média europeia, dizem,
apenas nos banhos públicos era permitido se mostrar sem roupa. Em qualquer
outro lugar, nada de nudez. Não podia ser vista em lugar nenhum, nem mesmo na
pintura. Quase que nada na escultura. A responsabilidade por esta privação
costuma ser atribuída ao cristianismo. Ao contrário do paganismo helênico e
romano que a precederam, esta religião, rigorosa e obstinada, pregou por mais
de mil anos a depreciação do corpo, o desprezo pela carne e a proscrição da
nudez. Tal é a reputação que lhe foi atribuída, e há, certamente, alguma
verdade nesta ideia geral. Quando o homem e a mulher aparecem nus em certas
representações medievais, pois isso acontece, percebemos que se sentem
extremamente constrangidos. A nudez, nessa época, é antes de tudo a dos nossos
primeiros antepassados, disformes, dignos de pena, depois do pecado. Em
seguida, vem aquela dos condenados, que vemos cair no Inferno por ocasião do
Juízo final. O corpo sem vestes é patético: corpo vergonhoso de Adão e Eva,
corpo atormentado dos malditos; ou, então, o corpo supliciado do Cristo, e os
corpos torturados, de vários modos, dos mártires. Não simplifiquemos: existe
também, podia existir, nesses tempos austeros, uma nudez feliz, sinal de
inocência, a gozar, com toda a candura, dos benefícios inauditos do paraíso
terrestre. Mas a desgraça é sempre iminente. Como a Europa olhava para alhures
de forma completamente exótica – para não dizer “estranha” – franceses e
holandeses que retratavam nossa terra e seus primeiros habitantes,
pintavam-lhes sempre na presença de frutas, cestos, tartarugas e tatus. Coisas
que o europeu não conhecia. Mas isso não era fator de burrice por parte dos
homens brancos. Ao contrário: o retrato da miséria da terra brasilis estava
agora ligado ao nu.
Nos tempos da Idade Moderna, podemos
ressaltar as duas visões completamente opostas sobre esse assunto: a
pureza\inocência – já que foi citada - e a pobreza\selvageria. Para falar do
primeiro ponto, é necessário que se faça um levantamento das características do
Renascimento Cultural. Sabe-se que o controle da produção cultural e o poder
ideológico eram detidos pela Igreja Católica desde o medievo e norteavam a vida
dos europeus. Por isso, os valores teocêntricos que exaltavam o poder de Deus,
bem como os preceitos do catolicismo romano, sempre preponderaram as produções
artísticas até então. Porém, a reformulação do pensamento artístico e
científico trazida pela Renascença Italiana mudaram completamente os modelos de
fazer arte. Ao retomarem os apegos artísticos greco-romanos, os renascentistas
como Michelangelo, Da Vinci e Rafael Sanzio, decidiram pintar homens e mulheres
de uma forma que pudesse representar a pureza e o caráter divino dos seres
humanos. Por isso, em obras como Davi, o homem sempre era representado com um
pênis pequeno, pois, se, baseados no antropocentrismo e no humanismo, o macho
se aproxima ou até mesmo é sua própria divindade, por que dar um caráter
bestial a algo tão sacro¿ Não era vergonha na época do Renascimento mandar um
“nude” se você era “bisquí”. Era divino.
A Renascença também trouxe avanços
científicos e, não se pode deixar de destacar, o consequente desenvolvimento
das artes náuticas. Em 1415, Portugal se lança no tão temido “Além-Mediterrâneo”
para descobrir novas terras e angariar novas fontes de riqueza para a Coroa. 22
de abril de 1500, a tão “desconhecida” Terra de Vera Cruz passa a ser explorada
e antes mesmo que se chegasse à beira da praia, “seis ou sete homens nus, sem
qualquer vergonha andavam por ali”, como escreveu Pero Vaz de Caminha em sua
carta. Retomando pensamentos tidos como “neoplatônicos”, o bom e o belo se
interligavam pela pureza dos corpos de uma comunidade que não conhecia a fonte
dos pecados sexuais, exatamente por não terem cognição daquilo que educava o
europeu. O “índio” por não conhecer os preceitos do povo cabralino e, mais
tarde, anchietano, andavam nus o tempo inteiro porque eram inocentes.
