Vivemos
uma revolução musical no Brasil. Nunca na história nacional tantos artistas
assumidamente LBGT’s encaram a cena artística do país. O momento para isso não
poderia ser mais oportuno. Em meio às mídias sociais, os grupos de militância
estão ganhando cada vez mais força, com discursos de empoderamento contrários
aos preconceitos de gênero, orientação e identidade. Porém, tanta visibilidade
tem um preço. É o que a Drag Pop brasileira Pabllo Vittar tem sentido na pele.
Ícone das atuais transformações musicais, e culturais, do país, ela já foi
ignorada em entrevista, atacada com discursos homofóbicos na rede e há pouco
teve seu canal do YouTube Hackeado. Isso deixa claro o desconforto causado não
apenas pela existência da cantora Pabllo, mas pelo sucesso que ela tem
conquistado para além do público gay.
Apesar
do que dita o preconceito, música não tem gênero, tão pouco sexualidade. Mesmo
assim, durante anos, a sociedade foi construída a partir de versos cantados de
hétero para hétero. A exceção se dava quando tinha como foco a comicidade.
Atualmente, porém, há diversos cantores preenchendo esta lacuna. Liniker,
Johnny Hooker, Rico Dalasam, são exemplos disso. Em suas canções são
representados os dilemas vividos pelo segmento LGBT, os quais são ignorados
pelo público em geral. A Pabllo não se destaca nesse sentido, pois suas músicas
não trazem uma plataforma política como discurso principal. A ideia é dançar,
se divertir, rebolar, bater cabelo, gritar, pular, coisa que independe da
sexualidade da plateia. Por essa razão ela agradou tão rapidamente uns e
desagradou a outros, por romper o padrão heteronormativo também existente no
ideal de artista.
Evidentemente
que entre os opositores da Pabllo nem todos são heterossexuais. Há muitos gays
que afirmam não gostar da artista, seja por causa da voz, do estilo da música,
pela falta de empoderamento em suas letras ou por ela ser afeminada (pasmem!).
Os motivos são variados e, em alguns casos, compreensíveis. Deve ser difícil
digerir uma drag cantora quando o país nem sequer sabe direito lidar com
questões ligadas a sexualidade. Todavia, uma coisa é indiscutível, a Pabllo é
um ícone, um fenômeno, pós marco iniciado lá atrás por artistas como Ney
Matogrosso. Para os céticos, basta listar as conquistas recentes dela: parceira
com Anitta e Major Lazer, convites para programas de auditório, clipes com
milhares de visualizações no YouTube, shows lotados e uma legião de fãs nas
redes sociais. Além dela está colocando o país na cena Pop Internacional como
poucos cantores nacionais já o fizeram.
Claro
que ninguém encara a fama de uma determinada celebridade da mesma forma.
Enquanto uns aceitam e entendem o porquê da representatividade existente na
Pabllo, há outros que simplesmente a ignoram. Sem problemas nisso. Até porque,
a arte toca cada pessoa a sua maneira. Contudo, há um abismo entre não gostar e
repudiar. Entre a mera rejeição e a declarada censura. Entre o ato de trocar de
rádio ao de violar o canal da artista no YouTube. Percebam a ruína existente na
completa aversão da artista quando se leva em conta que o real motivo para tudo
isso está em sua performance no palco. Trata-se de um homem de peruca, vestido
com roupas típicas do que se entende como “universo feminino”, cantando com uma
voz fina e com a face exageradamente maquiada. Esse é o olhar grosseiro
direcionado pelo preconceito, ignorando qualquer sutileza artística que há na
apresentação daquela drag e o porquê dela está tão plena no palco.
É
a inveja. Ela é responsável por menosprezar o triunfo alheio. Quando o outro é
assumidamente LGBT esse pecado capital ganha novos contornos. Isto porque,
temendo aquilo que não se conhece, e/ou não se permite conhecer, o invejoso
cobiça para si o que ele considera que não pode ser do outro. No caso dos gays
seria a liberdade de ser e de se expressar como se é. Para isso vale de tudo
para anular tal êxito, desde xingamentos, espancamentos e mortes. Quantos
LGBT’s são mortos porque somos uma sociedade que julga a homossexualidade de
dia e se deleita dela à noite, através das estereotipadas travestis, pelos
michês e tantos outros arranjos sexuais condenados pelos puritanos? Inúmeros.
Nem saberíamos mensurar. Então, a Pabllo Vittar fomenta a inveja alheia por dar
voz a tantos jovens da idade dela, que encaram a sociedade de frente, com suas
identidades e construções sexuais diversas.
Em
contrapartida, nem todos os famosos tiveram a mesma sorte dela. Vivemos num
país onde há muitos artistas gays ainda nas coxias, temendo ir a público para
não perder contratos e, o pior, o respeito adquirido às custas de uma farsa
hétero. No Brasil, os poucos que se rebelaram sabem o quão penoso isso foi para
suas carreiras. Os Cantores Netinho e Daniela Mercury são provas disso, que
mesmo na grande mídia, não detém o prestígio social de antes. Acontece que a
Pabllo já veio montada, de salto alto, blush e muito brilho. Ou seja, ela abriu
caminho para que muitos outros artistas renegados aos guetos das boates, saunas
e tantos outros espaços destinados ao público gay, ganhassem o grande público.
Neles há transformistas, drags, cantores(as), comediantes, atores/atrizes,
incríveis, mas que não têm oportunidade de mostrar nacionalmente seus talentos.
Talvez a Pabllo tenha se tornado a fada madrinha dos próximos artistas que
abrilhantarão a cena artística do país.
Enquanto
uns jogam pedra na Pabllo, provavelmente a mesma lançada contra Geni na canção
de Chico Buarque, estes deixam de observar o teor transgressivo que há na
existência de uma grag cantora num país ditado pelo preconceito. A Pabllo
Vittar subverteu o sistema através da forma artística mais acessível entre as massas,
a música. A voz dela mostra que é possível sim ser gay, estar montada no palco
e não necessariamente fazer um show voltado apenas ao público LGBT. As letras
das canções dela, mesmo sem a pretensão de problematizar nada, já o fazem
apenas por serem entoadas pela boca perfeitamente delineada de uma drag. Aliás,
há muitos cantores(as) héteros com letras sem reflexão alguma e isso nem sequer
é atribuído como argumento negativo para suas carreiras, porque com uma artista
gay isso seria relevante? Possivelmente para sabotar seu trabalho. O que é uma
pena, pois mostra que a inveja, o despeito e o preconceito continuam estampados
na nossa cara, ops, na sua cara.
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