29 junho 2014

Na balada é tudo igual



A música toca freneticamente. As luzes reverberam acompanhando esse frenesi produzido pelo ballet de cores luminosas. Em baixo, como marionetes, as pessoas dançam e se entregam ao feitiço das luzes. Estou na balada, mais precisamente na fila para entrar nela. Resolvi sair de casa na esperança de me divertir.  Queria espairecer as deias, ver gente nova e, de preferência, bonita. Ao mesmo tempo, queria ouvir boa música, dançar, comer, jogar conversa fora e, quem sabe, beijar na boca.
Então, foi o que fiz. Fui à balada. Mesmo diante da inquestionável mesmice que me aguardava, decidi, esperançoso, que essa noite seria diferente, coisa que eu já tinha me dito várias vezes nas quatro outras noites do mês passado. Nessa iria me jogar, beber até o sol raiar ou até o meu fígado suportar. Era sábado, no domingo poderia descansar o máximo para recobrar as forças, já que na segunda feira era dia do trampo.
Me arrumei todo, escolhi aquela roupa que melhor valorizava meu corpo. Me banhei de cremes e perfumes, deixando um rastro de diversos aromas juntos no ar. Sem esquecer, é claro, das joias. Pus as minhas pulseiras mais bonitas, alguns anéis impactantes e o relógio mais pomposo de que tanto gosto. Mais uma olhada no espelho. Uma ajeitadinha daqui, uma arrumadinha dali, e pronto. Estava pronto para me jogar. Antes de sair, porém, pensei em ligar para um amigo que me fizesse boa companhia. Pensei em vários e marquei com um. Nos encontramos na entrada da balada, como combinado.
Perto do clube aonde ia, vi outras pessoas arrumadas e prontas para fazer o mesmo que eu, se divertir. Porém, por um instante, eu fui pego pensando no que levaria tanta gente a buscar o mesmo roteiro que eu. Elaborei algumas hipóteses. Talvez estivessem indo comemorar alguma coisa, ou apenas marcaram com alguém interessante. Que sabe para arriscar e encontrar aquela pessoa especial que há tempo faltava em suas vidas. Nesse instante também me perguntei por que eu estava indo à balada e descobri, assustado, que não sabia dizer o que me levava até lá. Talvez um pouco de cada um dos hipotéticos dilemas que criei sobre aquelas pessoas.
Em meio aos meus pensamentos, fixei meu olhar no rosto dos baladeiros ai presentes. Muitos estavam ansiosos por uma possível diversão. Outros exibiam no olhar a necessidade de que aquela noite deveria mudar suas vidas. Muitos desejavam apenas uma noite causal. Poucos queriam encontrar a pessoa ideal. E, por fim, percebi que quase todos ali presentes estavam vazios por dentro e foram badalar em busca de algo que os preenchesse. Inclusive eu. Eu também estava oco, mas não sabia o certo o que me faltava. Semelhante a todos, eu buscava por um nada, que era tudo o que precisava.
Em baixo daquelas luzes, nossas almas ganham vidas e se perdem no emaranhado  de braços ávidos por abraços e bocas sedentas por um beijo de afeto. Com a música ensurdecedora, não escutamos nossos corações baterem. Em seu lugar, ouvimos a batida da música dar vida a um coração tenta renascer dentro de um corpo que já estava morto há muito tempo. Diante disso, continuei fixado nos rostos daqueles desconhecidos e me vendo refletido neles. Mesmo sem saber seus nomes, algo entre nós mantinha um indissolúvel elo. Intuí que a nossa interação era mantida pela terrível sombra da solidão.
Solidão esta que corrói por dentro quando estamos angustiados. Que nos consome quando a frustração bate em nossas portas. É a mesma que quando não concretizamos um desejo, ou quando um sonho morre à deriva no mar da desesperança. O sentimento que nos domina quando alguém especial se vai antes de hora. Ou quando sentimos que o mundo a nossa volta nos abandonou. Movidos por essa solidão, buscamos nos safar dela em bares, boates, clubes, enfeitiçados por uma alegria efêmera vem e vai tão rápido quando uma dose de gim, ou quando a noite insistem em ceder para o dia.
Sem perceber, eu estava só no meio de tantas outras pessoas na mesma situação. Querendo me encontrar, me deparei com outros indivíduos perdidos e drinks alucinantes e danças cada vez mais provocantes. Semelhante a tantos outros nessa centelha de falsos prazeres, fiquei imóvel vendo a multidão entrar. Senti a presença do meu amigo chegar, mas não reagi. Não estava lá. De repente, como se tivesse acordado de um transe, olhei em todas as direções e vi que na babada é tudo igual. Jogos de luzes, música contagiante, alegria de outdoor e nada mais. Festa de vampiros que se desfazem ao amanhece entre cinzas, silêncio e solidão, como no triste olhar do pierrô.
Com o estridente toque do meu celular, voltei à consciência do transe que estava. Me vi pronto para sair de casa em frente ao espelho com o olhar distante, vago. Entre sonho e realidade, fiquei na dúvida entre sair e vivenciar o que acabara de imaginar, ou em ficar e casa. Sabia que era uma daquelas pessoas solitárias em busca de um autoencontro. O desejo de desistir da noitada aumentava. Não podia fazer o que todos fazem, muito menos consciente disso. Deveria haver um jeito de preencher esse vazio que me consome. Mas, quando o meu telefone tocou mais uma vez, vi que era o número do meu amigo. Atendi pronto para recusar qualquer convite. Ele, mais rápido que eu, foi direto ao ponto. Seu pedido foi claro: vamos babalar? Te espero lá! Falei sem hesitar.

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