A música toca
freneticamente. As luzes reverberam acompanhando esse frenesi produzido pelo
ballet de cores luminosas. Em baixo, como marionetes, as pessoas dançam e se
entregam ao feitiço das luzes. Estou na balada, mais precisamente na fila para
entrar nela. Resolvi sair de casa na esperança de me divertir. Queria espairecer as deias, ver gente nova e,
de preferência, bonita. Ao mesmo tempo, queria ouvir boa música, dançar, comer,
jogar conversa fora e, quem sabe, beijar na boca.
Então, foi o que fiz.
Fui à balada. Mesmo diante da inquestionável mesmice que me aguardava, decidi,
esperançoso, que essa noite seria diferente, coisa que eu já tinha me dito
várias vezes nas quatro outras noites do mês passado. Nessa iria me jogar,
beber até o sol raiar ou até o meu fígado suportar. Era sábado, no domingo
poderia descansar o máximo para recobrar as forças, já que na segunda feira era
dia do trampo.
Me arrumei todo,
escolhi aquela roupa que melhor valorizava meu corpo. Me banhei de cremes e perfumes,
deixando um rastro de diversos aromas juntos no ar. Sem esquecer, é claro, das
joias. Pus as minhas pulseiras mais bonitas, alguns anéis impactantes e o
relógio mais pomposo de que tanto gosto. Mais uma olhada no espelho. Uma
ajeitadinha daqui, uma arrumadinha dali, e pronto. Estava pronto para me jogar.
Antes de sair, porém, pensei em ligar para um amigo que me fizesse boa
companhia. Pensei em vários e marquei com um. Nos encontramos na entrada da
balada, como combinado.
Perto do clube aonde
ia, vi outras pessoas arrumadas e prontas para fazer o mesmo que eu, se
divertir. Porém, por um instante, eu fui pego pensando no que levaria tanta
gente a buscar o mesmo roteiro que eu. Elaborei algumas hipóteses. Talvez
estivessem indo comemorar alguma coisa, ou apenas marcaram com alguém
interessante. Que sabe para arriscar e encontrar aquela pessoa especial que há
tempo faltava em suas vidas. Nesse instante também me perguntei por que eu
estava indo à balada e descobri, assustado, que não sabia dizer o que me levava
até lá. Talvez um pouco de cada um dos hipotéticos dilemas que criei sobre
aquelas pessoas.
Em meio aos meus
pensamentos, fixei meu olhar no rosto dos baladeiros ai presentes. Muitos
estavam ansiosos por uma possível diversão. Outros exibiam no olhar a
necessidade de que aquela noite deveria mudar suas vidas. Muitos desejavam
apenas uma noite causal. Poucos queriam encontrar a pessoa ideal. E, por fim,
percebi que quase todos ali presentes estavam vazios por dentro e foram badalar
em busca de algo que os preenchesse. Inclusive eu. Eu também estava oco, mas
não sabia o certo o que me faltava. Semelhante a todos, eu buscava por um nada,
que era tudo o que precisava.
Em baixo daquelas
luzes, nossas almas ganham vidas e se perdem no emaranhado de braços ávidos por abraços e bocas sedentas
por um beijo de afeto. Com a música ensurdecedora, não escutamos nossos
corações baterem. Em seu lugar, ouvimos a batida da música dar vida a um
coração tenta renascer dentro de um corpo que já estava morto há muito tempo.
Diante disso, continuei fixado nos rostos daqueles desconhecidos e me vendo
refletido neles. Mesmo sem saber seus nomes, algo entre nós mantinha um
indissolúvel elo. Intuí que a nossa interação era mantida pela terrível sombra
da solidão.
Solidão esta que corrói
por dentro quando estamos angustiados. Que nos consome quando a frustração bate
em nossas portas. É a mesma que quando não concretizamos um desejo, ou quando
um sonho morre à deriva no mar da desesperança. O sentimento que nos domina
quando alguém especial se vai antes de hora. Ou quando sentimos que o mundo a
nossa volta nos abandonou. Movidos por essa solidão, buscamos nos safar dela em
bares, boates, clubes, enfeitiçados por uma alegria efêmera vem e vai tão
rápido quando uma dose de gim, ou quando a noite insistem em ceder para o dia.
Sem perceber, eu estava
só no meio de tantas outras pessoas na mesma situação. Querendo me encontrar,
me deparei com outros indivíduos perdidos e drinks alucinantes e danças cada
vez mais provocantes. Semelhante a tantos outros nessa centelha de falsos
prazeres, fiquei imóvel vendo a multidão entrar. Senti a presença do meu amigo
chegar, mas não reagi. Não estava lá. De repente, como se tivesse acordado de
um transe, olhei em todas as direções e vi que na babada é tudo igual. Jogos de
luzes, música contagiante, alegria de outdoor e nada mais. Festa de vampiros
que se desfazem ao amanhece entre cinzas, silêncio e solidão, como no triste
olhar do pierrô.
Com o estridente toque
do meu celular, voltei à consciência do transe que estava. Me vi pronto para
sair de casa em frente ao espelho com o olhar distante, vago. Entre sonho e
realidade, fiquei na dúvida entre sair e vivenciar o que acabara de imaginar,
ou em ficar e casa. Sabia que era uma daquelas pessoas solitárias em busca de
um autoencontro. O desejo de desistir da noitada aumentava. Não podia fazer o
que todos fazem, muito menos consciente disso. Deveria haver um jeito de
preencher esse vazio que me consome. Mas, quando o meu telefone tocou mais uma
vez, vi que era o número do meu amigo. Atendi pronto para recusar qualquer
convite. Ele, mais rápido que eu, foi direto ao ponto. Seu pedido foi claro:
vamos babalar? Te espero lá! Falei sem hesitar.
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