De tempos em tempos alguém consegue subverter a ordem da indústria da música pop. Este ano, por exemplo, Justin Timberlake lançou não apenas um, mas dois bons álbuns duplos, chacoalhando o consagrado formatinho “CD + turnê”. Anteontem, foi a vez de Beyoncé fazer barulho. Na calada da madrugada de sexta-feira ela lançou “Beyoncé”, um “álbum visual” composto por 14 faixas e 17 videoclipes inéditos, tudo num único pacote e em formato exclusivamente digital. O buzz foi instantâneo e em dimensões planetárias.
A opção por lançar todos os vídeos de uma vez só e atrelados ao álbum ganha explicação da própria cantora no vídeo de divulgação, liberado no mesmo dia do lançamento do CD... opa, quer dizer, do álbum: “A maneira como as pessoas experimentam a música mudou. Gostaria que os fãs tivessem a experiência completa de cada faixa, com acesso ao universo visual e à história de cada uma delas”. E quanto à estratégia do lançamento, Knowles foi sucinta: “Ainda existe gente demais entre o artista e seus fãs. Não queria ninguém entre nós desta vez. Quis apenas fazer a minha arte e entregá-la. Está feito”.
E muito bem feito, diga-se de passagem. Se Beyoncé ainda precisa de um amigo de fé para acertar o timing dos seus shows ao vivo, sempre atravancados por excessivas trocas de roupas entre as músicas e um roteiro irregular, em “Beyoncé” a cantora exercita o que tem de melhor, a mistura de boa parte da tradição da música americana em uma única artista. Pense na linguagem do r&b com todos os seus grooves e graves, mas também lembre-se dos musicais da Broadway e dos longas da Metro. E ao curtir a tal experiência proposta pela artista em “Beyoncé”, siga a bula: pule todas as músicas em áudio e inicie a viagem a partir da faixa 15, quando o álbum recomeça, desta vez casando som e imagem. “Pretty hurts” é a estação primeira de “Beyoncé”, uma balada deliciosa, forte, que começa com um vocal à capela básico, daqueles para não deixar dúvida de quem manda por ali.
Passe por “Drunk in love”, em que ela e Jay-Z se assumem literalmente bêbados e cambaleantes numa praia deserta à noite, deixando alta a temperatura do ambiente, que pede uma boa pista de dança. À esta altura, você já estará pronto para a migração até o clima fetiche-chique de “Haunted”, quase em downtempo, embrulhada por um vídeo que cita, assumidamente, “Erotica”, de Madonna.
Em “Ghost”, os beats eletrônicos menos dançantes e mais “trip-hopescos” entram em cena, para acompanhar a languidez das imagens andróginas que passam em fundo branco. E a mulher das ruas vem no alter ego “Yoncé”, em que o batidão é gordo em áudio, e as requebradas são violentas em vídeo.
O ponto final “Blue” é leve, gostoso como uma praia carioca ao fim de tarde, em que a própria Beyoncé aparece com sua filha, Blue Ivy, em cenas ensolaradas no Rio e em Salvador.
Talvez falte ao álbum uma faixa forte como “Run the world”, por exemplo. Ainda assim, “Beyoncé” chega ao mercado sinalizando uma maneira diferente de fazer as coisas, tanto do lado “show” quanto do “business”.
Visto no: O Globo
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