Puros...não, não. Aí já é demais. Manuel da Nóbrega, em tempos de catequese,
pedia a seus superiores em cartas “panos para cobrir as vergonhas dos selvagens
desta terra”. O erotismo e a sexualidade não eram colocados aí. Apenas a
inocência e, consequentemente, pela ausência da tardia educação
cristã-europeia, uma visão transformada do nu: receptáculos muito fáceis de
forças diabólicas.
Pulemos para a ponte da
contemporaneidade e das pós-modernidade. A mulher, paulatinamente, cresce
dentro da sociedade e com isso vem seu empoderamento: o grito mais audível
referente a tal assertiva é o quadro “A liberdade guiando o povo”, obra que
retrata a Revolução Francesa. O sentimento de ser livre é associado a uma
mulher mostrando os seios. Eu vejo isso como um “nude”, afinal o que é um nude
senão algo que choca, excita, anima, traz risada ou, até mesmo, vergonha? Ver a
liberdade representada por uma mulher que expunha os seios é tudo, menos,
conservador para a virada do século XVIII-XIX. Era o maior exemplo de como se
viver sem ninguém – Igreja, Estado ou qualquer outra instituição – dizer que
roupa você deve vestir ou SE deve vestir. Mulheres...tão estigmatizadas desde
Eva e, por isso, maquiadas por uma falsa máscara de subversão, quando na
realidade, são revolucionárias. O século XX esteve aí para nos mostrar que,
mesmo num mundo dividido pelas incertezas do capital e do social, lá estavam as
mulheres queimando seus sutiãs, andando nuas e dizendo “we can do it!”. Embora,
em alguns casos, não terem ateado fogo nas suas peças íntimas, que nude
inflamável, hein? O corpo e o nu, mais uma vez, representavam assim o novo, o
poder e a vontade mais que possível de serem livres de qualquer opressão.
E Bauman já nos fala dessa sociedade
líquida da pós-modernidade, na qual as coisas são fluidas como água e que, para
o bem ou para mal, são aproveitadas. Com esse mundo, vem os smartphones, as
redes sociais e, em especial, o Snapchat. Dois, três, cinco ou até 10 segundos
de provocação podem ser liberados com um nude. Muitos se escondem atrás da tela
do celular, já outros, sequer precisam disso. O nu, para muitos, ainda é motivo
de vergonha. Para outros, mandar um nude é algo natural, excitante,
engraçado...e, porque não, libertador para um passo além das câmeras. Os
modelos que pintam o corpo estão aí também para provar que a nudez pode ter
suas diversas faces em ganhar o pão de cada dia, afinal, é necessário
materializar os discursos e “meu corpo, minhas regras”. Meu nude, então, oras.
“Não se tem muito o que falar da nudez nos tempos atuais, afinal é algo tão
banal”, dizem. Sorte seria se essa nudez fosse ligada à inocência e não fosse
fonte de suplantar, abusar e desvalorizar o próximo. E a sociedade brasileira
acha que está acostumada com o corpo nu por causa dos avanços cibernéticos e o
por conta do próprio nude em si. Coitados dos brasileiros. Não falamos nem em
sair sem blusa por aí, mas no dia em que – e o problema é seu se você não
aceita e tenta mascarar a realidade rasteira do seu país – meninas andarem
mostrando apenas a barriga ou usarem um short não forem alvos de violação...o
nude, então, será fichinha e algo completamente normal. Sem medos, sem
vergonha, sem abuso, sem nada...ops! Nude.
Os nudes são estupendos, sob vários
pontos de vista. De um modo geral, para cada flash acionado, uma parte da obra
foi escolhida. Foi isolada, ampliada e os filtros são usados. Essa focalização
inabitual faz surgir vários detalhes nunca vistos, vários aspectos nunca percebidos
dessa maneira. Ele, o nude, cria, de certa forma, seu objeto. E mais, em certos
casos, o fato de o olho ter se aproximado produz algo de perturbador. O olhar
está muito próximo de uma carne doce e firme. Não se poderia estar mais próximo
de uma carnação milagrosa. Prestes a tocar a pele nua. E o que vemos? Depende.
E aí...manda nudes?
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