19 janeiro 2015

Escrever bem é para poucos - Luce Pereira





       Uma matéria na edição de novembro de 2010 da revista Superinteressante fazia uma controversa pergunta (e esta não quer calar mesmo): “Por que o Brasil lê pouco?”. As causas seriam pelo menos três - falta desta tradição, no país; pessoas que não trazem o hábito de casa; e a não formação de novos leitores, item que vai diretamente para a conta das escolas. E o alto preço da falta de intimidade com os livros apareceu nos desastrosos números da última prova de redação do Enem, realizada nesta semana: dos pouco mais de 6 milhões de estudantes inscritos, 529 mil tiraram nota zero e somente 250 conseguiram a nota máxima, entre esses, duas pernambucanas - Andréia Lira (18 anos) e Marianne Rodrigues (17).

       Evidentemente, a performance das duas não traduz a qualidade da educação no estado, mas pode ser justificada por pelo menos um dos três motivos citados pela revista na tentativa de explicar o reduzido universo de leitores do país: elas leem muito e desde cedo, o que nem serve para justificar aquela (falsa) crença de que a facilidade de escrever é privilégio apenas de quem tem perfil para a área de ciências humanas - Andréia Lira (18 anos) está de olho em uma vaga no curso de engenharia e Marianne Rodrigues (17), no de medicina. Ou seja, mostraram que sem a força do hábito salvador e a virtude do esforço individual, poderiam, na melhor das hipóteses, ficar entre os quase 5,5 milhões que escaparam de fazer parte da vexatória lista.

        Aliás, a coleção de vexames encontrados nas provas de redação do Enem podem não levar o candidato a uma vaga na universidade, mas ajudam a alimentar o humor nacional como nenhum outro assunto. Isso porque, além de o português estropiado arrancar gargalhadas, ainda existem as pérolas que nascem de raciocínios deformados pela falta de informação e conhecimento, o que parece dar sentido à frase “muitos brasileiros foram do analfabetismo à TV sem passar na biblioteca”. São estas pessoas que, na tentativa de preencher o espaço do texto, escrevem absurdos como “nos dias de hoje a educação está muito precoce” ou “está muito difícil de achar os pandas da Amazônia”. E ainda em torno de temas ligados à natureza, alguns do tipo “os desmatamentos de animais precisam acabar” e “os lagos são formados pelas bacias esferográficas”.

        Se por um lado o desempenho de Andréia e Marianne atrai holofotes para Pernambuco, por outro evidencia que feitos semelhantes são uma raridade por aqui quando deveriam aparecer mais amiúde, como resultado de uma educação comprometida com o futuro. E, é claro, não existe educação de bom nível sem que o estímulo à leitura nasça em casa e encontre na escola e no espaço público ambientes propícios para se fortalecer.

       Não custa lembrar que, em Pernambuco, a política de manutenção e criação de novas bibliotecas simplesmente não existe, as que conseguiram sobreviver até hoje são poucas e servem apenas para abrigar acervos ultrapassados. Daí se conclui o óbvio: também não há políticas de governo para estimular o gosto pela leitura, que é essencial não apenas na hora da redação do Enem, mas em todas. “Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo”, escreveu certa vez o jornalista Paulo Francis, apoiado por um dos slogans mais verdadeiros da publicidade brasileira: “Quem não lê não fala, não ouve, não vê”. 

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